VEP denuncia regalias de detentos e falhas do
sistema penitenciário
Relatório
de dez páginas se refere à gestão do sistema como 'permissiva e descabida'
Em
relatório endereçado ao governador em exercício, Francisco Dornelles, o juiz titular da Vara de Execuções Penais (VEP), Eduardo Perez Oberg,
denunciou que a Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap)
perdeu o controle da população carcerária fluminense, dominada por uma facção
criminosa. No documento de dez páginas, entregue inicialmente ao secretário de
Segurança, José Mariano Beltrame, o juiz se refere à gestão do sistema como “permissiva, malfeita, descabida e sem
qualquer política penitenciária definida” e enumera
17 casos para sustentar a denúncia.
O dossiê é consequência de uma
crise aberta entre a VEP e a Seap desde a fuga do traficante
Nicolas Pereira de Jesus, o Fat Family, do Hospital Souza Aguiar, no dia
18 de junho. Na ação, foram mortas duas
pessoas. Logo após o resgate, agentes
penitenciários usaram as redes sociais para denunciar que os presos de Bangu
III, uma das unidades do Complexo de Gericinó, haviam recebido a
notícia e comemorado dentro das celas, sinal de que
a transmissão da notícia conseguiu furar as barreiras de segurança.
ORDENS
PARTEM DE PRESÍDIOS
O titular
da VEP relata, no documento, a entrada indiscriminada de celulares, drogas e munições, a
saída ilegal de presos, um deles para praticar um atentado, e cita até o caso de uma unidade prisional na qual os presos
tinham o serviço delivery de uma rede de fast food. “Não restam dúvidas de que, atualmente, as ordens para a prática da
imensa maioria dos crimes ousados cometidos nas ruas do nosso estado parte de
dentro das prisões, emanadas dos líderes de facções criminosas que dominam as
unidades prisionais, infelizmente”, lamenta. Um dos exemplos destacados
para mostrar as falhas da Seap
ocorreu no dia 22 de junho, quando a VEP, o Ministério
Público e a Polícia Militar montaram uma operação, marcada inicialmente
para as 5h, para transferir a presídios
federais, fora do estado, 15 presos que estariam envolvidos na fuga de Fat
Family.
A transferência, apesar dos riscos envolvidos, só aconteceu com mais de uma hora de atraso, porque o coordenador da Operação da Seap,
Marcos Ferreira de Lima, responsável pelo fornecimento dos veículos de
transporte, teria dormido até mais tarde e perdido a hora, como alegou ao
chegar ao local onde 75 policiais e um helicóptero o aguardavam.
Os carros da Seap, especiais para
transporte de presos, deveriam
levar no horário previsto os 15 transferidos de Gericinó para o aeroporto
indicado pela Polícia Federal, onde uma aeronave os aguardava. “Finalmente, os carros apareceram às 6h30m,
de forma descoordenada, sem conhecimento da direção da Seap acerca do que
ocorria”, lamenta o juiz. A escolta dos veículos contou que, a princípio, o
comboio estava programado para seguir para Macaé, levando outros presos.
Este episódio teria causado uma
briga entre o juiz e o secretário de Administração Penitenciária, Erir Ribeiro Costa Filho, que teria se colocado contra a transferência para presídios
federais. Para Eduardo Oberg, um
suposto acordo tácito da secretaria, a pretexto de evitar rebeliões, praticamente entregou as unidades mais críticas ao controle
da facção criminosa hegemônica. “Estão
começando a ocorrer (as rebeliões) pela inércia absoluta da Seap, seja também
por acordo expresso verbal, obviamente com a maior facção criminosa do Estado
do Rio, para que a Seap não os importune a ponto de incomodar os seus
negócios”.
Na lista
de casos, Oberg garante que a Seap teria
permitido, em dezembro de 2015, que seis presos de alta
periculosidade, enquanto aguardavam a
transferência para presídios federais, ficassem em Bangu I com as celas
abertas, podendo transitar e
conversar livremente pela galeria onde estavam durante o dia. O juiz também denuncia a descoberta, em novembro de
2015, de 45 munições de fuzil calibre
5.56 na galeria B6 de Bangu III, levando a crer que o armamento pode ter
entrado pela cantina que deveria estar fechada por ordem judicial desde 2003.
Outros
pontos destacados pelo juiz são insegurança e forte corporativismo facilitando
a rotina dos presos do novo Batalhão Especial Prisional (BEP), em Niterói, destinado a militares presos; apreensão
recorrente de drogas e celulares em Bangu 3, incluindo um roteador de wi-fi
grande, de longo alcance; o não cumprimento da
retirada de antenas artesanais; a saída ilegal do preso Waldemar Ferreira
Bastos Neto, que teria contratado outro detento, Marcelo de Almeida Farias
Sterque, para matar a melhor
amiga de sua mulher, que conseguiu sobreviver ao atentado no ano passado.
Eduardo
Oberg também critica o funcionamento de apenas dois de 20 scanners doados pela
Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), ao custo de R$
20 milhões, para substituir a revista manual dos presos, que causava
constrangimentos. Muitos deles, sustenta o juiz, já não poderiam ser
instalados, pois estariam inoperantes pela condições em que foram guardados, “o que significa o gasto inútil do
dinheiro”.
O
relatório cita ainda o caso de apreensão de lanches de
uma rede de fast food para os internos do Presídio Elizabeth Sá Rego e o monopólio de uma única empresa,
cujo nome não foi citado, no fornecimento de alimentos
para as cantinas nos presídios, em contratos que envolvem R$ 30 milhões. O juiz determinou a abertura de procedimento
especial de investigação para cada caso citado e recomendou ao Ministério
Público a abertura de inquérito por improbidade administrativa contra os
servidores envolvidos. “O que se deseja”,
segundo Oberg, é mostrar o quadro que hoje se apresenta a administração da
Seap, “levando a condução do sistema
penitenciário a um ponto de extremo perigo”.
Procurada,
a Seap rebateu em nota os principais
casos citados pelo juiz. Sobre a demora na operação de transferência de
presos, alega que “o atraso admitido pelo
funcionário não ocasionou prejuízo ou mesmo atraso na transferência dos
internos em questão”. A Secretaria garantiu também que conta hoje com 33 scanners. Desse total, 25 já foram instalados.
Destes, segundo a nota, seis estão em pleno funcionamento. “A expectativa é que todos os scanners estejam prontos e em
funcionamento na segunda quinzena de julho, pois os aparelhos de
ar-condicionado já foram licitados, e a expectativa é que na semana que vem
sejam entregues e comecem a ser instalados. Outros oito scanners estão nas
unidades prisionais aguardando o fim das obras de adaptação da portaria para
serem instalados”, informou.
A Seap
garantiu ainda que abriu uma sindicância para apurar a saída do preso Waldemar
Ferreira Bastos Neto e afastou todos os agentes envolvidos. “A sindicância já foi concluída e está na
Comissão Permanente de Inquérito Administrativo”. A secretaria garante que
possui toda a documentação em livros e imagens mostrando que o interno Marcelo
Sterque não saiu do sistema no dia em que ocorreu o atentado.
CELAS
ESTAVAM ABERTAS
A Seap,
contudo, não negou que tivesse mantido abertas as celas
de Bangu III, destinadas a presos de alta periculosidade: “É permitido ao preso algumas horas por dia
de banho de sol. Cabe ressaltar que os internos a que se refere não estavam
cumprindo sanção disciplinar ou Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e por
isso ficavam com as celas abertas”.
A Seap,
por fim, garantiu que não existe cantina no Bangu III: “A Seap fechou a cantina após a última rebelião, em 2003. Quanto às
munições, elas foram apreendidas durante uma operação de inspetores
penitenciários e pela coordenação de Bangu em 26 de outubro de 2015. Cabe
ressaltar que as munições estavam enterradas e enferrujadas, sem condições de
uso. Todo o material apreendido foi encaminhado para a delegacia e há um
registro de ocorrência documentando o fato” A Assessoria de Comunicação de
Francisco Dornelles informou que o governador ainda não recebeu o relatório,
originalmente endereçado a Beltrame.
Fonte: O Globo
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