A voz do povo
O Brasil é o único país
da galáxia no qual apuração secreta é coisa democrática e exigir recontagem de votos é antidemocrático. O tom de aparente
sinceridade, até de inocência, com que tantas pessoas consideradas cultas
enunciam esses julgamentos mostra que os últimos vestígios de educação política
desapareceram do cérebro nacional. Só a educação política? Não. A racionalidade
em geral. A total insensatez tornou-se critério de normalidade.
Carl
Schmitt, o desafortunado filósofo que meio involuntariamente ajudou a formular
os planos do Estado nazista, definia a política como aquele campo da atividade humana no qual nenhuma resposta racional
às dúvidas é possível e onde, portanto, só o que resta é reunir os "amigos" contra os "inimigos".
Há
muitas situações que são incontornavelmente políticas, nesse sentido. Uma
eleição é o exemplo mais típico. É
impossível provar racionalmente que X será melhor ou pior governante que Y.
Pode-se conjeturar o futuro em termos de probabilidade razoável, mas nem todos
os melhores cálculos probabilísticos do mundo, somados, poderão jamais eliminar
a sua própria margem de erro e provar racionalmente que ninguém deve apostar
nela. A decisão, portanto, é política em sentido estrito.
Apuração de votos, no entanto, não é uma questão política
de maneira alguma. É uma questão de aritmética e de verificação idônea.
Também
não é de maneira alguma uma tomada de posição política afirmar que uma apuração secreta, inacessível a qualquer averiguação popular
ou recontagem de votos, é uma
aberração autoritária incompatível com a ideia de “democracia”, mesmo tomada
na sua acepção mais elástica. É uma questão de lógica, de pura comparação
de conceitos.
E
não é uma questão política saber o sentido da palavra “democracia”. É uma
questão de consulta ao dicionário. Democracia
sem transparência, democracia onde todo mundo é obrigado a aceitar, sem questionamentos, a palavra de um funcionário estatal altamente suspeito de parcialidade
e o parecer
técnico de uma empresa já mil vezes acusada de fraude, não é democracia em nenhum sentido identificável da
palavra. No entanto,
todo o establishment político e midiático deste país, todas as mentes
iluminadas e pessoas maravilhosas repetem que é, e chamam de “extremista de direita” quem insista em exigir eleições limpas, com apuração controlada pelo
povo.
Quem é extremista, nós ou o beautiful people que quer nos fazer
engolir essa politização forçada, esse schmittianismo psicótico? O simples fato de que respondam com uma rotulação ideológica
pejorativa a uma afirmação auto-evidente já mostra que querem transferir a
discussão do campo da razão para o da guerra política nua e crua. Não querem
saber se você diz a verdade. Só o que lhes interessa é se você está no grupo
dos “amigos” ou dos “inimigos”. E no mesmo instante em que
fazem isso têm ainda a cara de pau de discursar contra o “fanatismo” e a “radicalização”.
Apuração secreta é fraude. É fraude em si mesma,
independentemente de pequenas fraudes pontuais que possam ocorrer também. É
fraude e é a negação ostensiva de todo princípio democrático. Não podemos
aceitar essa imposição de maneira alguma, quer venha do governo, da mídia
chique ou de uma oposição vendida, frouxa e cúmplice.
Muito
menos é uma questão política saber se
o Foro de São
Paulo é ou não é a maior e mais poderosa organização política que
já existiu no continente, se nele se irmanam ou não se irmanam partidos legais com
organizações criminosas, se nele os destinos das nações são ou não são decididos em segredo, pelas costas
dos povos. Tudo
isso é fato tão bem documentado que até os mais fiéis e destacados membros
dessa organização o confessam. O sr. Lula em primeiro lugar.
Mas,
para os nossos políticos que se dizem “de
oposição”, falar disso é “extremismo
de direita”. São eles que politizam tudo, são eles que fogem do campo dos
fatos verificáveis para o dos carimbos ideológicos. E, no entanto, os
extremistas somos nós. Continua vigorando, com total e
unânime aprovação da classe política, o
acordo que segundo o sr. Fernando Henrique Cardoso existe entre o seu partido e o PT: Nada de divergências ideológicas ou
estratégicas, apenas disputa de cargos, donde a redução do confronto partidário a dois itens : corrupção e má administração. Isso é
disputa de prefeitura do interior. É rebaixamento da República brasileira à
condição de papagaio amestrado, que só diz o que o dono manda.
Por mais "dura"
que seja a oposição prometida por quem se autonomeia opositor no Congresso Nacional, enquanto ela se limitar a
questões de incompetência administrativa e roubo, sem
mencionar o maior dos crimes, que é o Foro de São Paulo, continuará subserviente
ao pacto de contornar divergências ideológicas.
É esse tipo de mordaça
anestésica que o povo não suporta mais. É por isso que, saltando por cima dos representantes que se
recusam a representá-lo, hoje ele sai às ruas para dizer o que eles não querem
que ninguém diga. Pois agora vão ter de
ouvi-lo e segui-lo, ou ficar para trás e ser jogados na lata de lixo do
esquecimento.
http://olavodecarvalho.org