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domingo, 28 de junho de 2020

Ou a lei vale para todos e por igual, durante o tempo todo, ou não existe - J.R. Guzzo

‘Excepcional’







O ministro Alexandre de Moraes, que comanda há 15 meses uma investigação ilegal, ilícita e inédita na história jurídica e política do País, disse há pouco, em mais uma das aulas de doutrina que vem dando sobre quais os direitos o cidadão tem ou não tem neste novo Brasil governado pelos 11 juízes do STF, que as garantias individuais estabelecidas na Constituição não valem para todos. Em seu modo de aplicar a lei, direitos fundamentais podem ser anulados em caráter “excepcional” – como ocorre, por exemplo, com o seu inquérito para apurar o que considera ameaças para a democracia. Onde está escrito isso? Como alguém pode saber se aquilo que faz está sob a proteção da lei ou se é um caso “excepcional”? Quem está autorizado a suspender os direitos dos acusados de algum delito? Não há resposta para nada disso.




O que se sabe, com certeza, é que a violação dos direitos à liberdade, ao julgamento público ou à livre expressão, como está acontecendo nos arrastões do ministro Moraes, agride diretamente o estado de direito. Se a autoridade pública dá a si própria o poder de suspender as garantias legais deste ou daquele cidadão, nos casos em que achar isso necessário para “o bem comum”, a lei passa a não valer nada – ou vale para todos e por igual, durante o tempo todo, ou não existe. Na vida real, quando se deixa de lado o que está sendo dito e se passa ao que está sendo feito, o fato que fica realmente claro é o seguinte: nesta história toda, até agora, as únicas ofensas comprovadas à democracia foram praticadas pelo STF.
Em 15 meses de diligências, o inquérito secreto do ministro Moraes não conseguiu descobrir nada que possa ser considerado minimamente sério contra os investigados – cuja situação legal, até hoje, continua ignorada por seus próprios advogados. (Indiciados eles não são, pois não foram acusados de crime nenhum pelo Ministério Público – que nem sequer participa do caso. Também não são réus, pois não há processo nenhum contra eles. Suspeitos, talvez? O STF não informa.) O fato é que todo esse vendaval não descobriu até agora a mais remota prova de uma conspiração objetiva contra as instituições, ou indícios de alguma atividade de guerrilha, ou sinais de treinamento paramilitar, ou um esconderijo de armas – o máximo que se conseguiu, ao que parece, foram uns rojões de São João que, aliás, nunca estiveram escondidos. Tudo o que se descobriu em relação aos suspeitos é o monte de disparates que, segundo dizem, gostariam de fazer um dia – mais nada, realmente. Que raio de situação “excepcional” é essa?

A única resposta correta para os crimes cometidos contra a democracia, ou quaisquer outros, é investigar, processar e punir os culpados dentro do que a lei determina. No Brasil de hoje, a resposta dada pelo STF é suspender os direitos do acusado – em “caráter excepcional”, como quer o ministro Moraes. Em vez de aplicar a lei, os defensores das instituições acham que se deve suprimir as garantias constitucionais de quem promove manifestações de rua e outros atos “antidemocráticos”, ou cassar o direito que têm à livre manifestação do seu pensamento. É um desastre para a verdadeira democracia no Brasil, silencioso e em câmera lenta, que se admita a violação da lei para cumprir a lei – ou que se entregue a 11 indivíduos o direito de escolher o que é “o melhor para todos”.

O Congresso, que silencia diante da agressão aos direitos dos parlamentares, a maioria da mídia e a elite intelectual se aliaram, ativamente ou pela omissão, ao surto antidemocrático do Supremo. Enquanto for assim, o “bem comum” será aquilo que os ministros disserem que é.

J.R Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo