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quarta-feira, 6 de julho de 2016

Secretaria de Administração Penitenciária do Rio perde controle sobre detentos



VEP denuncia regalias de detentos e falhas do sistema penitenciário
Relatório de dez páginas se refere à gestão do sistema como 'permissiva e descabida'
Em relatório endereçado ao governador em exercício, Francisco Dornelles, o juiz titular da Vara de Execuções Penais (VEP), Eduardo Perez Oberg, denunciou que a Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap) perdeu o controle da população carcerária fluminense, dominada por uma facção criminosa. No documento de dez páginas, entregue inicialmente ao secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, o juiz se refere à gestão do sistema como “permissiva, malfeita, descabida e sem qualquer política penitenciária definida” e enumera 17 casos para sustentar a denúncia. 

O dossiê é consequência de uma crise aberta entre a VEP e a Seap desde a fuga do traficante Nicolas Pereira de Jesus, o Fat Family, do Hospital Souza Aguiar, no dia 18 de junho. Na ação, foram mortas duas pessoas. Logo após o resgate, agentes penitenciários usaram as redes sociais para denunciar que os presos de Bangu III, uma das unidades do Complexo de Gericinó, haviam recebido a notícia e comemorado dentro das celas, sinal de que a transmissão da notícia conseguiu furar as barreiras de segurança.

ORDENS PARTEM DE PRESÍDIOS
O titular da VEP relata, no documento, a entrada indiscriminada de celulares, drogas e munições, a saída ilegal de presos, um deles para praticar um atentado, e cita até o caso de uma unidade prisional na qual os presos tinham o serviço delivery de uma rede de fast food. “Não restam dúvidas de que, atualmente, as ordens para a prática da imensa maioria dos crimes ousados cometidos nas ruas do nosso estado parte de dentro das prisões, emanadas dos líderes de facções criminosas que dominam as unidades prisionais, infelizmente”, lamenta. Um dos exemplos destacados para mostrar as falhas da Seap ocorreu no dia 22 de junho, quando a VEP, o Ministério Público e a Polícia Militar montaram uma operação, marcada inicialmente para as 5h, para transferir a presídios federais, fora do estado, 15 presos que estariam envolvidos na fuga de Fat Family.  

A transferência, apesar dos riscos envolvidos, só aconteceu com mais de uma hora de atraso, porque o coordenador da Operação da Seap, Marcos Ferreira de Lima, responsável pelo fornecimento dos veículos de transporte, teria dormido até mais tarde e perdido a hora, como alegou ao chegar ao local onde 75 policiais e um helicóptero o aguardavam.

Os carros da Seap, especiais para transporte de presos, deveriam levar no horário previsto os 15 transferidos de Gericinó para o aeroporto indicado pela Polícia Federal, onde uma aeronave os aguardava. “Finalmente, os carros apareceram às 6h30m, de forma descoordenada, sem conhecimento da direção da Seap acerca do que ocorria”, lamenta o juiz. A escolta dos veículos contou que, a princípio, o comboio estava programado para seguir para Macaé, levando outros presos.

Este episódio teria causado uma briga entre o juiz e o secretário de Administração Penitenciária, Erir Ribeiro Costa Filho, que teria se colocado contra a transferência para presídios federais. Para Eduardo Oberg, um suposto acordo tácito da secretaria, a pretexto de evitar rebeliões, praticamente entregou as unidades mais críticas ao controle da facção criminosa hegemônica. “Estão começando a ocorrer (as rebeliões) pela inércia absoluta da Seap, seja também por acordo expresso verbal, obviamente com a maior facção criminosa do Estado do Rio, para que a Seap não os importune a ponto de incomodar os seus negócios”.

Na lista de casos, Oberg garante que a Seap teria permitido, em dezembro de 2015, que seis presos de alta periculosidade, enquanto aguardavam a transferência para presídios federais, ficassem em Bangu I com as celas abertas, podendo transitar e conversar livremente pela galeria onde estavam durante o dia. O juiz também denuncia a descoberta, em novembro de 2015, de 45 munições de fuzil calibre 5.56 na galeria B6 de Bangu III, levando a crer que o armamento pode ter entrado pela cantina que deveria estar fechada por ordem judicial desde 2003.

Outros pontos destacados pelo juiz são insegurança e forte corporativismo facilitando a rotina dos presos do novo Batalhão Especial Prisional (BEP), em Niterói, destinado a militares presos; apreensão recorrente de drogas e celulares em Bangu 3, incluindo um roteador de wi-fi grande, de longo alcance; o não cumprimento da retirada de antenas artesanais; a saída ilegal do preso Waldemar Ferreira Bastos Neto, que teria contratado outro detento, Marcelo de Almeida Farias Sterque, para matar a melhor amiga de sua mulher, que conseguiu sobreviver ao atentado no ano passado.

Eduardo Oberg também critica o funcionamento de apenas dois de 20 scanners doados pela Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), ao custo de R$ 20 milhões, para substituir a revista manual dos presos, que causava constrangimentos. Muitos deles, sustenta o juiz, já não poderiam ser instalados, pois estariam inoperantes pela condições em que foram guardados, “o que significa o gasto inútil do dinheiro”.

O relatório cita ainda o caso de apreensão de lanches de uma rede de fast food para os internos do Presídio Elizabeth Sá Rego e o monopólio de uma única empresa, cujo nome não foi citado, no fornecimento de alimentos para as cantinas nos presídios, em contratos que envolvem R$ 30 milhões.  O juiz determinou a abertura de procedimento especial de investigação para cada caso citado e recomendou ao Ministério Público a abertura de inquérito por improbidade administrativa contra os servidores envolvidos. “O que se deseja”, segundo Oberg, é mostrar o quadro que hoje se apresenta a administração da Seap, “levando a condução do sistema penitenciário a um ponto de extremo perigo”.

Procurada, a Seap rebateu em nota os principais casos citados pelo juiz. Sobre a demora na operação de transferência de presos, alega que “o atraso admitido pelo funcionário não ocasionou prejuízo ou mesmo atraso na transferência dos internos em questão”. A Secretaria garantiu também que conta hoje com 33 scanners. Desse total, 25 já foram instalados. Destes, segundo a nota, seis estão em pleno funcionamento. “A expectativa é que todos os scanners estejam prontos e em funcionamento na segunda quinzena de julho, pois os aparelhos de ar-condicionado já foram licitados, e a expectativa é que na semana que vem sejam entregues e comecem a ser instalados. Outros oito scanners estão nas unidades prisionais aguardando o fim das obras de adaptação da portaria para serem instalados”, informou.

A Seap garantiu ainda que abriu uma sindicância para apurar a saída do preso Waldemar Ferreira Bastos Neto e afastou todos os agentes envolvidos. “A sindicância já foi concluída e está na Comissão Permanente de Inquérito Administrativo”. A secretaria garante que possui toda a documentação em livros e imagens mostrando que o interno Marcelo Sterque não saiu do sistema no dia em que ocorreu o atentado.

CELAS ESTAVAM ABERTAS
A Seap, contudo, não negou que tivesse mantido abertas as celas de Bangu III, destinadas a presos de alta periculosidade: É permitido ao preso algumas horas por dia de banho de sol. Cabe ressaltar que os internos a que se refere não estavam cumprindo sanção disciplinar ou Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e por isso ficavam com as celas abertas”.

A Seap, por fim, garantiu que não existe cantina no Bangu III: “A Seap fechou a cantina após a última rebelião, em 2003. Quanto às munições, elas foram apreendidas durante uma operação de inspetores penitenciários e pela coordenação de Bangu em 26 de outubro de 2015. Cabe ressaltar que as munições estavam enterradas e enferrujadas, sem condições de uso. Todo o material apreendido foi encaminhado para a delegacia e há um registro de ocorrência documentando o fato” A Assessoria de Comunicação de Francisco Dornelles informou que o governador ainda não recebeu o relatório, originalmente endereçado a Beltrame.

Fonte: O Globo