Nelson Jobim
Presidente da corte sabe a importância do diálogo
Nesta quarta-feira (23), o ministro Dias Toffoli completou dez anos no Supremo Tribunal Federal. Afirmou, em sua sabatina no Senado Federal, ter um único compromisso: a
Constituição da República. Tem a história como fundamento de sua
conduta. É um grande conciliador. Em 2015, o STF definiu a natureza jurídica da colaboração premiada. O tribunal, por maioria, acompanhou a sua orientação. Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Toffoli
conduziu com firmeza as acirradas eleições gerais de 2014.
Assumiu a presidência do Supremo em um momento difícil da história
política do país. Enfrenta a alta exposição da corte, as divergências
pessoais internas e a polarização extrema da sociedade. Agora, o STF discute a prisão em segundo grau. O tema divide e apaixona. Fulaniza-se a controvérsia. A solução será aquela fixada por sua maioria. [se respeitassem a vontade da maioria, o assunto sequer estaria em discussão;
O fato da decisão de 2016, não se tornar vinculante, não impediria que fosse cumprida - afinal, onde aquela decisão é mais contestada é no próprio Supremo e por seus-ministros.] Não pode adotar solução
por conta de pressões de qualquer natureza. Em tudo, o ministro Toffoli
age com prudência, autocontenção e respeito aos demais Poderes e
colegas. Assume o diálogo com todos. Sabe que interlocutor não se escolhe: é aquele que está aí. Não abre mão da defesa da Constituição Federal e do tribunal.
A Suprema Corte tem enfrentado questões próprias da seara política. Não
por vontade própria. A iniciativa é dos demais Poderes, de partidos
políticos ou de representações da sociedade. [as pressões da sociedade não obrigam o Supremo a se 'apequenar' julgando causas menores = sempre destacamos uma por absurdo que é o tema: se banheiros públicos podem ser unissex ou não?
Só a Carta Magna obriga o Supremo, portanto, discutir assuntos ínfimos é uma opção dos seus ministros - especialmente do presidente.] Hoje, a radicalização e o ódio invadiram a política. O diálogo
tolerante, forma de solver divergências, foi substituído pelo surdo
monólogo do grito. Adversário é visto como inimigo. Na verdade, ataca-se
para ser visto e ter espaço na mídia.
O conflito agudo e verborrágico passou a ser condição de notoriedade. O
processo político perdeu a capacidade de solver suas divergências. As divergências políticas são levadas ao tribunal. Provocado, o Supremo tem que decidir. Mas os juízos de conveniência e de oportunidade —próprios da política—
não se confundem com os juízos de legalidade e de constitucionalidade
—próprios da jurisdição. Esta é a tensão existente e a
disfuncionalidade. Cobrar do Supremo que paute suas decisões em paradigma diverso da Constituição é um equívoco e um atentado ao Estado de Direito.
O STF não deve se curvar a ninguém. O STF não deve ter e não tem
bandeira política. O STF aplica e defende a Constituição da República.
Esse é o compromisso do tribunal. O Judiciário trata do passado, de fatos que ocorreram. Não se constrói futuro com sentenças. O ministro Toffoli sabe que o Judiciário julga o passado. Sabe que o
Executivo cuida do presente, com a gestão das políticas públicas, e o
Legislativo cuida do futuro, com a formulação das leis. [o ministro Toffoli também sabe que os Poderes são harmônicos e independentes e um dos principios básicos é um dos poderes não invadir o quadrado do outro, destacando-se que o Poder Judiciário não legisla - não há razão para destacar restrições dos outros dois Poderes, visto que o invasor de quadrados é sempre o Judiciário.] visto que,
O tratamento jurídico dos fatos, no Estado democrático de Direito, é o
resultado do embate das correntes políticas no Parlamento. É na política que se encontra a vontade popular. Com todas as suas divergências, contradições e anomias. O ministro Toffoli identifica, com nitidez, as funções constitucionais dos Poderes e os espaços de cada um. É errado atribuir-se ao tribunal o poder de substituir o Legislativo sob
o argumento de expandir a Constituição. Isso nada mais é do que
retórica para justificar a usurpação.
Cada um em seu lugar. Cada qual com a sua função. Com diálogo permanente
e harmonia. Todos comprometidos com o desenvolvimento do país. É isso
que a República espera. Quem não faz seu papel na história não é nem bom
nem mau. Pior —é inútil. Nesses dez anos, o ministro Toffoli soube construir soluções e pontes.
Tem ele claro que a democracia produz consensos com a administração
política dos dissensos. É disso que o Brasil precisa.
Lembrem-se do jurista norte-americano Cass Sunstein: “Há risco quando é
possível identificar os resultados e atribuir probabilidades a cada um
deles. Há incerteza quando é possível identificar os resultados, porém
não as probabilidades de ocorrências de tais resultados”.
Onde estamos hoje?
Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça, ex-ministro do STF, ex-ministro da Defesa - Folha de S. Paulo