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segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Supremas diferenças - Revista Oeste

Cristyan Costa - Gabriel de Arruda Castro

O formato de supremos tribunais federais ao redor do mundo comprova que o Brasil é uma república bananeira


 Sessão plenária do STF | Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Enfim, a falta de transparência da Suprema Corte gerou uma reação do Congresso. 
Depois de controvérsias envolvendo viagens de ministros para palestras e eventos, parlamentares fizeram avançar nas últimas semanas um projeto de lei que cria um código de conduta para os membros da Suprema Corte. Da Suprema Corte dos Estados Unidos.  Embora tenha a ver com uma queda de braço entre republicanos e democratas, a preocupação do Congresso norte-americano com a atuação dos membros da Suprema Corte tem base na realidade. 
 
Hoje, os membros do tribunal são obrigados a registrar de forma detalhada todos os presentes recebidos por eles ou membros da família que ultrapassem US$ 415 (cerca de R$ 2 mil). Nos últimos anos, por exemplo, o ministro Neil Gorsuch declarou ter recebido botas de caubói (US$ 699) e uma vara de pesca (US$ 500). 
O presidente da Corte, John Roberts, informou ter ganhado ingressos para um concerto de ópera em 2009 (US$ 500). 
Mas nem todos os casos foram registrados como deveriam. 
De acordo com um relatório publicado pela organização Fix the Court, membros do tribunal omitiram viagens que, bancadas por organizações privadas, se encaixam mais como presentes.

É pouca coisa, se comparada à falta de critérios na Suprema Corte brasileira. Nesses e em outros quesitos, os membros do STF têm uma vida mais confortável do que seus colegas ao redor do mundo.

Os capinhas
Mesmo quando comparado às cortes constitucionais de países ricos, o STF brasileiro é caro demais e oferece muitas mordomias. A mais simbólica são os chamados “capinhas”. Cada ministro tem um
Em linhas gerais, são auxiliares que têm como função principal carregar papéis e livros, além de empurrar a poltrona até que sua excelência esteja devidamente sentada — nem na monarquia britânica isso ocorre. No Reino Unido, os juízes carregam as próprias pastas e ajustam suas cadeiras. Na Alemanha, também.
 
Além disso, quando os ministros entram no plenário para uma sessão, um funcionário do tribunal dispara um sino, e os presentes precisam ficar em pé (quem desobedece à regra acaba advertido por um segurança). 
 Não existe nada parecido nos outros Poderes. O ritual se repete em todas as sessões.

O salário recebido pelos ministros do STF também pode despertar inveja nos magistrados de outras Cortes constitucionais ao redor do mundo. O valor (exatos R$ 41.650, 92) é 16,5 vezes o rendimento médio do brasileiro calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Enquanto isso, o ordenado dos ministros dos Estados Unidos é cinco vezes o salário do norte-americano médio. Na Itália, esse número corresponde a 10,5 vezes; na França, a 10; e, no Reino Unido, a 6. Quando se leva em consideração que o custo de vida no Brasil é significativamente menor do que o desses países, a disparidade se torna mais evidente.

O STF custa por ano R$ 850 milhões aos pagadores de impostos brasileiros. Nos Estados Unidos, são cerca de R$ 540 milhões. Na Alemanha, R$ 200 milhões. Na Itália, R$ 320 milhões

O contracheque generoso dos ministros brasileiros vem acompanhado de uma série de mordomias, como carros blindados, jantares com vinhos premiados e lagostas, tradutores exclusivos, imóvel funcional, seguranças armados, mais de 30 funcionários por gabinete e roupas feitas sob medida. 
 Nada disso faz parte da realidade de tribunais de países desenvolvidos. Se os juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos quiserem andar com veículos blindados, precisarão pagar do próprio bolso. Quanto à segurança, recentemente o Congresso aprovou uma lei autorizando a escolta armada.[em que pese, a criação por Resolução do CNJ - que não é Poder Legislativo - da policia judicial =  Que só poderia ser criada por LEI, que é da competência exclusiva  do Poder Legislativo.]

Os valores desembolsados pelos pagadores de impostos para a manutenção do Supremo também são bem mais salgados por aqui. O STF custa por ano R$ 850 milhões. Nos Estados Unidos, são cerca de R$ 540 milhões. Na Alemanha, R$ 200 milhões. Na Itália, R$ 320 milhões. E, na Austrália, menos de R$ 90 milhões.

Em pelo menos duas coisas os ministros brasileiros se assemelham aos de outros países
Os membros da Suprema Corte dos Estados Unidos e do Reino Unido também têm férias de três meses por ano (geralmente, do começo de julho ao começo de outubro) — eles, porém, costumam continuar trabalhando de alguma forma, em preparação para os próximos julgamentos. Os juízes desses tribunais também podem viajar para outros países com a finalidade de discutir problemas de suas nações. 
No caso dos Estados Unidos, os magistrados podem receber passagens aéreas, diárias e transporte, além de remuneração por eventuais palestras e aulas no exterior, desde que não haja conflito de interesses e o valor não ultrapasse aproximadamente US$ 30 mil por ano. 
Essas viagens, contudo, são extremamente raras, tanto na Suprema Corte norte-americana quanto na de outros países.
 
Conflitos de interesses
Recentemente, os ministros do STF permitiram a eles mesmos e a todos os magistrados do Brasil julgar casos de escritórios de cônjuges e parentes. 
Nos Estados Unidos, não existe um veto específico para casos em que familiares tenham participação em escritórios de advocacia, mas a regra proíbe que eles atuem em qualquer ação na qual a sua imparcialidade possa ser “razoavelmente questionada”. 
O veto menciona especificamente casos em que parentes até o terceiro grau advoguem ou tenham algum tipo de interesse.

Em termos de julgamento de ações, o STF supera seus semelhantes. Em 2022, a Suprema Corte norte-americana se debruçou sobre 58 processos. A do Reino Unido, sobre 56. Na França, a média tem sido de 70 por ano. No Brasil, o STF proferiu quase 88 mil decisões no ano passado. Dessas, cerca de 13 mil foram tomadas de forma colegiada (as demais foram monocráticas, algo inexistente na Suprema Corte norte-americana). 
Parte da responsabilidade é da Constituição, que atribuiu muitas funções ao STF brasileiro — que, em outros países, se limita a tratar de casos que de fato tenham a ver com a interpretação da Constituição. 
De qualquer forma, os ministros brasileiros não parecem se incomodar com o excesso de demanda. 
Eles têm, com frequência, excedido suas atribuições para decidir sobre temas que, de acordo com a Carta Magna, são de responsabilidade do Parlamento. Nesta semana, a Corte retomou o julgamento sobre a legalização das drogas no país, embora o Congresso tenha atualizado a legislação a respeito do tema em 2006.
 
Uma das explicações para isso é a relativa facilidade com que uma ação pode chegar ao STF, em virtude de uma série de elementos que nasceram com a Constituição de 1988. A Carta Magna brasileira garante, por exemplo, o direito à felicidade e ao esporte, além do chamado “trânsito em julgado”, possibilitando inesgotáveis recursos nas esferas judiciais. 
O STF opina até em questões penais e criminais, diferentemente da Suprema Corte dos Estados Unidos, que se atém unicamente a problemas constitucionais. Portanto, a maioria das ações nos Estados Unidos se resolve na primeira instância.

“A grande diferença entre a Suprema Corte norte-americana e a brasileira consiste na natureza das ações a serem processadas e julgadas”, explica Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito público pela FGV. “A Suprema Corte norte-americana julga ações exclusivamente constitucionais, e a brasileira enfrenta ações constitucionais, penais, civis, tributárias e inúmeros recursos extraordinários, habeas corpus e outros, o que acaba resultando em atrasos em seus julgamentos e prejuízo inevitável para os jurisdicionados.” 

Se os juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos quiserem andar com veículos blindados, precisarão pagar do próprio bolso | Foto: Shutterstock

Falta de transparência levanta dúvidas
Apesar da recente ofensiva de parlamentares dos Estados Unidos sobre as brechas nas regras de conduta da Suprema Corte, irregularidades são bastante incomuns. “A ocorrência de desvios ou de situações de transgressão às regras é rara”, afirma o advogado Bruno Cunha, mestre em Direito e pesquisador do assunto na Ohio State University, nos Estados Unidos. Cunha conta que, em 1969, o ministro Abe Fortas renunciou ao cargo de juiz da Suprema Corte, depois de vir à tona que uma série de palestras dadas por ele na American University havia sido custeada por empresas, com valores muito acima do que os pagos a outros palestrantes daquele evento.

No Brasil, a falta de transparência torna mais difícil investigar se grupos privados e empresas do ramo estão usando congressos, seminários e palestras para comprar a influência de ministros do STF. 
Um caso recente foi a palestra de Alexandre de Moraes na Itália. 
O ministro foi a Siena participar de um evento promovido pela UniAlfa, uma faculdade de Direito de Goiânia cujo dono também é proprietário da Vitamedic, fabricante do medicamento ivermectina — que foi usado no tratamento precoce contra a covid-19.  
O STF diz que não sabe dos custos da viagem, porque não foi responsável pelas despesas. 
Os organizadores se recusam a informar o valor gasto com passagens, diárias de hotel e alimentação. O roteiro se repete com frequência.
 
Poucos dias depois do episódio envolvendo Moraes, a imprensa flagrou Luís Roberto Barroso confraternizando com Joesley Batista, dono do frigorífico JBS e réu confesso em escândalos de corrupção (o empresário pego na Operação Lava Jato escapou da cadeia ao fazer um acordo de delação e concordar em devolver R$ 10,3 bilhões aos cofres públicos). 
Barroso e Batista estavam em Portugal para participar do Fórum Jurídico de Lisboa, organizado pelo também ministro do STF Gilmar Mendes.

26/07/2023 – (STF), o ministro Luís Roberto Barroso usou o tempo livre da passagem por Lisboa, onde participou do Fórum Jurídico promovido pelo instituto ligado ao também ministro Gilmar Mendes, para confraternizar com o delator e dono do grupo JBS Joesley Batista.🇧🇷🐅🇧🇷🐅🐅🇧🇷 pic.twitter.com/FYGsnY8XVI— adilson c.da silva (@adilsoncdasilv2) July 27, 2023

A despeito de os juízes da Suprema Corte norte-americana poderem ter empresas e não haver um veto específico à propriedade de universidades e institutos, esses magistrados procuram manter distância de negócios do tipo. No máximo, compram ações de grupos privados
Ou seja, há uma espécie de código de conduta próprio. 
 
Os membros do STF brasileiro não têm esse “autocontrole”, mas, em tese, estão sujeitos a outras normas. O capítulo V do Código de Ética dos servidores do STF, por exemplo, veda “receber benefícios de transporte, hospedagem ou quaisquer favores de particulares que atentem contra os princípios elencados neste código”. [oportuno lembrar que pela nomenclatura de cargos os magistrados, de qualquer instância, são considerados MEMBROS  do Poder Judiciário. Já os servidores são os 'barnabés' que não exercem nenhuma função judicante.]

O Código de Ética da Magistratura afirma que “é dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional”. Bruno Cunha afirma haver dúvidas sobre a aplicação dessas normas aos integrantes do STF. Ele diz que o impasse poderia ser resolvido por iniciativa da própria Corte. “Uma das soluções possíveis para a situação seria a autorregulação, por parte dos ministros do STF”, diz. “Nesse caso, partiria dos próprios membros da Corte a regulamentação da matéria, o que evitaria discussões sobre a competência para tal.”

Na visão de Giuliano Miotto, advogado e presidente do Instituto Liberdade e Justiça, há poucos motivos para ter esperança. “Falta transparência nas atividades particulares dos ministros do STF, e qualquer promotor, fiscal ou juiz que ouse investigar qualquer atividade suspeita tem sua carreira destruída”, observa Miotto.Basta ver o que vem acontecendo com os protagonistas da Operação Lava Jato. Boa parte das doações a institutos desses ministros, financiamentos de passagens e palestras têm sido feita por empresas e pessoas com causas milionárias e até bilionárias pendentes.”

No papel, o Congresso Nacional poderia alterar as normas em vigor para tornar mais claros os parâmetros de atuação do STF.  
No entanto, no que depender dos parlamentares atuais, parece haver pouca perspectiva de mudança. 
Aparentemente, os congressistas brasileiros preferem o silêncio sobre o assunto. É que, diferentemente do que acontece na maior parte dos países, o STF tem a função de julgar deputados e senadores. E muitos deles têm contas a acertar com a Justiça.


Leia também “Glenn Greenwald: ‘Ficou perigoso ser contra o STF

Colunistas: Gabriel de Arruda Castro e Crystian Costa  

Revista Oeste

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Judiciário - Se Dias Toffoli pode ser ministro do STF, qualquer um pode - Gazeta do Povo

Vozes - Francisco Escorsim

Ministro Dias Toffoli disse que reconhecer o direito ao esquecimento violaria a liberdade de imprensa e de informação, garantidas pela Constituição.


O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Tenho uma preguiça imensa de falar sobre coisas óbvias, mas num tempo em que é preciso repetir e repetir e repetir que a grama é verde, o óbvio se torna raro. Então, repito: se Dias Toffoli pode ser ministro do STF, qualquer um pode. E mostro por que a grama é verde. [mesmo considerando as fundadas restrições ao notório saber jurídico do ministro Dias Toffoli, temos que reconhecer que ele é bastante criativo. Percebam:
- é dele a ideia da criação do famoso 'inquérito do fim do mundo' que, segundo pessoas que entendem das leis e da Justiça, é a fonte do poder do mais poderoso dos supremos ministros; 
- foi também o ministro Toffoli a primeira suprema autoridade a reconhecer, fora do  solo pátrio, que o Brasil tem um     4º Poder, o PODER MODERADOR, que é exercido pelo STF.]


Um dos critérios para a nomeação de alguém ao STF, segundo o artigo 101 da Constituição, é o de o indicado possuir notável saber jurídico. Confira o currículo de Dias Toffoli antes de ser nomeado e responda: se tinha notório saber jurídico, o que seria apenas um “saber jurídico”? Se algo havia de “notório” naquele momento, não era seu saber jurídico, mas sua atuação em favor do PT e de Lula, que o indicou.

Mas, se você acha que neste caso isso seria discutível e de avaliação subjetiva, não tem como sustentar que o futuro ministro possuía reputação ilibada, outro critério exigido pelo mesmo artigo da Carta Magna. Também não se cumpria à época, pois o indicado havia sido condenado em primeira instância pela 2.ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá “a devolver, junto com outros réus, cerca de R$ 700 mil aos cofres públicos do Amapá.” Isso era um fato, não opinião.

    Nossa Constituição é como um diretor de uma peça teatral ignorado pelos atores que reescrevem o roteiro improvisando conforme a circunstância

O indicado não passava, portanto, nem pelo critério do dicionário,
pois “ilibado” significa, segundo o Houaiss: “1. não tocado; sem mancha; puro. 2. que ficou livre de culpa ou de suspeita; reabilitado, justificado”. Por óbvio (eu avisei), uma condenação mancha a reputação de qualquer um, que só pode ser restaurada caso a decisão seja reformada em instâncias superiores, sendo então considerado livre de culpa ou de suspeita, o que não aconteceu à época da aceitação de Toffoli pelo Senado para o cargo de ministro do STF.

Não estamos falando de presunção de inocência até decisão definitiva, mas de um rígido critério moral, do contrário não se exigiria pureza da reputação. Uma coisa é ser presumido inocente tendo recorrido de uma condenação, mas é óbvio (eu avisei) que a condenação em si mancha a pureza dessa reputação, que pode até continuar sendo boa, mas jamais ilibada até que – e se – restaurada posteriormente. Ou seja, naquele momento a reputação de Dias Toffoli não era ilibada. Não era questão de opinião, era fato.

Por isso, a partir do momento em que o determinado pela Constituição Federal era – e continua sendo – ignorado, tanto por quem o nomeou quanto pelo Senado que o aceitou, os critérios de “reputação ilibada” e “notório saber jurídico” nada mais significam e futuros indicados podem até ser recusados, mas, se o forem, será por pura conveniência política do momento e mais nada.

Diante dessa realidade, que importa se o atual indicado e aceito para ministro do STF Cristiano Zanin é advogado pessoal do presidente da República? Os princípios da impessoalidade e moralidade foram tratados da mesma forma que os critérios referidos de “reputação ilibada” e “notório saber jurídico”: só valem quando interessa aos donos provisórios do poder.

O que me obriga a destacar outra obviedade a respeito da nossa Constituição: ela é como um diretor de uma peça teatral ignorado pelos atores que reescrevem o roteiro improvisando conforme a circunstância. Há quem, na plateia, acredite ser espectador de uma tragédia, mas, na verdade, a peça é uma grande farsa e os palhaços somos nós.


Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Francisco Escorsim, colunista  - Gazeta do Povo - VOZES

 

sábado, 10 de dezembro de 2022

Congresso covarde - Silvio Navarro

Revista Oeste

A pior legislatura da história brasileira submete o Congresso Nacional à ditadura do Judiciário e vira as costas para o povo nas ruas 

Desde a redemocratização do país, as legislaturas no Congresso Nacional carregam marcas históricas: aprovação de impeachments de dois presidentes, CPIs que investigaram grandes escândalos, como o do mensalão e dos Anões do Orçamento, votações de reformas estruturais e até uma Assembleia Constituinte, destinada a assegurar a liberdade dos cidadãos. A legislatura que termina neste mês será lembrada como a mais covarde que o Brasil já elegeu.

Alexandre de Moraes e Rodrigo Pacheco durante cerimônia no Senado Federal, no dia 18/10/2022 | Foto: Ton Molina/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Alexandre de Moraes e Rodrigo Pacheco durante cerimônia no Senado Federal, no dia 18/10/2022 | Foto: Ton Molina/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Nos últimos anos, as Casas comandadas pelo deputado Arthur Lira (AL) e Rodrigo Pacheco (MG) se ajoelharam para os onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Os parlamentares permitiram que a Constituição Federal, redigida em 1988 em suas dependências, fosse pisoteada. O Congresso Nacional, hoje, sequer cumpre seu principal papel: legislar sobre matérias de competência da União. O STF não deixa.

O marco do servilismo entre os Poderes da República aconteceu no dia 19 de fevereiro de 2021. Numa sessão vergonhosa, o plenário da Câmara aprovou por 364 votos a decisão do ministro Alexandre de Moraes de prender o deputado Daniel Silveira (RJ). 
Nesse dia, a Câmara rasgou a inviolabilidade parlamentar prevista no artigo 53 da Constituição. Em suma, proibiu um deputado de falar o que pensa.“Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, diz a Carta Magna.
 
Aliado do presidente Jair Bolsonaro, o deputado foi um dos presos no inquérito comandado por Moraes no Supremo – renomeado de atos antidemocráticos, milícias digitais, fake news e afins, porém jamais encerrado. 
Silveira gravou um vídeo no YouTube com ataques ao Supremo e em defesa do AI-5. Como o vídeo não poderia ser completamente apagado da internet, Moraes inventou o “flagrante perpétuo”. Usou como base para enquadrá-lo na Lei de Segurança Nacional, revogado pela pela Lei nº 14.197, de 2021.

Caso Daniel Silveira: 5 perguntas para o jurista Ives Gandra Martins

“Se a Constituição diz uma coisa e o Supremo decide de forma diferente da Constituição, não é uma interpretação. Porque, no artigo constitucional, onde está escrito ‘quaisquer’ manifestações, o Supremo diz: ‘quaisquer manifestações menos aquelas com que nós não concordamos’. Tenho 86 anos, 63 anos de advocacia. Tenho a impressão de que cada vez mais tenho de aprender o Direito. Porque o que está escrito na lei não é exatamente o que é aplicado”(Ives Gandra Martins)

Daniel Silveira passou cinco meses na cadeia mesmo sem ter o mandato cassado pela Câmara. Depois de solto, continuou sendo perseguido por Moraes, que mandou a polícia entrar no Congresso para obrigá-lo a colocar uma tornozeleira eletrônica. Neste ano, Moraes ainda tentou impedi-lo de concorrer ao Senado nas eleições Silveira obteve 1,5 milhão de votos e perdeu nas urnas para Romário. Em todos esses casos, a Câmara não fez nada para impedir que o Poder Judiciário avançasse contra o Legislativo.

A submissão do Congresso também ficou evidente com a abertura de CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito), como a da Covid, que só funcionou porque a Corte mandou; com a aprovação de emendas e projetos de lei; e até na forma como os parlamentares devem executar as emendas do relator do Orçamento –  chamadas de Orçamento secreto na época de Jair Bolsonaro para desgastar o presidente. São assuntos que deveriam ser respeitados como interna corporis.

No Senado, Rodrigo Pacheco é o retrato da frouxidão. É tratado nos bastidores como despachante dos togados. A edição 131 de Oeste detalha sua biografia política e os serviços prestados ao STF.

A ausência de justificativa plausível para tamanha submissão alimenta a tese de que os parlamentares têm medo do STF. Sem rodeios, algo popularmente chamado de “telhado de vidro”. De fato, mais de cem deputados e um terço dos senadores estão enrolados com a Justiça.

O exemplo mais simbólico de “puxa-saquismo” misturado com democracia do avesso é o senador Renan Calheiros. Com mais quatro anos de mandato e a família inteira de políticos profissionais – três irmãos e o filho –, o alagoano é o mais longevo senador em atividade com quatro mandatos no Senado. Nesse período acumulou nove inquéritos no Supremo, entre outras investigações – nenhuma delas avançou.

Em 2007, quando presidia a Casa, enfrentou cinco processos de cassação resultantes de cinco capas sucessivas da revista Veja naquele ano. A principal denúncia era que a empreiteira Mendes Júnior pagava a pensão de seu filho com a jornalista Monica Veloso. Para justificar que tinha dinheiro, disse ser dono de um rebanho que não existia, o que lhe custou a cadeira de presidente da Casa para salvar o restante do mandato.

Capa de Veja em junho de 2007 | Foto: Acervo Veja

Depois da atuação no papel de xerife da CPI da Covid, Renan voltou às manchetes do consórcio da imprensa na semana passada. Ele apresentou uma emenda à Constituição para ampliar os poderes dos ministros do Supremo. Em resumo, quer prender quem cometer excessos durante manifestações contra o STF ou Lula. Também quer proibir militares da ativa ou da reserva de chefiar o Ministério da Defesa.

Na semana passada, o ministro Edson Fachin arquivou mais uma investigação contra Renan por suspeita de receber propina da Odebrecht.

Notícia publicada na Revista Oeste, no dia 6/12/2022
-  Foto: Reprodução/Revista Oeste

Deputados amordaçados
Outra triste novidade da ditadura da toga no Brasil é a imposição de mordaça aos parlamentares em pleno exercício do mandato – algo que talvez não aconteceria se a Câmara não tivesse entregado a cabeça de Daniel Silveira no passado. Há uma semana, dez deputados estavam proibidos de se comunicar com seus eleitores e dizerem o que pensam nas redes sociais. Todos são apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.

No Senado, Rodrigo Pacheco é o retrato da frouxidão. É tratado nos bastidores como despachante dos togado

Nesta quinta-feira 8, Major Vitor Hugo (PL-GO), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO) tiveram suas páginas reativadas. Os quatro haviam sido censurados depois de compartilharem um vídeo do consultor político Fernando Cerimedo, que divulgava informações sobre o processo eleitoral brasileiro. Moraes manteve a exclusão das publicações dos políticos sobre as urnas e fixou uma multa de R$ 20 mil caso os deputados voltem a divulgar o vídeo.

Em alguns casos, a censura fora imposta por Alexandre de Moraes depois do segundo turno das eleições, o que extrapola a decisão dos integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na estapafúrdia sessão do dia 20 de outubro. Na ocasião, a Corte se auto-concedeu poderes imperiais de decidir o que pode ou não ser publicado nas redes sociais do Brasil. A medida chamou a atenção até da imprensa “progressista” pelo mundo, como publicou o New York Times.


A lista de deputados calados pela caneta de Alexandre de Moraes aumenta a cada semana. O último caso de censura foi o de Bia Kicis, ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça, reeleita com 214 mil votos. Na terça-feira, 6, ela pediu ao Supremo para ter acesso ao processo, que corre em sigilo. “Se não fizeram nada, fechem logo de uma vez o Congresso Nacional”, disse Bia Kicis, em entrevista ao programa Oeste Sem Filtro. “Moraes está impedindo um parlamentar de exercer plenamente o seu mandato.

Bia Kicis integra um pequeno grupo de parlamentares – menos de um terço do Congresso – que não recuou das críticas aos ministros do Supremo. É também o caso do gaúcho Marcel Van Hattem. Ele recolheu assinaturas suficientes para instalar uma CPI sobre abuso de autoridade. A comissão, contudo, não deve começar a funcionar neste ano porque Arthur Lira está empenhado na campanha para a reeleição ao comando da Casa no dia 1º de fevereiro.

No Senado, Eduardo Girão (CE) conseguiu realizar uma audiência pública para tratar de todos os assuntos proibidos pelo TSE, inclusive questionamentos sobre a lisura do processo eleitoral. A reunião teve recorde de audiência da TV Senado, com dois milhões de visualizações no YouTube no encerramento. Minutos antes, os parlamentares pediram que as notas taquigráficas fossem protegidas porque Alexandre de Moraes poderia censurar o vídeo.

O mandato dos 513 deputados e 27 senadores termina em 20 dias. A renovação das bancadas na Câmara será pequena – 40%, a menor em duas décadas. Os números não são alentadores. Mas, num momento histórico em que o Congresso entregou o país à ditadura do Judiciário, o que resta é torcer pela retomada do seu papel constitucional.

Leia também “A Copa da patrulha ideológica”

Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste

 


segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Decisões contrárias à lei máxima do país, a Constituição, causam insegurança jurídica e política - VOZES

Thaméa Danelon - Gazeta do Povo

Constituição do Brasil segurança jurídica

A lei suprema de um país é a Constituição, sendo esta um conjunto de normas jurídicas que ocupa o topo da hierarquia do Direito de um país.  
A Constituição é a norma fundamental de uma nação, é a lei suprema e também chamada de Carta Magna. 
Uma Constituição é produzida pelo próprio povo que é o titular do poder constituinte, ou seja, o poder de criar, de constituir uma nova Constituição; assim, é a população de um país que deve escolher os membros da Assembleia Constituinte, que será o órgão responsável para elaborar a carta magna de um Estado.
 
Todas as regras e outras normas de uma nação, tais como, leis, medidas provisórias, regulamentos, resoluções etc., deverão estar de acordo com a Constituição Federal, pois ela dispõe sobre as principais direções para um país. Ao longo da nossa história, e desde o Império, o Brasil já teve sete Constituições, sendo as de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e a de 1988. A nossa Constituição tem 250 artigos, sendo a segunda maior do mundo, ocupando a primeira posição a Índia. 
 Além de ser bem extensa e tratar diversos assuntos, inclusive temas não constitucionais, a Constituição de 88 já teve 125 emendas durante esses 30 anos.

O nosso texto constitucional é extremamente detalhista e também prevê uma infinidade de benefícios e direitos sociais cujo Estado não tem a menor capacidade de prover.

O texto constitucional pode ser alterado através de uma PECproposta de emenda à Constituiçãoconforme veremos adiante; entretanto, as denominadas cláusulas pétreas não podem ser objeto de qualquer modificação, e essas cláusulas estão estabelecidas no artigo 60, § 4º, do texto constitucional, sendo elas: 
1) a forma federativa de Estado; 
2) o voto direto, secreto, universal e periódico; 
3) a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais.

Como exemplo de PEC´s recentes, podemos mencionar a PEC da Previdência, que alterou diversos artigos da Constituição, ou a PEC das domésticas. Nós temos também duas PEC´s importantes que estão pendentes de aprovação, que são a PEC do foro privilegiado (PEC 333/2017), que restringe o Foro Privilegiado; e a PEC da prisão após condenação em 2ª instância (que é a PEC 199/19).

Para que uma PEC seja aprovada, há necessidade de um quorum maior, ou seja, ela necessita de um maior número de votos dos parlamentares para aprovação. Por exemplo, para aprovação de um projeto de lei, é suficiente a aprovação da maioria absoluta em um único turno; mas para aprovação de uma PEC, é necessário uma votação em dois turnos em cada Casa do Congresso Nacional, com aprovação de 3/5 dos parlamentares.

E quem poderia apresentar uma PEC ao Poder Legislativo? 
O número de pessoas é bem mais reduzido em comparação com os habilitados a apresentar um projeto de lei (PL). 
De acordo com a Constituição, podem encaminhar uma PEC ao Congresso Nacional as seguintes pessoas ou órgãos:  
(1) o presidente da República; 
(2) no mínimo 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal (para apresentar um projeto de lei pode ser qualquer deputado ou senador, mas na PEC é diferente, exige-se 1/3 dos deputados ou senadores); 
e (3) mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação. 
A guarda da Constituição, ou seja, a proteção a ela, compete ao Supremo Tribunal Federal; assim, caso seja aprovada uma lei contrária à Constituição, caberá ao STF declarar a inconstitucionalidade da nova norma, a retirando do mundo jurídico.[o STF NÃO TEM PODERES para modificar o texto constitucional - pode anular uma norma que contrarie a Constituição Federal, mas não pode "adequar" o texto da Carta Magna,  a qualquer título ou pretexto,  a uma conveniência.]

Na minha análise, a nossa Constituição deveria tratar de questões puramente constitucionais, como a divisão dos Poderes da República e os direitos e também deveres dos brasileiros, assim, não vejo razão para a nossa Carta Magna tratar de assuntos referentes ao Direito Penal, do Trabalho, Previdenciário e Tributário. 

Penso que o nosso texto constitucional é extremamente detalhista e também prevê uma infinidade de benefícios e direitos sociais cujo Estado não tem a menor capacidade de prover. [um exemplo: tem o artigo 5º que prevê quase 100 direitos para o cidadão, alguns absurdos e outros até cômicos, SEM PREVER UMA ÚNICA OBRIGAÇÃO.
É uma 'porta aberta' para judicializar uma pretensão e alimentar o 'furor legisferante' do Poder Judiciário.]  
Logo, na minha avaliação, os temas específicos acima listados deveriam estar estabelecidos na lei infraconstitucional, ou seja, nos códigos e leis específicas que tratam desses ramos do Direito.

Thaméa Danelon, Procuradora da República (MPF) - Gazeta do Povo - VOZES

 

 

sábado, 29 de outubro de 2022

A desvalorização do processo eleitoral por obra e graça do TSE - Ricardo Velez

Meus Amigos, o país vive, nestes momentos anteriores ao segundo turno da eleição presidencial, um ambiente de deterioração das liberdades civis e políticas, motivado pela autoritária intervenção do TSE, que achou por bem se colocar do lado dos interesses do candidato da oposição, tendo tomado várias decisões lesivas às liberdades cidadãs, com a finalidade de favorecê-lo. 
Ora, essas decisões recaíram sobre veículos de imprensa e, em geral, sobre cidadãos não favoráveis ao candidato mencionado. Vale lembrar, em momentos como este, que o poder delegado pela Constituição e as Leis aos governantes, não é absoluto, mas deve ser pautado pelas Instituições. O Poder Judiciário não pode se erguer como um superpoder sobreposto à República e  à consciência dos brasileiros. Tem de se ajustar à Carta Magna e às exigências morais.
 

[SEDE NABABESCA PARA CONTAR VOTOS A CADA DOIS ANOS]
 
Pareceria, em momentos de autoritarismo como os que estamos vivendo, que a Liberdade é a condição menos natural ao homem e que o despotismo é o clima que melhor responde à sua natureza. Nada mais falso. 
A busca da Liberdade é essencial ao ser humano. 
O despotismo ocorre, portanto, contrariando as tendências naturais do homem orientadas à defesa da sua Vida, Liberdade, Dignidade e Posses. O despotismo ocorre, portanto, contrariando as tendências naturais humanas. Somente vinga ali onde o déspota quer, com mão de ferro, toda a liberdade para si e desconhece esse direito aos demais.
 As decisões recentes do TSE puniram com o silêncio órgãos de imprensa, jornalistas, empresários da mídia e cidadãos que não se identificam com os interesses do candidato ilegalmente favorecido. Empresas de comunicação foram desmonetizadas. 
A tendência de algumas pessoas é a de ficar caladas, para não atrair sobre si a ira dos poderosos de plantão. 
Não. A escalada autoritária tem de parar já. 
Não podemos permitir, nós, brasileiros, abrir mão dos nossos direitos e da nossa Liberdade, por pura conveniência ou por obediência cega a um ditame injusto.

Lembro o que um clássico do Liberalismo, o grande Alexis de Tocqueville (1805-1859) escrevia num momento histórico da França, face à Revolução de 1848, que pretendia implantar na marra o socialismo: "(...) Qual o homem com uma natureza tão baixa que preferiria depender dos caprichos dos seus semelhantes a seguir as leis que ele próprio contribuiu a estabelecer, caso considerasse que a sua nação tinha as virtudes necessárias para fazer bom uso da liberdade? Acho que este homem não existe. Até os déspotas não negam a excelência da Liberdade. Somente que a querem só para eles e sustentam que todos os outros não são dignos dela. Assim não é sobre a opinião que se deve ter sobre a liberdade que existem divergências, e sim sobre a menor ou maior estima em que se tem os homens. E é assim que se pode dizer, a rigor, que o gosto mostrado para o governo absoluto está em relação exata com o desprezo que se tem para com o seu país (...) [ Tocqueville, O Antigo Regime e a Revolução, trad. de Y. Jean, Brasília: UNB / São Paulo: Hucitec, 1989, pp. 95-96].

O jornalista J. R. GUZZO, destacou as consequências negativas que decorrem das últimas medidas tomadas pelo TSE, à luz do arbítrio que se instalou nos altos escalões da Justiça. No artigo intitulado: "Graças ao TSE, o processo eleitoral está irremediavelmente sujo" - [Gazeta do Povo, Curitiba, 20 de outubro de 2022], o articulista frisa:

"?A censura é um câncer e, sendo câncer, pode gerar metástase – a infecção sai do lugar onde começou e começa a invadir, passo por passo, o organismo inteiro. É o que está acontecendo com os atos de repressão do ministro Alexandre Moraes e seus imitadores no Tribunal Superior Eleitoral contra órgãos de imprensa.  
Dia após dia, violam, de maneira cada vez mais maligna, a liberdade de expressão, estabelecida com palavras indiscutíveis na Constituição Federal do Brasil - e proíbem os veículos de comunicação de publicarem qualquer coisa que o ex-presidente Lula, candidato nas eleições do dia 30 de outubro, não quer que seja publicada.  
A primeira agressão foi contra a Gazeta do Povo, censurada pelo TSE por informar, com base em fatos escandalosamente públicos, que Lula e o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, são aliados políticos e admiradores um do outro. Lula acha que isso pode lhe custar votos. Exigiu então que a Gazeta não publicasse nada a esse respeito e foi atendido na hora pelo TSE; sempre é. A partir daí o câncer se espalhou. Acaba de infectar a rádio Jovem Pan, e pelos mesmos motivos: levar ao ar notícias sobre fatos verdadeiros cuja divulgação Lula não admite. A rádio está censurada pelo TSE por falar dos processos e das condenações de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro. É como se não tivesse existido a Lava Jato, ou a sua prisão durante 20 meses em Curitiba, ou a devolução em massa de dinheiro roubado. A Jovem Pan não pode falar nada disso".

A gravidade da situação ensejada com as tortas decisões do TSE foi caracterizada, em termos enérgicos, da seguinte forma: "Nunca se viu numa eleição brasileira, nem mesmo nas eleições consentidas e bem-comportadas feitas durante o AI-5, atos de ditadura como os que estão sendo praticados neste momento pelo alto Poder Judiciário. O processo eleitoral, por conta disso, está irremediavelmente sujo; qualquer que seja o resultado, a dupla STF-TSE conduziu durante toda a campanha um processo de destruição da democracia que não pode mais ser consertado. A autoridade eleitoral abandonou, sem maiores preocupações com aparências, a sua obrigação elementar de ser imparcial (...). Montou-se, aliás, com a colaboração da maior parte da mídia, uma colossal operação de fingimento, através da qual STF-TSE pretendem salvar o Brasil do 'autoritarismo' (...). Nunca se viu numa eleição brasileira, nem mesmo nas eleições consentidas e bem-comportadas feitas durante o AI-5, atos de ditadura como os que estão sendo praticados neste momento pelo alto Poder Judiciário". 

"A metástase transbordou do seu foco inicial" - continua Guzzo -  "não apenas quanto aos órgãos de imprensa perseguidos pelo TSE, mas também em relação aos assuntos censurados. (...). É proibido dizer que Lula foi o mais votado nas penitenciárias. Também não pode dizer que o PT votou contra, na prática, o Auxílio Brasil proposto no Congresso pelo governo – o partido negou o pagamento parcelado dos precatórios, ou dívidas da União não pagas, e é daí que vem o dinheiro para pagar o auxílio. Nem o ex-ministro Marco Aurélio, do próprio Supremo, pode falar. Os ex-colegas proibiram que ele diga que Lula não foi absolvido, em nenhum momento, pelo STF - apenas teve os seus processos penais 'anulados', sem qualquer menção a provas ou fatos, o que não tem absolutamente nada a ver com 'absolvição'. É, em todo o caso, uma interpretação dele como jurista, absolutamente legítima e legal. Mas o ex-ministro foi proibido de falar (...)". E conclui assim o jornalista:  "A ditadura do Judiciário está proibindo dizer a verdade no Brasil".

Texto publicado originalmente no blog do autor.  

O autor é formado em Filosofia (licenciatura, mestrado e doutorado), pesquisa a história das ideias filosóficas e políticas no Brasil e na América Latina, e fez pós-doutorado em Paris sobre as ideias de Alexis de Tocqueville e os liberais doutrinários.


quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Constituição irônica - Todo o poder emana do povo Kkkk - Gazeta do Povo

Vozes - Polzonoff

 O tão criticado ministro Alexandre de Moraes foi o único ao perceber que a Constituição era uma grande ironia. -  Foto: EFE

“Todo o poder emana do povo”, diz a Constituição de 1988 num de seus momentos mais cínicos. Não é o único, infelizmente. Se bem que o constituinte, imbuído da ingenuidade típica daquele tempo, jamais poderia prever que um dia o Supremo Tribunal Federal fosse se transformar nisso que temos hoje. Na casa da mãe Joana, como disse – e foi censurado - o agora deputado federal Deltan Dallagnol.

Uma coisa leva a outra (sempre) e, quando dei por mim, estava aqui pensando que a finada Constituição de 1988 precisa mesmo ser reescrita. Menos nas minúcias e na ideia de um Estado provedor por mim um “CTRL + T” e depois “Delete” davam um jeito nesse problema. Me refiro é à parte, digamos, filosófica da Constituição.

Como essa aí que mencionei logo no começo do texto e que fala que “todo o poder emana do povo”.  
Por que a Constituição tem de insistir nessa mentira? 
Talvez eu respeitasse mais a Carta Magna se ela fosse ao menos sincera. “Todo o poder emana da elite. O povo que engula!” seria bem mais honesto, embora um tanto quanto mal-educado. “Todo o poder emana do STF. Que, modesto, vai dizer que não, imagina!” também ficaria bom. “Todo o poder emana do ministro Alexandre de Moraes. Pelo menos até 2043. Depois vamos ver o que rola” tampouco seria de todo ruim.
 
E piriri e parará. Não! Paremos por aqui nas críticas à Carta Magna. Porque me ocorre agora que talvez tenhamos a primeira Constituição irônica do mundo.  
Nós, os brasileiros da geração Paulo Freire, é que não percebemos. Nesse caso, a edição fica fácil. Sendo o Brasil o país que é, sugiro que seja aberta imediatamente uma licitação para a criação de um símbolo cidadão para essa nobilíssima figura de linguagem chamada Ironia. 
Ou Antífrase - olha só que chique! Se bem que há soluções mais simples e baratas. “Todo o poder emana do povo. Kkkk” já dá conta do recado, não?

É, é isso mesmo! Temos a primeira Constituição irônica do mundo e só Alexandre de Morais foi quem notou
Eu disse que o cara era um gênio! O Temer disse que ele era um ótimo constitucionalista! T
Tem jornalista que diz que ele faz o que faz para defender a democracia! 
O mesmo serve para Cármen Lúcia – que, além de tudo, é uma estilista que saiu por aí derramando fina ironia em todas as decisões “históricas” que proferiu. “Cala-boca já morreu”, disse ela há alguns anos, condenando qualquer forma de censura prévia. Só faltou mesmo o kkkk.
 
Devo, portanto, um pedido de desculpas por todos os textos que escrevi sobre o STF, TSE e quaisquer outras instituições e seus membros cuja compreensão irônica da lei e da realidade eu, em minha estupidez, critiquei. Ou zombei, porque ninguém é de ferro. 
Afinal, todos os itens dos artigos 5º e 220º foram concebido na mais sutil das ironias. Nós é que não percebemos!

Mas, correndo o risco de soar repetitivo e repetitivo e repetivivo e repetivivo, repito que só estamos nessa situação ironicamente constrangedora porque aos constituintes (entre eles, Lula) faltou a astúcia de, ao lado dos artigos mais importantes, incluir um símbolo qualquer que indicasse o caráter galhofesco do texto constitucional. Um asterisco verde-amarelo, talvez. Um kkkk, um hehehe. Ou, vá lá, até uma piscadinha ;-).

“Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Kkkk”. Viu como funciona, Daniel Silveira? “Todos são iguais perante a lei, hehehehe”. Ou, então, meu preferido neste exatíssimo momento: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença ;-)”. 

Paulo Polzonoff Jr., Colunista - Gazeta do Povo - VOZES


terça-feira, 27 de setembro de 2022

Constituição federal brasileira: Carta Magna ou tapete de entrada? - Samir Keedi

Todos nós vivemos sabendo, ou acreditando, que uma Constituição era a Lei maior de um país
Aquela pela qual se guiam todas as demais Leis. 
E, claro, guiando governantes, governados, instituições, etc., para que um país seja governável e considerado civilizado.

Quando se olha para a Constituição dos Estados Unidos da América, cuja independência ocorreu em 1776, se vê que ainda é a única feita por eles. Sofreu algumas alterações, mas, poucas, e permanece única.

O Reino Unido nem tem uma constituição escrita. A sua Constituição é um conjunto de leis e princípios sob o qual o Reino é governado. 
Não é constituído de um único documento constitucional, como é normal. É, muitas vezes, dito que o país tem uma constituição "não escrita"
A maior parte da constituição britânica existe na forma escrita de leis, jurisprudência, tratados e convenções.

E assim devem ou deveriam ser em todos os países. Mas, infelizmente, não é o que tem ocorrido no Brasil, que já teve várias Constituições. Sempre ao bel-prazer de governantes e congresso de plantão. Sempre sujeita a interesses individuais, quando deveria ser sobre interesses gerais, coletivos.

Pode-se dizer que aqui troca-se de Constituição como de camisa. Ou de governante. "Não gostei, vou trocar".

Já tivemos sete Constituições, começando com a de 1824. Depois, seguiram-se as de 1891, de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. Esta de 1988 está em morte lenta, ou já morreu.

No Império tivemos apenas uma, a de 1824. Depois, aos borbotões. A de 1891 foi uma troca justificável, já que houve mudança de sistema de governo, saindo do Império para República. Uma mudança lamentável, agravada também pela forma como se deu, pela tradição brasileira de fake news desde sempre.

Só no século XX tivemos cinco Constituições, sendo que de 1934 a 1946 tivemos três em 12 anos. Provavelmente um recorde mundial. Mais um recorde negativo, no qual somos pródigos.

E, agora, embora não convocada, nem tampouco anunciada ou discutida uma Assembleia Nacional Constituinte, já temos uma nova Constituição desde pelo menos 2016, a oitava. Que vem sendo criada aos poucos.

Todos agora se perguntarão, como assim, que Constituição é essa, quem a criou que ninguém conhece, a não ser este escritor? Infelizmente todos conhecem, aceitaram, estão vivendo por ela, sem praticamente haver qualquer reclamação ou ação.  
A não ser simples reclamação de poucos dos 213 milhões de brasileiros. E, estranhamente, de poucos juristas, o que é, para dizer o mínimo, bem estranho.
 
Foi e está sendo criada pelo STF - Supremo Tribunal Federal, que com o impeachment da Presidente em 2016, começou a reescrever a de 1988. Começou fatiando-a, mantendo os direitos políticos que a Carta Magna, claramente, sem nenhuma possibilidade de interpretação diferente, manda cassar. 
Diferentemente do que ocorreu em 1992, em que o Presidente da época teve seus direitos políticos cassados por oito anos, como determinava a nossa ex-carta magna de 1988. [só que o povo mineiro, em sua sabedoria, cassou a decisão do STF - não elegeu a ex-presidente 
cuja candidatura aquela Corte impôs = não cassando os direitos políticos da escarrada.]

E, desde então, em que o STF se transformou no único poder no Brasil, legislando, executando e, até, nas horas vagas, "judiciando", já temos outra Constituição. E, em certos aspectos, lembrando a do Reino Unido, que não é escrita. Mas, esta, sem valor. [muitas decisões são tomadas na base da "interpretação criativa" o texto constitucional continua o mesmo, só que a interpretação o reescreve virtualmente.]

O STF está legislando a seu bel-prazer, reescrevendo, até por um único "juiz", nem sendo pelo colegiado. Ora um, ora outro. E, pior, que nem são juízes, pois sabemos que dos 11 ministros, apenas um realmente é juiz, tendo sido aprovado em concurso. Os demais, apenas advogados.

E, tudo isso, com o beneplácito do Congresso, que abdicou de seus deveres, amedrontado, em que agora, o que parece importar são apenas os cargo e salário.  
Concordando até com censura e prisões de seus pares, sem respeito pela livre expressão garantida pela Constituição anterior, a de 1988, que a maioria ainda acredita estar em vigor.
 
E esses privilegiados e ungidos, como acreditam, estão céleres, executando, determinando o que a figura maior do país, o Presidente da República, deve fazer ou não fazer. 
E, em prerrogativas exclusivas do presidente, como nomeações, política econômica, redução de impostos, execução da infraestrutura, viagens, reuniões, etc. etc. etc. 
E, também, da mesma forma, com o beneplácito do Congresso, juristas, povo brasileiro, etc. É bem verdade que o Presidente tem culpa. 
Não reagiu, deixou que o STF começasse a mandar, sem se impor, sendo ele a figura maior do País.
 
Assim, quem pode discordar de que há pelo menos seis anos está sendo reescrita esta nova Constituição? 
E apenas por uma ou poucas pessoas, que nem são representativas no país. Não foram eleitas, e cuja missão é única, constitucional, como foi desde 1824 até a Constituição de 1988, agonizando desde 2016. Apenas interpretar e julgar à Constituição.
 
Constituição já foi pisoteada de tudo quanto é maneira, inclusive com meios de comunicação oficiais e pessoais calados.  
Ou seja, a antiga constituição de 1988 e o que resta dela, foi e está sendo tratada como tapete de entrada, em que nela se limpa os pés.

Será que o Brasil acordará algum dia, ou continuará em seu sono profundo iniciado em 1492, ou 1822, ou 1989?

*         O autor é jornalista (editor do blogdosamirkeedi.com.br) e empresário (Ske Consultoria Ltda), titular da cadeira 4 da APH-Academia Paulista de História


sábado, 27 de agosto de 2022

Acredite na velha imprensa, se puder - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Numa série de sabatinas com presidenciáveis, o Jornal Nacional exibiu um “chá das cinco” entre compadres com o ex-presidiário Lula e os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/Reprodução
Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/Reprodução

Há algum tempo tem sido difícil explicar o Brasil para família e amigos na América. Bem, na verdade, tem sido difícil explicar o Brasil até para brasileiros. Os acontecimentos desta última semana, então, transformaram a tarefa em algo impossível. Um ministro da mais alta corte do país, membro do tribunal que deveria salvaguardar a Constituição e aplicar as leis de forma responsável e justa decidiu — mais uma vez — rasgar mais páginas da nossa Carta Magna e ignorar por completo o ordenamento jurídico da República.

Em mais um impulso narcisista e totalmente inconstitucional, Alexandre de Moraes determinou o cumprimento de mandados de busca e apreensão contra um grupo de empresários que apoia o presidente Jair Bolsonaro e que teria defendido um golpe de Estado em caso de vitória de Lula nas eleições.  
A conversa, que poderia ter acontecido numa mesa de bar, aconteceu em mensagens trocadas privadamente em um grupo de WhatsApp. Bem, o capítulo “Alexandre de Moraes” já não é nem mais um mero “capítulo” no imenso livro “Tente Explicar o Brasil” que seria impossível de ser publicado por qualquer membro da Academia Brasileira de Letras. O arrogante e destemperado ministro se tornou uma série inteira à parte.

A semana do “Tente Explicar o Brasil” também trouxe a sequência do caminho — agora livre — de um político corrupto, condenado em três tribunais com “sobra de provas” e preso. O queridinho do STF agora está, oficialmente, em campanha presidencial. Numa série de sabatinas com presidenciáveis, o Jornal Nacional, da Rede Globo, exibiu na quinta-feira um “chá das cinco” entre compadres com o ex-presidiário Luiz Inácio da Silva e os apresentadores [ou interrogadores.] William Bonner e Renata Vasconcellos. O Brasil, estupefato diante de tantas bobagens e mentiras ditas por um ladrão de dinheiro público, teve de ouvir que o “agronegócio é fascista e direitista” e que um movimento que propaga terrorismo doméstico, o MST, defendido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, “está fazendo uma coisa extraordinária: está cuidando de produzir”

Dê uma chegadinha ali às ferramentas de busca e digite “MST/invasão/animais” e veja com os seus próprios olhos a barbárie que esses terroristas promovem em fazendas e laboratórios pelo Brasil. (Aviso: CENAS FORTES!)

A cereja do bolo do happy hourde Lulinha, Billy Bonner e Rê talvez tenha passado despercebida, já que a pérola foi dita logo no começo da rodada. A conversa de bar foi aberta por Bonner, que, ao tentar questionar, cheio de dedos, sobre os escândalos de corrupção dos governos petistas e mencionar o histórico do ex-enjaulado com a Justiça brasileira, finalizou o comentário dizendo: “O senhor não deve nada à Justiça”.

“O senhor não deve nada à Justiça.”

Repitam comigo, amigos: O – senhor – não – deve – nada – à – Justiça.

É de embrulhar o estômago.

Distopia orwelliana
Mas, calma, temos de voltar a fita. Nesta semana, iniciando a série de sabatinas do Jornal Nacional, também tivemos, de maneira bem diferente, o encontro dos apresentadores do Jornal Nacional com Jair Bolsonaro. Apesar do nosso papel e dever como jornalistas de assistir ao que muitos brasileiros preferem não ver — ainda mais se tratando de Rede Globo —, a análise do que podemos chamar de inquisição do atual presidente e do bate-papo com o ex-presidiário deve ser feita como um dever cívico por cada um de nós. Faço um convite a todos, que percam alguns minutos do dia (recomendo um antiácido antes) e testemunhem diante de seus próprios olhos o que poderia ter saído, tranquilamente, das páginas de uma distopia orwelliana.
 
Entre caras, bocas, risinhos sarcásticos e verdadeiros editoriais dos apresentadores daquele que já foi considerado o programa de notícias mais relevante do país, Renata Vasconcellos usou as seguintes palavras para questionar o atual presidente sobre algo na pandemia: “(…) Medidas socioeconômicas importantíssimas, elas foram adotadas (…) para sustentar o ‘fica em casa’ no pico da pandemia — ‘fica em casa, se puder’”. Com dedinho levantado e ênfase no “se puder.”

“Fica em casa, se puder.”

Fica – em – casa – se – puder. Amigos, amigos…

No mundo da Oceania de 1984, não há mais um senso de devido processo legal, investigação, respeito ao sistema acusatório e muito menos uma presunção de inocência até que se prove a culpa

Ou eu dormi durante dois anos e só acordei agora, ou nunca ouvi esse “se puder”. Para todos os efeitos de justiça com a Renata e seu (err) jornalismo, fiz uma boa busca na internet e não encontrei nenhum registro da expressão “fica em casa, se puder”. Encontrei dezenas e dezenas de artistas, celebridades, jornalistas inclusive a D. Renata Vasconcellos! — bradando o famigerado “Fique em casa!”, “Fique em casa!”, “Fique em casa”… quase que em um transe coletivo.

Um vídeo que viralizou durante o FIQUE EM CASA, sem o SE PUDER, Dona Renata, foi mostrado no programa Profissão Repórter, da emissora em que a senhora trabalha. 

Enquanto jornalistas podiam trabalhar acompanhando a fiscalização de prefeituras que mandavam seus agentes da Gestapo fecharem comércios e multarem quem estivesse aberto, comerciantes entravam em desespero enquanto jornazistas de várias emissoras apontavam o dedo para aqueles que ousassem, por pura necessidade, trabalhar para sustentar a família. Quando as viaturas chegavam, os repórteres que alimentavam os noticiários apresentados por jornalistas que liam os TelePrompTers com caras, bocas e expressões no melhor estilo “que horror, você saiu de casa para trabalhar!” ainda tinham a desfaçatez de culpar comerciantes, lojistas, barraqueiros, vigias… Pais de família que simplesmente “não podiam” ficar em casa imploravam para não serem multados ou presos. Nos mesmos noticiários, famílias sem ter o que comer e crianças há meses sem ir à escola eram mostradas.

Para não dar o braço a torcer para o que o presidente Jair Bolsonaro no Brasil e Donald Trump, nos EUA, alertavam de que não seria prudente trancar tudo e a economia “a gente vê depois”, Renata Vasconcellos decidiu acrescentar um “se puder” em uma frase que — nem de longe — implicava algum tipo de escolha ou opção para cidadãos do Brasil e do mundo. 
Quem não se lembra de outra colega de Renata e Bonner, a apresentadora Maju Coutinho, que, depois de dizer uma das maiores mentiras da pandemia, a de que os especialistas eram unânimes em forçar o lockdown, proferiu naturalmente, mostrando uma insensibilidade inacreditável diante de tanto sofrimento, o famoso o clichêo choro é livre”
Enquanto os mais necessitados, os mais pobres e vulneráveis iam sendo afetados de maneira cruel a cada dia de trancamento forçado, com direito a truculência policial encampada por governadores tiranos, Dona Maju, Dona Renata e toda uma turba de jacobinos globais continuavam trabalhando de estúdios com ar refrigerado ou em home offices enquanto postavam em suas redes sociais “Fique em casa”. Muitos ainda acrescentaram ao mantra “a economia a gente vê depois”.

As imagens de pânico, lágrimas e desespero por não poder trabalhar e trazer comida para casa estão espalhadas por toda a internet. Postei em meu Instagram, logo após o “se puder” global, um vídeo curto, de quatro minutos apenas, com algumas cenas para refrescar a memória da Dona Renata Vasconcellos. 
Gôndolas de supermercados foram bloqueadas, o Estado policialesco decidiu por todos muitos o que eram “itens necessários” que podiam ser comprados. A prefeitura de São Paulo soldou portas de lojas para impedir sua abertura. Trabalhadores ambulantes com carrocinhas de pipoca ou barraquinhas de frutas tiveram seus carrinhos virados por policiais, espalhando tudo no chão. Enquanto ônibus, metrôs e trens permaneciam lotados nas grandes cidades, uma mulher foi espancada e outra algemada nas praias desertas do Rio de Janeiro. Em Araraquara, interior de São Paulo, outra mulher que corria em um parque também deserto da cidade foi abordada pela polícia, recebeu voz de prisão, foi imobilizada por quatro homens e algemada. 
Um deles repetia com calma enquanto ela gritava que não conseguia respirar porque alguém estava lhe aplicando um “mata-leão”: “Não resista. Fique calma e não resista”. SE PUDER, claro.

Nesta semana, nos Estados Unidos, Anthony Fauci, o nome da pandemia na América, o deus da velha imprensa ianque, anunciou sua aposentadoria da vida pública após sua liderança na pandemia permanecer sob forte escrutínio e cheia de controvérsias. Quando o vírus chinês atingiu os Estados Unidos, Dr. Fauci rapidamente se tornou um nome familiar e seu rosto estava em todos os canais de TV 24 horas por dia, sete dias na semana. 
Suas recomendações foram tratadas como evangelho por muitos. Mas, à medida que os efeitos de longo prazo de políticas como máscaras, vacinação experimental compulsória e os efeitos do lockdown vinham à tona, os críticos e a população em geral se encheram de perguntas, e o santo Fauci não gostou de ser questionado. Coisa de ministro de corte suprema tupiniquim.

Na terça-feira dia 23, Fauci foi entrevistado por Neil Cavuto na Fox News, e o âncora da emissora fez perguntas incômodas àquele que é acusado pelos republicanos de ter colaborado com a disseminação do vírus chinês por financiar pesquisas de ganhos de função no laboratório de Wuhan. Na China. Cavuto perguntou: “Olhando para trás em algumas dessas decisões, incluindo a gravidade da própria epidemia, mas fechando praticamente toda a economia norte-americana, você se arrepende particularmente desse passo?”. Fauci, assim como Renata Vasconcellos e William Bonner, diz, como quem está numa realidade paralela — ou alguém que simplesmente quer reescrever a história — que “é preciso deixar bem claro para os telespectadores, para que eles entendam que eu (Fauci) não fechei nada e que não acredito que os lockdowns causaram danos irreparáveis a qualquer pessoa. Se voltarmos, basta ver que queríamos apenas achatar a curva naqueles 15 dias.”

Cavuto, um experiente e intelectualmente honesto jornalista, interrompe aquele que causou graves danos a futuras gerações e dispara: “Mas o senhor não acha que tudo foi longe demais? Quaisquer que tenham sido suas intenções iniciais, o senhor não acredita que tudo passou dos limites, especialmente para as crianças, que não puderam ir para as escolas, e que isso poderá trazer um dano permanente?”. O que o personagem favorito de veículos como o The New York Time e Washington Post disse? “Não acho que haverá dano permanente. Não acredito que prejudicamos alguém, e acho que, se você voltar e puxar coisas sobre mim, eu também fui uma das pessoas que disseram que tínhamos de fazer tudo o que podíamos para trazer as crianças de volta à escola. Sempre disse que era muito importante protegermos as crianças dos efeitos colaterais de mantê-las fora da escola.”

Lendo tudo isso, seu sangue ferve como o meu? O que essa gente, William, Renata, Fauci, pensa que somos? Idiotas? Burros? Que temos amnésia?

Há mais de um ano, em agosto de 2021, escrevi aqui em Oeste um artigo com o título “Ciência, ciência, silêncio”. Naquele momento, a pandemia havia sido controlada nos Estados Unidos, país que já havia vacinado mais de 165 milhões de pessoas. 
Alguns Estados com administrações republicanas, como a Flórida, por exemplo, nem sequer fecharam completamente suas escolas — mesmo em 2020 —, e os números de contágio e mortes não foram superiores aos de Estados que trancaram tudo por mais de um ano, como a Califórnia. Ali, já deveríamos estar voltando à vida normal, o próprio Fauci prometeu que seria um pouco de lockdown, achatar a curva, máscaras por um tempo e estaríamos de volta. Havia, desde outubro de 2020, um manifesto elaborado por especialistas de Harvard, Oxford e Stanford — a Declaração de Barrington — que já revelava que lockdowns totais seriam nefastos não apenas para a economia, mas para as pessoas, sua saúde física e mental; e que o correto seria segregar os mais velhos, doentes e com comorbidades. 
Mesmo com mais da metade da população vacinada, no Brasil e nos EUA, eles continuaram exigindo mais máscaras, mais trancamentos, mais ensino remoto, mais estabelecimentos, escolas, parques, bares… fechados.

“Fique em casa, seu fascista!”
Um estudo recente do Brookings Institute mostrou que as diferenças nas pontuações dos testes entre os alunos das escolas primárias de baixa e alta pobreza cresceram 20% em matemática e 15% em leitura durante as paralisações da pandemia. Muitas crianças no Brasil foram trancadas em casa com seus abusadores, sem alimentação nem ensino básico. Desde os lockdowns, o CDC documentou um aumento de 51% nas tentativas de suicídio entre adolescentes. De acordo com a UCLA, a taxa de mortes por overdose de adolescentes quase dobrou. Há outras dezenas de pesquisas do mesmo gênero espalhadas pelo mundo. Toda a tirania do “Fique em casa, seu fascista!” está amplamente documentada para que figuras como o trio Bonner, Vasconcellos e Fauci jamais tenha a possibilidade de tentar editar o que fizeram, o que falaram, o que apoiaram e o monstro que alimentaram que devorou os mais vulneráveis. As cidades pareciam cidades fantasmas. Jamais esquecerei a entrevista que o prefeito de Aparecida concedeu ao programa Os Pingos nos Is. Com lágrimas nos olhos, Luiz Carlos Siqueira pedia doações de alimentos, agradecia a ajuda do governo federal e relatava que não conseguia retorno da gestão do governador de São Paulo e que a população estava faminta, sem dinheiro, sem trabalho e sem esperanças com o lockdown imposto pelo governador João Doria.

Distorções e mentiras são estratégias protagonistas no famoso 1984, romance de George Orwell. As palavras de Orwell, publicadas em 1949, aumentaram em popularidade nos últimos anos não apenas porque as sociedades modernas estão se tornando cada vez mais parecidas com o que foi descrito na obra fictícia do autor, seja na vigilância em massa seja na guerra cultural perpétua. O romance de Orwell é presciente de várias maneiras, e o livro costura os sintomas da atual sociedade com um tipo de totalitarismo — pregado de forma sistemática por Alexandre de Moraes. Chega a ser assustador ler sobre o Ministério da Verdade da distopia de Orwell, escrita há mais de 70 anos, como se ela profetizasse os atuais tempos. No mundo da Oceania de 1984, não há mais um senso de devido processo legal, investigação, respeito ao sistema acusatório e muito menos uma presunção de inocência até que se prove a culpa. Em vez disso, a ideologia arregimentada — a supremacia do poder do Estado para controlar todos os aspectos da vida de alguém para impor uma ideia fossilizada de qualidade obrigatória — distorce tudo, desde o uso da linguagem até a vida privada.

É também do mundo irreal criado por Orwell que personagens da vida real tiram as distorções e as falácias de quem errou feio e agora tenta editar a história. No livro, mais atual do que nunca, a passagem seguinte chega a ser assustadoramente similar com a atualidade: “Todos os registros foram destruídos ou falsificados, todos os livros reescritos, todos os quadros foram repintados, todas as estátuas e prédios de rua foram renomeados, todas as datas foram alteradas. E o processo continua dia a dia e minuto a minuto. A história parou. Nada existe a não ser um presente sem fim no qual o Partido tem sempre razão. Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado”.

A diferença entre a Oceania, o Brasil ou os Estados Unidos é que agora temos uma coisinha incômoda que Orwell não imaginou. A internet. Para aqueles que tentam — e tentarão, sempre —, seja em debates seja no noticiário, reescrever a história, será um pouco mais complicado realizar essas edições.

Para William Bonner: Lula não está limpo e não está em dia com a justiça. Ele não passa de um descondenado por manobras ativistas, mas jamais foi inocentado. Para Renata Vasconcellos: nunca houve “SE PUDER”, Renata. Nunca. E vocês não reescreverão a história.

Leia também “Temporada de caça às bruxas”

 

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste