STF toma decisão contra a impunidade, mas abre a possibilidade de haver um inocente que cumpriu pena
Eu sou, sim, favorável a que se comece a executar a pena depois da segunda instância. A razão é simples.
São tantas as instâncias recursais, e é tão vasto o terreno para artimanhas, que o resultado é a impunidade. Mas não dá para fazer de conta que o que está escrito no Inciso LVII não está lá
Por sete
votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu modificar
entendimento anterior e autorizar a execução da pena de um condenado
após julgamento em segunda instância — isto é, feito por um colegiado. A
segunda instância é composta pelos Tribunais de Justiça, no caso dos
Estados, e pelos Tribunais Regionais Federais, no caso da União. Vale
dizer: enquanto permanecer esse entendimento, um condenado não poderá
mais recorrer em liberdade ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao
Supremo Tribunal Federal (STF). Irá fazê-lo, claro, mas preso, desde que
seja essa a pena.
Votaram a
favor desse entendimento os ministros Teori Zavascki — relator da Lava
Jato e do pedido de habeas corpus que ensejou a questão —, Edson Fachin,
Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.
Opuseram-se à tese Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo
Lewandowski, presidente da Corte.
Qual é o busílis? O Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição, onde está escrito:
“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Pois é… A
questão agora é saber o que se entende por “trânsito em julgado”, sempre
lembrando que o Artigo 5º da Constituição é uma cláusula pétrea e não
pode ser alterado nem por meio de emenda.
Eu sou,
sim, favorável a que se comece a executar a pena depois da segunda
instância. A razão é simples. São tantas as instâncias recursais e é tão
vasto o terreno para artimanhas, que se tem a sensação, que nem é assim
tão distante da realidade, que pessoas condenadas com bons advogados
nunca são presas. Reduzir, pois, essa possibilidade me parece que
concorre para fazer justiça.
Assassinos inequívocos, facínoras comprovados, bandidos contumazes, enfim, acabam usando a Justiça como aliadas da impunidade. Mas não dá
para fazer de conta que o que está escrito no Inciso LVII não está lá.
Se ninguém é considerado culpado “até o trânsito em julgado” e se o
“trânsito em julgado” implica o esgotamento de recursos, alguém que
ainda não pode ser chamado de “culpado” pode cumprir uma pena?
Não dá
para a gente fingir que não há uma contradição óbvia aí. A saída é
considerar que se trata de uma execução provisória. Mas não é impossível
haver a seguinte situação: o que ocorre se alguém, já condenado em
segunda instância, for inocentado na terceira e última. Sua biografia
terá uma estranheza: será um inocente que cumpriu pena.
Por outro lado, Zavascki lembrou de algo essencial. Leiam:
“Os apelos extremos, além de não serem
vocacionados à resolução relacionada a fatos e provas, não acarreta uma
interrupção do prazo prescricional. Assim, ao invés de constituir um
instrumento de garantia da presunção de não culpabilidade do apenado,
acabam representando um mecanismo inibidor da efetividade da jurisdição
penal”.
Irretocável!
Em síntese, como o tempo da prescrição está correndo e o sujeito está
em liberdade, recorrer indefinidamente passa a ser um instrumento que
serve à impunidade.
Marco Aurélio contestou a decisão:
“Reconheço que a época é de crise maior,
mas justamente nessa quadra de crise maior é que devem ser guardados
parâmetros, princípios, devem ser guardados valores, não se gerando
instabilidade porque a sociedade não pode viver aos sobressaltos, sendo
surpreendida. Ontem, o Supremo disse que não poderia haver execução
provisória — em jogo, a liberdade de ir e vir —; hoje, pode.”
Brasil Vida Loka!
É claro que o sistema brasileiro está
deformado de várias maneiras. Tome-se um exemplo escandaloso: em nosso
país, uma das formas que a pessoa tem de sair da cadeia é a condenação. E
alguém ainda tecnicamente inocente pode ficar muito tempo em prisão
preventiva. Por quê?
Porque não
há prazo para o que é, afinal, preventivo, e a lei garante o direito de
recorrer em… liberdade. É assim que “estepaiz”, como diria aquele, pode
ter os já condenados soltos, e os ainda inocentes em cana.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo