Moradores de Copacabana agridem adolescentes em via do bairro e jovens que seguiam em ônibus
Policiais militares evitaram que jovens fossem linchados por moradores do bairro
Avenida Nossa Senhora de Copacabana, 16h de domingo. Um grupo de
pelo menos dez pessoas, que seria formado por moradores da região, cerca
um ônibus que está voltando da praia. Eles quebram a socos os vidros do
coletivo para agredir jovens que estão lá dentro. Tumulto, correria.
Policiais chegam, dispersam a confusão e evitam um linchamento. Depois
de um sábado de medo, com arrastão em ruas da Zona Sul, foi assim que
terminou o fim de semana no bairro mais famoso do Rio. Diante de um
dilema da cidade, sobre como enfrentar a violência nas praias e no seu
entorno garantindo a todos o direito ao lazer, o capítulo de domingo foi
de novas cenas tristes: mais assaltos nas areias e pessoas tentando
fazer justiça com as próprias mãos. [a polícia só é eficiente na hora de livrar a cara do bandido.]
O ônibus da linha 474 (Jacaré-Jardim de Alah) estava lotado quando um
grupo de cerca de dez homens abordou o veículo. Vidros do ônibus foram
quebrados. Mais pessoas apareceram para atacar quem saía da praia. Quem
estava dentro do coletivo, em desespero, quebrou uma das janela e pulou.
Acionados, PMs com armas em punho protegeram os passageiros que eram
ameaçados a todo instante. Ninguém foi preso, mas a Polícia Civil
informou que vai investigar os responsáveis pela agressão.
Os homens que abordaram o ônibus, todos fortes, usando bermudas,
camisetas e tênis, perseguiram os passageiros que conseguiram fugir pela
janela. Vídeos feitos por moradores de prédios vizinhos, que mostram
jovens sendo espancados, ganharam as redes sociais.
— Abre a porta, abre a porta, motorista! Só tem ladrão. Vamos dar
porrada. Fotografa eles, só tem ladrão — dizia um deles, enquanto
espancava um adolescente, chutado várias vezes.
AÇÃO TERIA SIDO PLANEJADA EM REDES SOCIAIS
A
reação, aparentemente, não foi espontânea. Ela teria sido planejada
pelas redes sociais. Numa página que reúne moradores de Copacabana,
alguns comemoraram o ataque aos jovens. Um internauta chegou a escrever
que a ação teria sido organizada por WhatsApp. “Polícia não faz nada. Os
justiceiros fazem! Meus aplausos”, comentou um internauta no grupo,
apoiado por outros seguidores da página. “Só assim temos alguma chance
de mudar”, “Meus aplausos, meu agradecimento e meu ‘muito obrigada’”.
— Começou um barulho que parecia até de tiro e muita gente começou a
correr. Foram chegando muitos carros de polícia, com sirene ligada e,
como moro perto da Nossa Senhora de Copacabana, desci para ver. Só dava
para ouvir as pessoas gritando, correndo, umas diziam que estava tendo
um arrastão. Parece que já tinha um grupo perseguindo o ônibus, não
consegui identificar se queriam pegar alguém específico ou se era contra
um grupo — contou um morador.
O professor Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da
Uerj, disse que a sociedade precisa reagir imediatamente contra esse
tipo de movimento de reação com violência. — A praia é o último espaço democrático da nossa cidade. Preservar
essa convivência é essencial para o Rio. Não é apenas um desafio, é uma
obrigação de todos. Se existe um grupo perseguindo outro, seja porque é
negro, porque é pobre, porque pensa diferente, é preciso impedir.
Em nota, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, informou
que está sendo cumprida a ordem judicial, após ação impetrada pela
Defensoria Pública, que proíbe a PM de abordar e apreender jovens que
não estejam cometendo ato infracional: “Ordem judicial se cumpre. A
Polícia Militar perdeu a prerrogativa da prevenção. Só pode agir depois
do ocorrido”.
O advogado Breno Melaragno, presidente da Comissão de Segurança
Pública da OAB, disse que a questão precisa ser conduzida na legalidade: — A secretaria (de Segurança) vem repetindo que o problema não é só
uma questão de polícia, mas de todos nós. É de todos e também da
polícia. Mas sempre dentro da legalidade. Se a polícia aborda um ônibus e
não há flagrante delito, não há como conduzir uma pessoa para a
delegacia. Revistar é é uma atitude legal, mas se não há crime, ninguém
pode ser preso e conduzido para a delegacia.
As cenas de violência ontem começaram cedo nas areias. Nem o reforço
de mais 190 PMs no Arpoador e em Ipanema foi suficiente para impedir
roubos a banhistas. Uma equipe do GLOBO flagrou três assaltos em pouco
mais de meia hora no trecho entre os postos 7 e 8. O bancário Jerônimo
Oliveira, que veio de Rio das Ostras para visitar a família no Rio,
passeava com um amigo no calçadão, próximo ao Parque Garota de Ipanema,
quando teve o cordão e o celular roubados. Ele foi cercado e agredido. — Eu estava indo comprar algo para beber e, de repente, senti puxarem
meu cordão. Automaticamente eu virei para trás e aí fui derrubado. Eram
mais de dez em cima de mim, me batendo e enfiando aos mãos nos meus
bolsos. Quando eu consegui levantar, eles sumiram rapidamente — contou.
O casal Edith Rodrigues Leal e Alan de Souza, moradores de Nilópolis,
também foi assaltado por um adolescente, por volta das 15h, enquanto
caminhava à beira-mar.— Eu tinha acabado de fazer uma foto nossa e guardei o celular no
bolso. Logo depois senti alguém puxando e quando virei olhei o rosto
dele. Começamos a correr atrás do garoto e por alguns instantes ele
sumiu. Depois a polícia já tinha chegado e o vimos novamente. O policial
me perguntou se eu o reconheceria, disse que sim, e ele foi preso —
lembrou Edith.
O rapaz era menor de idade e foi levado para a 14ª DP (Leblon), onde
foi reconhecido pelas vítimas. Na delegacia, houve fila para registros
de ocorrência de furtos e roubos, na tarde de ontem. No fim do dia,
outros quatro menores foram apreendidos no Túnel Novo, que liga Botafogo
a Copacabana, mas acabaram liberados.
Presidente da Associação de Moradores de Ipanema, Maria Amélia Fernandes Loureiro, disse que a violência na praia é recorrente. — Na minha opinião, isso não é um problema apenas da polícia, mas uma
questão que deveria ser discutida por toda sociedade — afirmou.
No sábado, um vendedor de flores foi baleado em Botafogo e dezenas de
pessoas foram vítimas de um arrastão feito por um grupo que tinha
acabado de sair da praia. Vinte jovens foram detidos, mas todos acabaram
liberados porque nenhuma vítima reconheceu o suspeito. Regina
Chiaradia, presidente da Associação de Moradores de Botafogo, contou que
nunca tinha visto situação parecida.
— Foi algo inédito. Foi assustador. Recebi relatos de vários
moradores. Eles roubavam tudo e todos. Atacaram postos de gasolina,
supermercados e lojas. A gente sempre ouvia falar de arrastão na praia,
mas nas ruas de dentro dos bairros, como aconteceu ontem (sábado) foi a
primeira vez — contou Chiaradia.
O coronel Luiz Henrique Marinho Pires, comandante do 1ª Companhia de
Policiamento de Área, disse que o policiamento nas praias foi reforçado,
mas que ainda não há data para começar a Operação Verão.
Fonte: O Globo