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quinta-feira, 18 de agosto de 2022

O TSE SERIA UM TRIBUNAL SUPERIOR OU INFERIOR? - Sérgio Alves de Oliveira

Se esse essa  frase tivesse saído  da boca de alguém, o mais provável é que teria sido de autoria de uma conhecida  "filósofa" que frequentemente diz coisas desse tipo: "se não é superior tem de ser inferior; e se não é inferior tem de ser superior".

Pois é  exatamente esse tipo de raciocínio que teremos que enfrentar pela  redação "salada-de-frutas" dada pelos Constituintes de 1988 aos órgãos da Justiça brasileira, a partir do artigo 92 da Constituição. 
E mesmo com as  dezenas de emendas,"reparos", e "remendos" feitos na Constituição desde que ela  entrou em vigor,em 1988,essa questão não ficou devidamente resolvida. 
E tais "emendas","reparos" e "remendos" na Constituição são tantos que se consultarmos "constituição federal" no site "www.planalto.gov.br""poderemos observar que o texto original da Constituição de 88  tem muito mais "riscos" do que letras, palavras e frases.
 
Somado à "inflação" legislativa, que despeja enxurradas da leis todos os dias, essa deve ser a principal razão pela qual o tribunal "guardião da constituição" , julgando conforme a própria vontade, não segundo a lei, repete Louis XIV,parafraseando "L'État C'Est Moi" (O Estado Sou Eu), para  "Je Suis La Loi" (eu sou a lei).
 
Nos termos do artigo 92 da Constituição,"São órgãos do Poder Judiciário,(I) -o Supremo Tribunal Federal;(I-A)-o Conselho Nacional de Justiça;(II)-o Superior Tribunal de Justiça; (II-A)-o Tribunal Superior do Trabalho; (III)--os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; (IV)-os Tribunais e Juízes do Trabalho; (V)-os Tribunais e Juízes Eleitorais; (VI)-os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.".
 
Ora,segundo o artigo 92 da CF, enquanto o Supremo Tribunal Federal-STF é o órgão  "máximo" da Justiça Brasileira, acima de todos os outros, os únicos "Tribunais Superiores" relacionados nesse artigo são o Superior Tribunal de Justiça - STJ, e o Tribunal Superior do Trabalho -TST. Não há nesse dispositivo constitucional  enquadramento do Tribunal Superior Eleitoral-TSE como algum  "tribunal superior".
 
Mas parece que o constituinte acabou se "arrependendo" de omitir o TSE no tipo "tribunal superior",no artigo  92 da CF, e logo após resolveu "promovê-lo" a "tribunal superior" no artigo 118: "São órgãos da Justiça Eleitoral: (I) O Tribunal "Superior"Eleitoral ;(II)-os Tribunais Regionais Eleitorais;(III)-os Juízes Eleitorais; (IV)-as Juntas Eleitorais".
O que vale mais nessa "confusão" constitucional? Afinal de contas o TSE é ou não um tribunal superior? [a salada redacional é complicada, visto que no próprio art. 92, V - os Tribunais e Juízes Eleitorais; e VI os Tribunais e Juízes Militares; já os Tribunais Superiores das duas Justiças, são criados nos artigos 118 e 122, respectivamente. Sendo que as duas justiças não integram o CNJ.
A redação do texto constitucional em comento é tão complicada que Alexandre Garcia costumava chamar de 'buraco negro' alguma coisa esquecida. Então, usando as técnicas de Nelson Jobim o assunto era 'enfiado' na CF,  de qualquer jeito.]

Essa questão não mereceria ser melhor esclarecida  após a "pomposa" e recente solenidade de posse da Presidência e Vice do TSE?
 
Sérgio Alves de Oliveira - Advogado e Sociólogo
 

quarta-feira, 20 de abril de 2022

No auge da crise, Bolsonaro chegou a cogitar até mesmo mandar tropas para o Supremo - O Estado de S. Paulo

A consulta de Lula ao Exército

Emissários do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm sondado generais da cúpula do Exército. Sem rodeios, querem saber se Lula conseguirá tomar posse, caso seja eleito. A resposta não foge ao script: nada impedirá o vencedor, qualquer que seja ele, de assumir a cadeira no Palácio do Planalto.

Um dos interlocutores de Lula e dos militares de alta patente é o ex-ministro da Defesa e da Justiça Nelson Jobim, que também comandou o Supremo Tribunal Federal. “A impressão que fico, nessas conversas, é a de que as Forças Armadas são totalmente legalistas”, disse Jobim ao Estadão

Na cerimônia desta terça-feira, 19, em homenagem ao Dia do Exército, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as Forças Armadas “não dão recados” e “sabem” o que é melhor para o povo. “Não podemos jamais ter eleições no Brasil sobre as quais paire o manto da suspeição”, discursou. Apesar da frase de efeito, ele condecorou magistrados e até “elogiou” Luís Roberto Barroso, o ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral a quem já se referiu como “filho da p...”.

A nova estratégia não convenceu. Diante da retórica golpista de Bolsonaro, há temor no mundo político, jurídico e até na Faria Lima sobre o rumo dessa prosa. Com o presidente sempre próximo das polícias militares, pregando compra de armas para enfrentar “um ditador de plantão”, qual será a reação de seus discípulos mais radicais se ele for derrotado?

Os escândalos e absurdos se sobrepõem de tal forma que ninguém parece mais se recordar do que foi dito ontem. “Tem que comprar fuzil, pô!”, chegou a afirmar Bolsonaro, em agosto, para um grupo de apoiadores. Alguém se lembra?

Não foi à toa que o TSE convidou observadores internacionais para acompanhar as eleições no Brasil. Bolsonaro não para de pregar o voto impresso, de levantar suspeitas sobre urnas eletrônicas e de xingar magistrados. No auge da crise, em maio de 2020, cogitou até mesmo mandar tropas para o Supremo.

Descrente da terceira via e anfitrião de um almoço que reuniu Lula e o também ex-presidente Fernando Henrique, no ano passado, Jobim tentou mais de uma vez, nos bastidores, um acordo entre o PT e o PSDB. Não conseguiu. Antes da disputa de 2018, dizia que, sem esse entendimento, o eleito poderia ser um “Donald Trump caboclo”. Foi profético.

Vivemos uma quadra em que todos os demônios se liberaram, como definiu Barroso. Faltam menos de quatro meses para agosto, mês do cachorro louco e do início oficial das campanhas. Mas, ao contrário do que muitos observam, o Trump caboclo ainda tem café quente para servir no Planalto.

Vera Rosa, colunista - O Estado de S. Paulo 


sábado, 23 de novembro de 2019

Professor de juridiquês - Merval Pereira





A estupefação que causou o voto de quatro horas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, na abertura do julgamento sobre o compartilhamento de dados entre os órgãos de persecução penal (Ministério Público e Polícia) e os de investigação (Unidade de Inteligência Financeira- UIF, antigo Coaf -, e Receita Federal) foi provocada pela tentativa de sinuosamente voltar atrás sem deixar clara a mudança.

Tão obscuro o voto que teve que ser explicado mais tarde por uma nota oficial. Há pesquisas, como a do economista Felipe de Mendonça Lopes, da Fundação Getulio Vargas, que mostram que, com o televisionamento ao vivo dos julgamentos, os votos ficaram maiores em média 26 páginas, o que aumenta o tempo de leitura em cerca de 50 minutos.O ministro Luis Roberto Barroso definiu bem o momento: “Seria preciso chamar um professor de javanês”. Referia-se ao conto “O Homem que Sabia Javanês”, de Lima Barreto, sobre um vigarista que, sem saber nada do idioma, se apresentou como professor  de javanês a  um barão que colocara um anúncio em busca de alguém que lhe ensinasse a língua. [apesar da maioria se considerar 'supremo', situação que os alça à condição de divindade, os ministros permanecem humanos e apesar de não lhes faltar holofotes, o excesso de exposição os seduz.

Votos longos, findam por despertar a atenção, ainda que lavrados em javanês, e ser o centro delas, mais cristaliza de forma até exagerada uma aura de supremo.]

A utilização de métodos econométricos deu a ele a certeza de que a mudança de composição do plenário do Supremo não tem nada a ver com o aumento do tamanho dos votos, mas sim a transmissão ao vivo. Já houve quem propusesse o seu fim, mas parece uma decisão impossível de ser revista, devido à cobrança sempre maior da transparência das decisões, não necessariamente clareza.

 Quanto à obscuridade da linguagem, lembrei-me de um ciclo de palestras que coordenei este ano na Academia Brasileira de Letras sobre a influência do barroco em nossa cultura. Um dos aspectos abordados pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim foi justamente o juridiquês, esse idioma parecido com o português, salteado com termos em latim, que nos acostumamos a ouvir durante a transmissão dos julgamentos pela televisão.

Jobim criticou as transmissões, avaliando que com elas os votos ficaram mais longos. Mas ressaltou a vantagem da transparência do processo decisório do Supremo, não obstante o Brasil continue sendo o único país do mundo que televisiona os julgamentos de seu Supremo ao vivo, em tempo real. A Corte Suprema dos Estados Unidos realiza suas reuniões a portas fechadas, e somente o acórdão é divulgado, sem a especificação das eventuais divergências entre seus membros. E nenhum deles vai à imprensa criticar a decisão da maioria ou dar seu voto divergente.

 Mas, voltemos ao juridiquês. Para Jobim, o uso radical da linguagem mais culta e o excesso de erudição têm o objetivo de “transmitir potência no discurso”. Nelson Jobim acredita que o formalismo da linguagem jurídica já virou piada, mas “ainda assim, insistimos em usar o juridiquês no Brasil”.  Para ele “a ornamentação lingüística” sinalizaria um jurista mais preparado, “pois quem se afasta se torna grande e incompreensível”. Jobim definiu assim o falar empolado: “Comunicação sem clareza é uma forma eficaz de esconder ignorância no assunto sobre o qual se fala”.  Leu, ao encerrar a palestra, um trecho do conto “Teoria do medalhão”, do patrono da ABL Machado de Assis, destacando a seguinte frase: “Falar difícil é fácil. O difícil é falar fácil”.

O tema favorece debates intermináveis, e na quarta-feira tomou conta das redes devido ao longo e obscuro voto do presidente Dias Toffoli. Em um grupo de que participo na internet vieram diversas citações muito úteis para se ter uma idéia de como se deve falar.  Diz Ludwig Wittgenstein, respeitado filósofo da linguagem: "tudo o que pode ser dito, pode ser dito claramente; e o que não pode ser dito claramente, deve relegar-se ao silêncio".

No Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, outra definição de Wittgenstein da linguagem: “Devemos atribuir um significado às palavras que usamos se desejamos falar com algum significado e não por simples tagarelice, e o significado que atribuímos às palavras deve ser algo do qual todos já tenham conhecimento.”. Outro, Hans-Georg Gadamer, filósofo alemão, das maiores autoridades em hermenêutica, o estudo das palavras, afirma que "aquele que fala uma linguagem que mais ninguém fala, rigorosamente não fala". O sociólogo alemão Niklas Luhmann, considerava a argumentação jurídica um "acréscimo de redundância".


Merval Pereira, colunista - O Globo

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

O Supremo Tribunal e o ministro Toffoli - Folha de S. Paulo -

Nelson Jobim

Presidente da corte sabe a importância do diálogo

Nesta quarta-feira (23), o ministro Dias Toffoli completou dez anos no Supremo Tribunal Federal. Afirmou, em sua sabatina no Senado Federal, ter um único compromisso: a Constituição da República. Tem a história como fundamento de sua conduta. É um grande conciliador. Em 2015, o STF definiu a natureza jurídica da colaboração premiada. O tribunal, por maioria, acompanhou a sua orientação. Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Toffoli conduziu com firmeza as acirradas eleições gerais de 2014.

Assumiu a presidência do Supremo em um momento difícil da história política do país. Enfrenta a alta exposição da corte, as divergências pessoais internas e a polarização extrema da sociedade. Agora, o STF discute a prisão em segundo grau. O tema divide e apaixona. Fulaniza-se a controvérsia. A solução será aquela fixada por sua maioria. [se respeitassem a vontade da maioria, o assunto sequer estaria em discussão; 
 O fato da decisão de 2016, não se tornar vinculante, não impediria que fosse cumprida - afinal, onde aquela decisão é mais contestada é no próprio Supremo e por seus-ministros.] Não pode adotar solução por conta de pressões de qualquer natureza. Em tudo, o ministro Toffoli age com prudência, autocontenção e respeito aos demais Poderes e colegas. Assume o diálogo com todos. Sabe que interlocutor não se escolhe: é aquele que está aí. Não abre mão da defesa da Constituição Federal e do tribunal.

A Suprema Corte tem enfrentado questões próprias da seara política. Não por vontade própria. A iniciativa é dos demais Poderes, de partidos políticos ou de representações da sociedade. [as pressões da sociedade não obrigam o Supremo a se 'apequenar' julgando causas menores = sempre destacamos uma por absurdo que é o tema: se banheiros públicos podem ser unissex ou não?
Só a Carta Magna obriga o Supremo, portanto, discutir assuntos ínfimos é uma opção dos seus ministros - especialmente do presidente.] Hoje, a radicalização e o ódio invadiram a política. O diálogo tolerante, forma de solver divergências, foi substituído pelo surdo monólogo do grito. Adversário é visto como inimigo. Na verdade, ataca-se para ser visto e ter espaço na mídia.

O conflito agudo e verborrágico passou a ser condição de notoriedade. O processo político perdeu a capacidade de solver suas divergências. As divergências políticas são levadas ao tribunal. Provocado, o Supremo tem que decidir. Mas os juízos de conveniência e de oportunidade —próprios da política— não se confundem com os juízos de legalidade e de constitucionalidade —próprios da jurisdição. Esta é a tensão existente e a disfuncionalidade. Cobrar do Supremo que paute suas decisões em paradigma diverso da Constituição é um equívoco e um atentado ao Estado de Direito.

O STF não deve se curvar a ninguém. O STF não deve ter e não tem bandeira política. O STF aplica e defende a Constituição da República. Esse é o compromisso do tribunal. O Judiciário trata do passado, de fatos que ocorreram. Não se constrói futuro com sentenças. O ministro Toffoli sabe que o Judiciário julga o passado. Sabe que o Executivo cuida do presente, com a gestão das políticas públicas, e o Legislativo cuida do futuro, com a formulação das leis. [o ministro Toffoli também sabe que os Poderes são harmônicos e independentes e um dos principios básicos é um dos poderes não invadir o quadrado do outro, destacando-se que o Poder Judiciário não legisla - não há razão para destacar restrições dos outros dois  Poderes, visto que o invasor de quadrados é sempre o Judiciário.] visto que,

O tratamento jurídico dos fatos, no Estado democrático de Direito, é o resultado do embate das correntes políticas no Parlamento. É na política que se encontra a vontade popular. Com todas as suas divergências, contradições e anomias. O ministro Toffoli identifica, com nitidez, as funções constitucionais dos Poderes e os espaços de cada um. É errado atribuir-se ao tribunal o poder de substituir o Legislativo sob o argumento de expandir a Constituição. Isso nada mais é do que retórica para justificar a usurpação.

Cada um em seu lugar. Cada qual com a sua função. Com diálogo permanente e harmonia. Todos comprometidos com o desenvolvimento do país. É isso que a República espera. Quem não faz seu papel na história não é nem bom nem mau. Pior —é inútil. Nesses dez anos, o ministro Toffoli soube construir soluções e pontes. Tem ele claro que a democracia produz consensos com a administração política dos dissensos. É disso que o Brasil precisa.

Lembrem-se do jurista norte-americano Cass Sunstein: “Há risco quando é possível identificar os resultados e atribuir probabilidades a cada um deles. Há incerteza quando é possível identificar os resultados, porém não as probabilidades de ocorrências de tais resultados”.

Onde estamos hoje?

Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça,  ex-ministro do STF,  ex-ministro da Defesa - Folha de S. Paulo


terça-feira, 24 de setembro de 2019

Barbárie - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Quem mata uma menina pode matar as testemunhas e impor a versão de 'legítima defesa'

[uma pergunta que se impõe após a leitura do primeiro parágrafo:

o que a ilustre articulista e pessoas que tem opinião idêntica a dela - opinião contrária a que  a polícia endureça  no combate aos bandidos?

Talvez a resposta seja: moleza para os bandidos = policiais desarmados ou armados com estilingue (afinal Israel usa caças de última geração para matar civis palestinos desarmados) ou, no máximo, com revolver .38, e dez munição, enfrentem bandidos armados com fuzis.

Policiais morrem e ninguém faz nenhum protesto ou mesmo um gesto de solidariedade - uma criança inocente é covardemente assassinada (grandes possibilidades do disparo ter sido efetuado por traficantes, a eles cada criança morta é mais um ponto a favor deles, por fortalecer os  que defendem a interrupção das ações policiais contra o tráfico) - e logo se apressam a responsabilizar a polícia e a condenar ação dura da PM contra bandidos.

Defender bandidos as vezes é ruim para o defensor, bandidos não costumam ser gratos.]

Há dor, indignação e desespero com a morte da pequena Ágatha, mas não se pode dizer que haja surpresa. Não só a insegurança do Rio de Janeiro continua desesperadora como há uma onda estimulada pelo discurso do presidente da República e do governador do Estado, no sentido de que tem de endurecer, custe o que custar. Mesmo que custe vidas de inocentes, inclusive de crianças (desde que pobres e negras, bem entendido). Para Wilson Witzel, “é apontar na cabecinha e pou”. Visava a bandidos, mas o diminutivo acaba sendo macabro.

Assassinada com um tiro pelas costas, Ágatha é a quinta criança morta neste ano no Rio em circunstâncias envolvendo policiais. Morre a criança, liquida-se a família, acaba-se de vez com o amor-próprio de uma comunidade inteira e multiplica-se a indignação no País todo e para além das fronteiras, mas... nenhum desses crimes foi de fato investigado, ninguém foi punido.

É nessa realidade que o Brasil quer aprovar o “excludente de ilicitude”,apelidado de “licença para matar”, porque livra a cara de policiais que saiam matando os outros? O ministro Sérgio Moro diz que, pelo projeto que enviou ao Congresso, isso só vale para “legítima defesa”, e em serviço, e não tem nada a ver com o caso de Ágatha. Mas os limites são tênues...[é claro e correto o entendimento do ministro Moro  quando separa o caso Ágatha do projeto “excludente de ilicitude”, que se aplica não só a policiais e sim a qualquer pessoa que exerça o legítimo direito de defesa - seja o de autodefesa ou o de defesa de terceiros.
Ate agora, nada sustenta que partiu da polícia o tiro que vitimou a criança - exceto o tribunal formado pelos que são contra o trabalho policial, contra o direito da polícia de revidar quando agredida;
Mesmo que tenha partido da polícia, ocorreria o 'excludente de ilicitude', se a vítima fosse bandido, agredindo a polícia.
No caso, tivesse o tiro partido de uma arma dos policiais, seria considerado que Ágatha foi uma vítima inocente de um disparo efetuado por policial militar contra bandidos que estavam agredindo a guarnição.
O depoimento das testemunhas acusando o policial é fruto do receio de acusar traficantes - quantas horas aquele motorista que acusa a polícia, permaneceria vivo se acusasse um traficante? - e do desespero natural em uma tragédia que vitimou um criança.]

Radicalmente contra a medida, Nelson Jobim, o ex-presidente do Supremo e ex-ministro da Justiça e da Defesa, diz que só a discussão, em si, já “estimula a polícia a fazer, mais e mais abertamente, o que já faz”. Ele explica que seria “legitimar a agressão por parte do poder público e sem o controle da operação, que seria do próprio policial”. Ou seja, corresponderia a outorgar ao policial “um poder discricionário”, porque é ele quem controla a operação, a versão e o desfecho. [o ex-ministro Jobim deve estar saudoso do uniforme de general que usava quando era ministro da Defesa - apesar de ser civil.]

Outro ex-ministro do Supremo vai além: se o policial sabe que não corre risco, que ficará impune e acaba atirando sem pensar até em crianças na escola, brincando e passeando com pais e avós, esse policial pode pisar ainda mais fundo nesse acelerador macabro. Se mata tão facilmente uma menina com um tiro nas costas, [talvez o fato de ser ex, tenha levado o ex-ministro a esquecer que existe todo um protocolo a ser seguido para comprovar o 'excludente de ilicitude' = mais rígido do que o utilizado para comprovar legítima defesa = incluindo investigação policial , perícia criminal, MP e Poder Judiciário.] que dificuldade teria para matar também as testemunhas? Basta alegar que elas o ameaçavam e foi tudo em legítima defesa. Sem testemunhas, qualquer história ganha asas. Ainda mais se o poder público autoriza, permite, até estimula. Barbárie.


Eliane Cantanhêde - MATÉRIA COMPLETA, em O Estado de S. Paulo


quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Lei da Anistia completa 40 anos - Folha de S. Paulo

Rubens Valente 

Entenda o passo a passo e as consequências da Lei da Anistia, que completa 40 anos

Legislação que anistiou crimes políticos da ditadura foi promulgada em 1979 pelo último presidente da ditadura militar
´Promulgada em 1979 pelo último presidente da ditadura militar (1964-1985), o general João Figueiredo, a Lei da Anistia completa 40 anos, hoje, quarta-feira (28).
O texto, fruto de ampla mobilização da sociedade civil e de líderes da oposição, concedeu anistia “a todos quantos [...] cometeram crimes políticos ou conexos com estes” de 1961 a 1979.
Com isso, permitiu o regresso de diversos militantes que estavam exilados no exterior, mas deixou impune os crimes cometidos pelo braço repressor da ditadura.[esclarecendo a premissa:
- não houve ditadura e sim um governo forte = o Governo Militar;
- alguns operadores da Segurança Nacional estabelecida pelo Governo Militar, chamados também de agentes da repressão, foram acusados - sem provas - da prática de crimes no combate aos terroristas, guerrilheiros, traidores e assassinos que queriam acabar com a SOBERANIA do BRASIL, transformando-o em satélite da extinta URSS; 
- quanto aos quanto aos entreguistas, guerrilheiros, traidores da Pátria, terroristas foram anistiados e ficaram impunes. Exemplo: um deles, Theodomiro Romeiro dos Santos, condenado à pena de morte pelo covarde assassinato do sargento Valdir,  da FAB, foi anistiado e se tornou juiz do TRT de Pernambuco.]
Abaixo, entenda os fatos que levaram à promulgação da lei e os desdobramentos que ocasionaram a instalação da Comissão Nacional da [IN]Verdade - [cnINv]  instituída em 2012.
O plano do MDB Em 1972, o MDB, partido de oposição à ditadura, anuncia um programa partidário que prega Constituinte, anistia e eleições livres
Início da abertura O general Ernesto Geisel assume a Presidência em março de 1974 prometendo abertura "lenta, gradual e segura"
Mulheres pela anistia Sob a liderança de Teresinha Zerbini, é criado em São Paulo o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), em março de 1975
Novo comitê Em 14.fev.78 é criado o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) no Rio de Janeiro. Três meses depois, é instalado o CBA em São Paulo, e inúmeros outros foram fundados pelo país
Futebol engajado Em 11.fev.79 o CBA paulista consegue estender uma grande faixa no estádio do Morumbi durante um jogo entre Santos e Corinthians com os dizeres "Anistia Ampla, Geral e Irrestrita"
Promulgação Em 28.ago.79 é promulgada a Lei da Anistia (nº 6.683/79):
Art. 1º: “É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes”.
Parágrafo 1º: “Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza, relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”

Logo após, presos políticos iniciam greve de fome contra a lei
Livre Em 8.out.80 é libertado o último preso político no país, José Sales de Oliveira

Ação contra União Em 21.fev.82 familiares de mortos e desaparecidos na guerrilha do Araguaia ajuízam ação civil pública para obrigar a União entregar os restos mortais dos guerrilheiros
Um civil na Presidência Em 15.jan.85 Tancredo Neves é eleito indiretamente o primeiro civil presidente após mais de 20 anos de ditadura militar. Pouco antes da posse, foi internado, e seu vice, José Sarney, assume interinamente a Presidência. Com a morte de Tancredo, em abril, Sarney toma posse oficialmente
Carta a Sarney Em 15.ago.85, em carta a Sarney, a deputada Bete Mendes denuncia que encontrou trabalhando na Embaixada do Brasil no Uruguai um militar que a torturou, o coronel Brilhante Ustra. Denúncia gera debate sobre revisão da Lei da Anistia, mas Sarney contorna a crise
Restos do Araguaia Em 7.ago.95 duas organizações não governamentais peticionam na Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que o Brasil seja obrigado a localizar e indicar os mortos e desaparecidos da guerrilha do Araguaia
Comissão Em 4.dez.95 governo Fernando Henrique Cardoso cria, por lei federal, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que tem a função de reconhecer pessoas mortas e desaparecidas durante a ditadura militar, tentar localizar corpos de vítimas e emitir parecer sobre indenizações 
Dossiê Lamarca Em 7.jul.96 é revelado que a PF encontrou dossiê sobre a morte do guerrilheiro Carlos Lamarca, ocorrida em 1971, que mostra que ele foi morto quando já estava detido. Governo FHC anuncia que vai indenizar a família. Caso gera crise nas Forças Armadas, e o ministro da Justiça, Nelson Jobim, atua para contornar a crise

Foco nas vítimas Em 13.nov.2002 o governo FHC cria a Comissão da Anistia, para indenizar vítimas da ditadura [a institucionalização da maior roubalheira para favorecer pretensas vitimas da ditadura (uma ditadura que não houve) - além de indenizados, eram também pensionados com efeitos retroativos;
o guerrilheiro Lamarca foi abatido  em plenas condições de se defender e seu abate foi comandado pelo general Nilton Cerqueira;
abatido covardemente pelos comandados de Lamarca foi o tenente Mendes da Polícia Militar de SP: 'Ficou enterrado na região o corpo do tenente PM Alberto Mendes Junior, promovido post mortem a capitão e cultuado, a partir de então, como herói daquela corporação policial. Sua execução sob coronhadas pelos guerrilheiros, que argumentaram não poder disparar suas armas nas condições de cerco em que se encontravam, foi utilizada como propaganda contra a resistência ao regime e, certamente, contribuiu para aprofundar o ódio visceral devotado pelos órgãos de segurança a Carlos Lamarca, que consideravam traidor da Pátria' - o trecho em vermelho foi retirado do site da SDH - CEMDP.]. - .]
Araguaia de novo O STJ (Superior Tribunal de Justiça) condena a União, em 26.jun.2007, a tomar providências para entregar os restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia
Torturadores Em 14.mai.2008, o Ministério Público Federal em SP ajuíza a primeira ação civil pública contra a União e dois militares acusados de assassinatos e torturas, o coronel Brilhante Ustra e o coronel Audir Maciel
Anistia em xeque Em 21.out.2008, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ajuíza no Supremo Tribunal Federal uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) em que pede o reconhecimento de que a anistia concedida pela lei aos crimes políticos ou conexos “não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar”. Nelson Jobim, então ministro da Defesa, passa a procurar cada um dos ministros do STF para expor a posição dos militares
Arquivamento O então advogado-geral da União, Dias Toffoli, defende no STF o não conhecimento da ADPF ajuizada pela OAB. Em 2.fev.2009, o pedido é arquivado pelo Supremo
Plano prevê comissão Em 21.dez.2009, durante o governo Lula, é aprovado o Plano Nacional de Direitos Humanos, que prevê a instalação de uma Comissão Nacional da Verdade até abril de 2010. A ideia é que o órgão não seja usado para perseguir militares acusados de crimes na ditadura. A comissão, porém, só seria instalada no governo seguinte, de Dilma Rousseff
Lei mantida Em 29.abr.10, por 7 votos a 2, o Supremo rejeita ação da OAB e mantém a Lei da Anistia
Condenação na OEA Em 24.nov.10, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH-OEA)condena o Brasil a “realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares”. A decisão afirma que nenhuma lei interna de anistia pode se sobrepor ao direito internacional e que o Brasil deve investigar as graves violações de direitos humanos cometidas pelo Estado no período

[o atual presidente Jair Bolsonaro, então deputado federal, mostra bem o repúdio dos brasileiros a absurda pretensão da  CIDH-OEA;
o cartaz acima que ilustra o correto entendimento do presidente Bolsonaro está sendo inserido neste POST, pelo Blog Prontidão Total.]
Instalação Em 16.mai.12, o governo Dilma instala a Comissão Nacional da [IN]Verdade - [cnINv] 
Revisão Divulgado em 10.dez.14, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade pede a revisão da Lei da Anistia. O documento aponta 377 pessoas como responsáveis por assassinatos e torturas entre 1946 e 1988, além de listar 210 desaparecidos e 191 mortos no período.

Rubens Valente - Folha de S. Paulo
 

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Energia para os combatentes

Estrago a Moro foi maior no mundo jurídico que no real

Se as curtas férias do ministro Sergio Moro servirão para o ex-juiz "reenergizar o corpo e prosseguir no combate", como atestou o porta-voz da Presidência, a reforma da Previdência, quando aprovada, servirá a Jair Bolsonaro como a vitamina necessária para que ele caminhe até 2022 e dispute a reeleição, desejo já exposto sem nenhuma dissimulação pelo presidente. Tanto Bolsonaro quanto Moro foram abatidos por desgastes evidentes em seis meses de mandato e tiveram perdas de popularidade expressivas, mas ambos hoje conservam fôlego para concluir o percurso político que traçaram a si mesmos.
O mundo jurídico reagiu com muito mais perplexidade que o mundo real diante das mensagens de Moro com a força-tarefa da Lava-Jato, vazadas e publicadas pelo site "The Intercept Brasil". A abordagem jocosa e criativa com o qual o assunto é tratado nas redes sociais por profissionais do direito não exime a gravidade. Há, por exemplo, a propaganda do fictício 'Moro App': "Você cadastra o processo e ele te avisa dos prazos. Na versão premium, ele te lembra de incluir provas e ainda corrige a sua petição. Aproveite! Descontos especiais para membros do Ministério Público". [o humor barato da grande maioria dos brasileiros está sempre pronto a demonstrar que os idiotas abundam - tanto que Lula e Dilma foram eleitos e reeleitos para a presidência da República.]
Em três meses, a aprovação pessoal do ministro da Justiça caiu de 59% para 52%, apontou o Datafolha. Para 58% dos entrevistados, a conduta de Moro, explicitada na troca de mensagens do então juiz em Curitiba com procuradores que comandavam a força-tarefa da Lava-Jato, é inadequada. Não é preciso muita matemática para entender que Moro ainda é idolatrado pela maioria. Porém, é pouquíssimo provável que advogados, em especial os especialistas em direito penal e criminal, e também os ministros do Supremo, não tenham ficado "escandalizados" com o que leram, confidencia um renomado criminalista. [tudo indica que o raciocínio desse criminalista não justifica o renome que lhe está sendo imputado; confira aqui e/ou aqui - em entrevista  opiniões que provam que razões para escândalo é alguém dar crédito ao festival de besteiras divulgadas pelo intercePTação.] Sabe-se que provas ilícitas não poderão ser usadas contra Moro e contra os procuradores, explica este profissional, mas obviamente poderão ser usadas em benefício dos réus - entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para pânico dos profissionais do Ministério Público que atuam em Curitiba.

Moro e os procuradores não reconhecem a autenticidade das mensagens, mas nenhuma das partes envolvidas colocou em xeque, e de forma contundente, a veracidade das conversas via Telegram. [perder tempo colocando em xeque, de forma contundente, conversas inexistentes - são ilícitas, não estão nos autos, não estando nos autos não estão no mundo; como então usá-las para beneficias réus, entre eles o maior ladrão do Brasil.] A estratégia de defesa do ministro está corretíssima, ironizam criminalistas, pois reconhecer as mensagens como autênticas seria esquentar provas (ainda que ilícitas) e fazer a confissão.
Enquanto Moro aguarda ansioso os dias para descansar com a família na Europa, ministros do STF mandam recados que não poderiam ser mais diretos. Curiosamente, as manifestações partem dos citados no Telegram. Nesta semana foi a vez de Edson Fachin ('Aha, Uhu, o Fachin é nosso', disse o procurador Deltan Dallagnol em uma das mensagens). O ministro é relator dos processos da Lava-Jato no Supremo e deu as declarações num discurso em Curitiba, no Tribunal Regional Eleitoral. Nada mais emblemático. Juízes cometem ilícitos e devem ser punidos, afirmou Fachin. Mas as instituições, acrescentou, devem ser preservadas. É um jeito pouco sutil de dizer que se Moro foi parcial e processos terão que ser anulados e sentenças revistas, a responsabilidade deve ser atribuída somente ao ex-magistrado, e não ao Supremo. Juiz não pode ter uma Constituição para chamar de sua e tampouco agenda pessoal e partidária, concluiu Fachin.

O "hedge" feito pelo ministro para preservar o Supremo difere do tom usado por Nelson Jobim, ex-presidente do STF e ex-ministro da Justiça. Jobim não é do tipo que adota meias palavras. Em entrevista ao portal "UOL", opinou que o Supremo foi "leniente, tolerou exageros e abusos" da Lava-Jato. Jobim não defendeu anulação de processos e a soltura de Lula. Fez um reparo, em nota, para enfatizar seu "respeito pelo juiz Moro, a despeito de eventuais críticas pontuais, como personagem central na construção de um Brasil mais justo, transparente e livre de corrupção".
Outro aviso veio do ministro Luiz Fux (do "In Fux we trust"), na semana passada, em evento da XP Investimentos: "Se impõe que o magistrado tenha vergonha na cara e prudência na língua". E assim vão se construindo os discursos para o que virá no segundo semestre, enquanto o "The Intercept" começa a divulgar áudios das conversas. Ainda que os conteúdos não sejam bombásticos (até o momento), a voz tem potencial para um estrago bem maior do que a palavra escrita. É mesmo aconselhável que o ministro Moro desfrute de férias. [áudios que estranhamente possuem em alguns trechos ruído de fundo, inexplicável, mas suficientes para 'esconder' junções de trechos editados.]
Previdência
"Por que a Previdência dos servidores precisa mudar? Esta é a pergunta fundamental sobre a qual devemos refletir. Os regimes próprios são estruturalmente deficitários, porque, primeiro, não há teto no regime de repartição, o que, evidentemente, permite toda sorte de distorções; segundo, o benefício é igual à última remuneração. Essas duas regras combinadas distorcem ainda mais o sistema (...). As idades mínimas para se aposentar são baixas, se comparadas com os demais sistemas no mundo. São idades efetivamente inadequadas para o sistema previdenciário. E temos pensões altas e de longa duração." Não, não foi Paulo Guedes quem disse. Foi o petista Ricardo Berzoini, então ministro da Previdência do governo Lula, em audiência na comissão especial da reforma da Previdência na Câmara, em 25 de junho de 2003.
Malu Delgado - Valor Econômico

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Não faça o que faço


A reação dos petistas à recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU relativa à candidatura de Lula nas próximas eleições é exemplar do dito popular “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.  Enquanto neste momento há um movimento articulado para espalhar que o governo brasileiro é obrigado a cumpri-la, liberando Lula para ser candidato à presidência da República, em outros o governo petista agiu justamente ao contrário, alegando que comitês tanto da ONU quanto da OEA não têm capacidade de intervenção em questões internas do país.

Assim como hoje, chefiado pelo tucano Aloysio Nunes Ferreira, o Itamaraty no tempo de Lula ou Dilma afirmava que “as conclusões do comitê têm caráter de recomendação e não possuem efeito juridicamente vinculante”.  Em 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recomendou a suspensão imediata da Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, alegando irregularidades no processo de licenciamento ambiental, atendendo a uma medida cautelar de entidades indígenas que questionaram o empreendimento.

O então ministro da Defesa, Nelson Jobim, criticou a solicitação, e sugeriu que a Organização dos Estados Americanos (OEA) fossecuidar de outro assunto”. Mais, o governo da presidente Dilma, em retaliação ao que considerou uma intromissão em assuntos internos, suspendeu o repasse de verba à entidade, de US$ 800 mil.  A diplomacia brasileira classificou a medida de “precipitada e injustificável”, e ainda chamou o embaixador brasileiro de volta, o que, em linguagem diplomática, significa um protesto em nível máximo. [Temer agiu certo em não chamar o embaixador brasileiro de volta, seria valorizar o que tem valor zero; 

para esse comitê inútil da ONU, temos que aplicar o velho e sábio ditado: "enquanto os cães ladram a caravana passa"  e certamente o aloprado comitê não é a caravana.]


Em outra ocasião, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o estado brasileiro pelos “graves crimes” cometidos no regime militar, e declarou sem efeitos jurídicos a Lei de Anistia. Embora petistas tenham gostado da decisão, inclusive o então ministro dos Direitos Humanos Paulo Vanucchi, nada foi feito, por impossibilidade jurídica.   A recomendação de organismos internacionais sobre direitos humanos, base da recomendação atual sobre a candidatura de Lula, sempre foi desprezada pelos governos petistas, que chegaram a fazer uma proposta oficial para que a ONU passasse a tratar os países que violam os direitos humanos com mais condescendência, evitando críticas públicas aos regimes autoritários.

Muito mais que decisões pragmáticas, se abster em votações contra Cuba com relação à violação dos direitos humanos, ou mesmo votar contra uma condenação do governo do Sudão sobre Darfur, onde um conflito étnico matou mais de 200 mil pessoas, fazia parte de uma política de Estado que o governo Lula adotou.  A  ONG Conectas Direitos Humanos denunciou na ocasião a alteração no padrão de votação do governo brasileiro no Conselho de Direitos Humanos da ONU, seguindo geralmente interesses políticos e comerciais. Da abstenção em 2001 e 2002, o governo brasileiro passou a votar explicitamente contra a condenação da Rússia em 2003 e 2004. O padrão de votação parecia seguir o interesse geopolítico e comercial do governo brasileiro, e não tem relação direta com o conceito de direitos humanos em si.

Além de criticar a conduta como ineficaz, o governo brasileiro considerava, embora informalmente, que o Conselho de Direitos Humanos da ONU estava muito politizado, controlado pelos EUA.  A nota da ONU, destacada por Carlos Alberto Sardenberg em artigo, ressalva que “é importante notar que esta informação, embora seja emitida pelo Escritório das Nações Unidas para Direitos Humanos, é uma decisão do Comitê de Direitos Humanos, formado por especialistas independentes. (Logo) esta informação deve ser atribuída ao Comitê de Direitos Humanos”. Por isso, o Itamaraty do governo Temer, assim como os dos governos Lula e Dilma, considera o comitê que supervisiona o Pacto de Direitos Civis e Políticos, simplesmente isso, um órgão que não tem poder de sanção.


Merval Pereira - O Globo
 
 

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Cavando a derrota

Quantos mais candidatos, mais todos eles perdem, principalmente Alckmin

Quanto mais as forças políticas de centro falam em “união”, mais ocorre justamente o oposto: os candidatos já colocados desdenham a possibilidade e novos nomes continuam entrando numa corrida presidencial já tão inflacionada. Em vez de diminuir, como se esperava, o número de candidatos só faz aumentar.  Isso reforça uma constatação: os partidos não acreditam nas chances do ex-governador Geraldo Alckmin, que seria o nome com mais força e melhores condições para aglutinar as tais forças e os tais votos de centro. Afinal, Alckmin é do PSDB, partido que ou ganhou ou disputou o segundo turno em todas as eleições desde 1994, e foi quatro vezes governador do principal Estado da Federação. E bem-sucedido, faça-se justiça.

Logo, Alckmin tem a força, a estrutura os recursos, a capilaridade, o tempo de TV e a capacidade de fazer alianças do PSDB e acrescenta a isso as suas próprias qualificações, inclusive as pessoais. Mas não sai do lugar e tem até de suportar recado malcriado do líder das pesquisas, Jair Bolsonaro: “Quando atingir dois dígitos, ele liga pra mim”.
Com Bolsonaro consolidado pela direita e Ciro Gomes (PDT) crescendo à esquerda, o congelamento da opção Alckmin aumenta o desespero da turma que trabalha, ou reza, por uma “união do centro”. Na mesma semana em que é lançado o Manifesto por um polo democrático e reformista continuaram entrando novos nomes considerados de centro ou centro-direita. Em vez de somar, dividem-se.

O manifesto foi assinado por Fernando Henrique Cardoso e nada mais é do que um esforço para uma candidatura comum. Envolve PSDB, PPS, MDB, DEM, PV, PSD e PTB, joga iscas à esquerda e à direita e considera seis beneficiários de uma “união”: além de Alckmin, Rodrigo Maia, Meirelles, Marina Silva, Flávio Rocha e Alvaro Dias. Mas até Rodrigo Maia joga água fria na articulação, que considera “conversa meio de bêbado”, por falta de ressonância na sociedade.  E assim, vão entrando na disputa Nelson Jobim, do MDB, Guilherme Afif Domingos, do PSD, e Josué Gomes da Silva, do PR. Jobim observa ao longe e só entra na boa, com mínimas garantias e alguma segurança. Afif se licenciou da presidência do Sebrae nacional e Josué saiu ontem da Fiesp, ambos colocando-se à disposição para disputar em outubro. Nos três casos, a mesma constatação e a mesma ambição.

Eles acham que as chances de Alckmin são reduzidas, que grande parte do eleitorado torce o nariz para Bolsonaro e para Ciro e que há uma longa avenida de oportunidades para novos nomes – os deles próprios.  Jobim passou com nota 10 pelo Executivo, Judiciário e Legislativo, mantendo boa interlocução com militares. Afif já disputou a Presidência em 1989 e tem a força das pequenas e médias empresas. Josué é um dos mais bem sucedidos empresários brasileiros e tem a aura de filho de José Alencar, vice de Lula.  O timing deles é o final de julho, início de agosto, com as convenções partidárias. Jobim teria de se viabilizar o suficiente para disputar com Henrique Meirelles no MDB, Afif vai enfrentar a aliança praticamente já definida do PSD com o PSDB e Josué está aí para o que der e vier, variando entre uma candidatura a vice e a cabeça de chapa do PR, partido ainda indefinido sobre o que fazer em outubro.

Tudo pode acontecer, mas é improvável que um deles dispare até outubro, acabe no segundo turno e vire um sucesso espetacular na eleição. Assim, eles seguem o mesmo destino de Alvaro Dias (Podemos): dificilmente ganham, mas certamente enfraquecem Geraldo Alckmin. Por quê? Por que todos tiram votos potenciais do tucano, pulverizam ainda mais o centro e deixam Bolsonaro e Ciro correndo por fora, livres, leves e soltos.

Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo
 

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Supremo se transformou em grande espetáculo televisivo, afirma ex-ministro Eros Grau


Segundo ex-ministro, a Constituição de 1988 é extensa demais e isso faz com que o STF se torne efetivamente uma quarta instância dos processos

O Supremo Tribunal Federal se transformou em um grande espetáculo televisivo, o que traz um problema de necessidade de protagonismo, afirmou Eros Grau, ex-ministro da Corte, durante Fórum Estadão realizado nesta terça-feira em São Paulo. O jurista citou uma pesquisa recente mostrando que 51% das decisões tomadas no Tribunal foram feitas monocraticamente, contrariando o espírito colegiado da última instância.
Eros Grau, ex-ministro do Supremo, durante Fórum Estadão Foto: Felipe Rau

Segundo Eros, o STF virou um tribunal monocrático em que os interesses a visões individuais se sobrepõem ao plenário. Isso fez com que STF se tornasse efetivamente uma quarta instância dos processo. "Para evitar isso, bastava aplicar a lei efetivamente", disse Eros. 

A tese foi defendida também pelo ex-presidente da Corte Nelson Jobim, que citou as liminares derrubando a decisão de prisão em segunda instância como exemplo da individualização da Corte. Para Jobim, um dos problemas desse protagonismo dos membros do Supremo acaba sendo a necessidade de alguns de "construir sua biografia".
"Há um problema na origem da indicação ao Supremo. Temos dois tipos de indicação, aqueles que tiveram ou passaram a ter relação direta com o presidente que indicou em consequência de sua biografia e outros que não tinham biografia antes de chegar à Corte. Quando chegam ao STF, os que não tinham biografia passam a diferir na Corte para construir seu individualismo, sua biografia." 

Eros lembrou ainda que a constituição norte-americana tem apenas sete artigos e 27 emendas, enquanto sua contraparte brasileira nasceu já com 245 artigos.
 

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

A casta de toga

Nada mudou. A Liga da Justiça traja toga cinza. Austeridade, só para os demais.

No início de fevereiro, a revista "Isto é" festejou "o novo tom da justiça". Para a revista, "o Supremo não se dobra a pressões" e rejeita "acomodações". Posando com caras de durões e trajando capas, os Ministros foram retratados como heróis, membros da Liga da Justiça.

Na abertura do ano judiciário, 'Os Onze Supremos' foram recepcionados pela FRENTAS (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público). Os juízes e promotores não saudavam o estrelato de seus líderes. Estavam ali para pressionar, defender o seu. De lá para cá, a pressão só cresceu e, no final dessa semana, circularam rumores de que magistrados estariam dispostos a entrar em greve.  Não é a primeira vez que juízes pressionam o Supremo e ameaçam paralisar atividades. Fizeram o mesmo em 2000, ano da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da imposição de tetos salariais. Cortes e austeridade fiscal para todos, menos para os magistrados.

Nelson Jobim, em seu depoimento à História Oral do Supremo, desce aos detalhes, narrando peripécias de fazer inveja a Pedro Malasartes. Jobim manipulou pauta do Supremo, blefou, ameaçou, fez acordos com líderes do movimento grevista e muito mais. Tudo para escapar dos limites impostos pelo teto constitucional sem parecer que o Supremo cedera ao 'sindicato'. Para tanto, contou com a anuência do Presidente Fernando Henrique e fez tabelinha com o então Ministro Chefe da Casa Civil, Pedro Parente --a quem define como um 'craque' -- e com Gilmar Mendes, à época na Advocacia Geral da União.

Eis o resumo da ópera: "Aí você via as coisas mais malucas.(...) Tinha gratificação por... curso superior [risos]. Sabe disso? Tinha gratificação não sei do quê...,tinha o diabo de gratificação. (...) Eu absorvi tudo isso dentro do valor, então legalizei... E o Pedro Parente teve uma figura muito importante. (...) Todos aqueles penduricalhos que tinham, tudo ficou legalizado (...). Percebeu a lógica? Em vez de dizer que era ilegal, eu dizia que aquilo ali que tu recebeu passou a ser legalizado, porque passou a ser integrante do salário."

Não há quem não perceba a lógica. Jobim, Ministro do Supremo, guardião da Constituição, desenhou e implementou uma operação para 'legalizar' 'gratificações malucas'. Montou uma lavanderia, não de dinheiro, mas de penduricalhos. A operação foi longa e só se completou no governo Lula, em negociações diretas com o ministro Palocci e membros do STJ, para garantir que abono não fosse taxado. A íntegra do depoimento é de tirar o fôlego e vale o acesso ao portal do projeto. Assim, quando afirmam que não há nada de ilegal em seus contracheques, que seus salários acima do teto não ferem a lei, os juízes não estão faltando inteiramente com a verdade. Está tudo 'legalizado'.

Mas os magistrados voltaram a inventar novos 'adicionais malucos'. O para moradia, garantido por Luís Fux em 2014, é só um deles. Isto para não falar das ações cobrando dívidas e adicionais não pagos no passado. Por isto, os contracheques chegam à estratosfera. Tudo legal. Tudo decidido e autorizado pelo próprio judiciário que julga as ações que move contra o Estado.  A desculpa que recebem o que a lei autoriza é esfarrapada. A lei em questão fere lei maior. Os subterfúgios encontrados agora não passam de modos espertos de contornar a legislação em benefício próprio. São reedições da lavanderia do Jobim. Como observou Ribamar Oliveira (Valor, 8/02/2018), a Lei de Diretrizes Orçamentárias em vigor veda explicitamente o pagamento do auxílio-moradia para o agente público que possui imóvel no município em que exerce o cargo. Bretas, Moro e Gilmar Mendes e tantos outros, portanto, desrespeitam a lei. Simples assim.

Os magistrados estão dispostos a tudo para preservar e justificar seus privilégios
. O exemplo mais acabado ocorreu no início de 2016, significativamente, no Paraná. A Gazeta do Povo noticiou que juízes e promotores do estado recebiam salários acima do teto constitucional. A corporação recorreu à tática introduzida pela Igreja Universal: abrir processos individuais contra os jornalistas em 40 municípios espalhados pelo Estado. Eram citados em Curitiba em um dia, Maringá em outro e assim por diante, forçados a viajar pelo Estado para responder as citações, impedidos de trabalhar e arcando com os custos da defesa e as despesas dos deslocamentos. Que outra organização recorreria a uma estratégia tão requintada de vingança?

Ainda assim, em uma primeira decisão, a Ministra Rosa Weber não viu nada de errado na retaliação coletiva orquestrada pelos paranaenses. Demorou meses para se convencer do óbvio e acatar a medida cautelar do jornal.  O mais incrível é que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) não se deu por vencida e entrou com pedido para que a ministra revisse sua decisão, alegando que "não houve abuso do direito de ação por parte dos magistrados paranaenses, pelo simples motivo de que a Associação de Classe não tem legitimação para propor ação coletiva visando à obtenção de indenização que decorre da violação de direito personalíssimo (ofensa à honra e intimidade)." Quando a questão é garantir seus salários, os membros da casta se comportam como intocáveis.

Desde a aprovação da LRF, juízes e promotores defendem seus privilégios com voracidade incomum, sem respeito à ética e à lei. Nada justifica os privilégios com que contam e só querem fazer crescer. Austeridade, só para os outros. Pode faltar dinheiro para educação e para a saúde, mas não para o Judiciário.  Não por acaso, na Lava Jato, não é segredo, delações envolvendo os membros da Liga foram evitadas. Moro e Dallagnol sabem das retaliações de que seus pares seriam capazes, afinal moram no Paraná e, no frigir dos ovos, são beneficiários dos penduricalhos 'lavados' por Jobim. Os castos predam o erário que dizem defender.

Nada mudou. A Liga da Justiça traja toga cinza. Austeridade, só para os demais.



Fernando Limongi - Valor Econômico