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sábado, 8 de julho de 2023

Como Arthur Lira escapou das mãos de Barroso e suspendeu investigação no STF - O Globo

Enquanto preparava o terreno para a votação histórica da reforma tributária, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), obteve outra vitória, mais particular, no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Gilmar Mendes atendeu a um pedido de Lira e suspendeu, na última quinta-feira (6) as investigações na primeira instância relativas à Operação Hefesto, que mira um ex-assessor do parlamentar.

O caso chegou ao gabinete de Gilmar Mendes na última terça-feira (4), após Lira conseguir escapar, literalmente, das “mãos” do ministro Luís Roberto Barroso por duas vezes.

Gilmar e Barroso têm posições diametralmente opostas na área criminal, sendo expoentes de duas alas do STF que se chocaram ao longo dos últimos anos, especialmente em julgamentos da Lava-Jato.

De um lado, Gilmar é conhecido por ser um ministro da ala garantista, mais sensível a acolher argumentos da defesa – e mais crítico aos métodos de investigação da Lava-Jato. Barroso, por outro lado, integra a ala legalista, e é defensor da aplicação dura da lei e mais entusiasta dos resultados obtidos pela operação de Curitiba.

O recesso do Judiciário, o esquema de rodízio na presidência do Supremo neste mês de um julho e a estratégia jurídica de um parlamentar apoiador de Lira contribuíram para que o pedido do presidente da Câmara que resultou na suspensão das investigações acabasse não nas mãos de Barroso, e sim no gabinete de Gilmar Mendes.

Ao dar a liminar, Gilmar Mendes acolheu o argumento da defesa de Lira de que há indícios de que foi usurpada a competência do STF para supervisionar o caso, já que o inquérito que apura o desvio de R$ 8 milhões na compra de kits de robótica para escolas de Alagoas com dinheiro do orçamento secreto cita autoridades com foro privilegiado. '

Mas antes do pedido de Lira, o deputado federal Gilvan Máximo (Republicanos-DF), mencionado nas investigações, já havia acionado o Supremo com argumentos semelhantes, também contestando a competência da Justiça Federal de Alagoas de tocar o caso.

Em junho, Gilvan entrou com uma reclamação no Supremo contra o inquérito alagoano, que acabou sendo distribuída – em sorteio eletrônico do qual participaram os demais magistrados da Corte para Barroso.

A “escolha” do algoritmo do STF colocou em alerta o meio político, já que, ao definir Barroso como relator do pedido de Gilvan, havia o risco concreto de o ministro se tornar “prevento” para os demais pedidos relacionados à investigação de Alagoas.

O deputado federal havia pedido ao STF para invalidar a busca e apreensão “com o descarte do material indevidamente apreendido”. Barroso entendeu não ser o caso de concessão da medida liminar sem ter mais informações do Ministério Público. Gilvan acabou desistindo da ação, antes mesmo que o ministro examinasse a fundo o mérito da questão.

Na prática, a desistência do deputado, com o arquivamento da ação, afastou o que os alvos da investigação mais temiam: o “risco Barroso”, ou seja, que os casos relacionados ao inquérito do kit robótica fossem encaminhados por prevenção para o ministro “linha dura” do STF.

Em julho, foi a vez do próprio Arthur Lira acionar o Supremo, com argumentos similares aos de Gilvan Máximo – mas desta vez apresentados ao tribunal em pleno recesso do Judiciário. As duas ações chegaram ao Supremo sob “segredo de Justiça”.

Lira recorreu ao STF no último dia 4, quando a Corte já estava em plantão – e Barroso chefiava os trabalhos interinamente, em esquema de rodízio com a presidente, Rosa Weber. Na prática, por estar ocupando a presidência interina, Barroso ficou excluído da distribuição da ação de Lira, já que, por questões regimentais, o presidente da Corte não recebe esse tipo de processo.

E como o processo de Gilvan Máximo já havia sido arquivado, não havia mais justificativa para tornar Barroso prevento às investigações de Alagoas. O algoritmo do STF, em um novo sorteio, escolheu Gilmar Mendes para ser o relator do pedido de Lira – e o “ministro garantista”, que está trabalhando em pleno recesso, deu a liminar.

A própria defesa de Lira queria que a ação fosse encaminhada “por prevenção” para Gilmar Mendes, alegando que o ministro havia cuidado de um caso envolvendo tese semelhante sobre prerrogativa de foro, ainda que não girasse em torno do presidente da Câmara.

Na chefia interina do plantão, Barroso entendeu não haver prevenção para o colega e determinou que fosse feito o sorteio eletrônico da ação de Lira contra a investigação do kit robótica. Isso porque cabe ao presidente da Corte determinar a distribuição dos processos e verificar se há ou não prevenção, por exemplo.

Ainda assim, Gilmar acabou sendo definido o relator, não por prevenção como queria a defesa de Lira, mas por sorteio como quis o sistema eletrônico do STF. Ou seja, por caminhos diferentes, o algoritmo acabou atendendo ao pedido de Lira e selou o destino do presidente da Câmara.

Na última semana, Lira, Gilmar e Barroso estiveram juntos no Fórum Jurídico de Lisboa, evento organizado pelo IDP, instituição ligada a Gilmar, na capital portuguesa. O presidente da Câmara foi um dos palestrantes -- na ocasião, destacou a atuação do Congresso na aprovação da agenda de reformas.

De acordo com os investigadores, os kits de robótica teriam sido adquiridos com verba de emendas parlamentares do orçamento secreto, beneficiando uma única empresa fornecedora, Megalic, cujo dono, Edmar Catunda, é aliado de Lira. O inquérito apontou que os crimes teriam ocorrido entre 2019 e 2022, durante a realização de processos licitatórios, adesões a atas de registro de preços e celebrações contratuais relacionadas ao fornecimento dos equipamentos.

Procurado pela equipe da coluna, Gilvan Máximo não se manifestou. A defesa de Lira alegou que não comenta o caso porque a investigação está sob sigilo. Esta não é a primeira vez que o “fator tempo” e as dinâmicas internas de um tribunal culminam com um resultado favorável a Lira.

No ano passado, um processo que impactava diretamente a sobrevivência política do presidente da Câmara mudou de mãos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e caiu no colo do ministro alagoano Humberto Martins, que já havia chamado o parlamentar de “meu querido amigo e conterrâneo”.

O caso estava com Og Fernandes, que deixou o acervo para Martins após assumir a vice-presidência do STJ. Ao receber o processo, Martins arquivou a condenação de Lira pela Justiça de Alagoas por improbidade administrativa.

Procurado pela equipe da coluna, Gilvan Máximo não se manifestou. A defesa de Lira informou que não comenta a ofensiva jurídica no STF porque a investigação está sob sigilo.

Coluna Malu Gaspar - Rafael Moraes Moura - O Globo