Temer busca alternativas para o dia seguinte à saída do Planalto. No 1º de janeiro seus interesses se fundem com os de Lula, Dilma e de outros 552 denunciados na Lava-Jato
Michel
Temer atravessou a maior parte dos seus 77 anos de vida dedicado a uma discreta
sobrevivência na atividade política. Nas últimas 32 semanas, porém, revelou-se
exuberante protagonista em meia dúzia de devassas judiciais — um caso de
corrupção nas páginas do Diário da Justiça a cada 35 dias, na média dos últimos
oito meses.
Entre as
múltiplas suspeitas, destacam-se:
1)
Integrar um grupo, com outros 11 da cúpula do PMDB, acusado de tomar dinheiro
de empresários em troca de privilégios em negócios com Petrobras, Furnas e
Caixa;
2) ser o
destinatário da mala com R$ 500 mil da J&F portada pelo seu antigo assessor
Rodrigo Rocha Loures flagrado na noite paulistana;
3)
obstruir a Justiça no inquérito sobre R$ 587 milhões que o grupo J&F teria
repassado a ele e aos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco;
4) obter
R$ 10 milhões em dádivas do departamento de propinas da Odebrecht;
5)
participar de fraude para disfarçar a origem ilegal de R$ 112 milhões
registrados pela chapa Dilma-Temer como doações eleitorais legítimas na
campanha presidencial de 2014;
6)
receber benesses por um decreto (nº 9048/2017) que afetou empresas vinculadas à
Associação Brasileira de Terminais Portuários, entre elas Libra e Rodrimar, no
Porto de Santos.
Temer é
caso raro de presidente investigado durante o mandato. Ano passado, submergia
abraçado a Dilma num oceano de provas, quando foi resgatado pelo juiz Gilmar
Mendes, que julgou ser preferível “pagar o preço de um governo ruim e mal
escolhido do que uma instabilidade no sistema”. Na sequência, sobreviveu a duas
votações na Câmara, garantindo sua imunidade até o final do mandato. Agora, já
não consegue dissimular o dissabor da incriminação em escala. Assumiu o papel
de perseguido e avalizou uma escalada de ataques contra delegados, procuradores
e juízes. Conseguiu aumentar a percepção no Congresso de que avança para um
epílogo em desalento.
Professor
de Direito Constitucional, arriscou-se em manobra com outro decreto (nº
9.246/17), que flexibilizou o indulto presidencial muito além do que havia
feito Dilma em benefício de condenados no mensalão.
“Sem
razão específica”, notou a Procuradoria-Geral, Temer violou a separação de
Poderes e ampliou o perdão de forma seletiva e desproporcional. Dispensou
corruptos e corruptores do cumprimento de 80% da pena estabelecida e extinguiu
sanções financeiras. Na visão
da procuradoria, ratificada em decisões de dois juízes do Supremo, o presidente
criou “um cenário de impunidade no país”. E transformou o processo penal em
algo menor: “Está tudo perdoado, independentemente do que o Judiciário venha a
dizer.”
Temer
busca alternativas para os dias seguintes à descida da rampa do Planalto. Sem
foro privilegiado, sua perspectiva é a do juízo de primeira instância — “e isso
obviamente é preocupante”, lembrou seu advogado aos repórteres Fausto Macedo e
Eduardo Kattah. O 1º de
janeiro de 2019 é chave para se entender o enredo em curso sobre perdão de 80%
da pena, garantia de foro privilegiado e revisão da prisão em segunda
instância. É o horizonte do amálgama de interesses do trio Temer, Lula, Dilma e
de outros 552 denunciados — por ação ou omissão — na roubalheira exposta nesses
quatro anos da Operação Lava-Jato.
José Casado, jornalista - O Globo