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sábado, 13 de maio de 2023

Como ele chegou lá - J. R. Guzzo

Revista Oeste

Alexandre de Moraes soube construir uma situação em que não tem rivais, não tem freios e não tem controles, e na qual está livre para governar o Brasil segundo o que acha que está “certo”, e não segundo o que diz a lei


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa de solenidade do TSE, onde o ministro Alexandre de Moraes concedeu a comenda da Ordem do Mérito do TSE ao presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Onde o ministro Alexandre de Moraes acertou? Ele é hoje, ao mesmo tempo, condutor do Supremo Tribunal Federal, governador-geral do Brasil e único brasileiro que tem o poder de revogar, mudar ou escrever leis por conta própria, sem necessidade alguma de aprovação do Congresso Nacional. É óbvio, à essa altura, que acertou em alguma coisa para chegar ao lugar em que está. 
Provavelmente, acertou muito, e em muitas coisas — ninguém consegue se tornar o homem mais importante de um país com 200 milhões de habitantes e PIB de quase 2 trilhões de dólares, segundo FMI, cometendo erros, ou mais erros do que acertos. Pode-se “gostar” ou “não gostar” do ministro, como ele próprio comentou em relação à lei que permite o indulto presidencial
Mas o fato é que ele manda e todo mundo obedece, a começar pelo presidente da República — e se mandar mais vão obedecer mais. 
O ministro Alexandre de Moraes, durante sessão de julgamento sobre limite para compartilhamento de dados fiscais | Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
 
Alexandre Moraes, hoje, decide mais que o Congresso Nacional inteiro; decreta, pessoalmente ou através dos outros ministros, que leis aprovadas legitimamente pelos deputados e pelos senadores não valem mais, ou cria as leis que os parlamentares não aprovaram, mas que ele quer — como é o caso, agora, da lei da censura na internet
Vale, sozinho, mais que as três Forças Armadas juntas. 
Pode fazer, e faz, coisas ilegais. Prende cidadãos. Bloqueia contas bancárias. Viola o sigilo de comunicações. Nega o exercício do direito de defesa. Dá multa de 22 milhões de reais a um partido político de oposição. Proíbe qualquer pessoa ou empresa (qualquer uma; até membros do Congresso) de se manifestar pelas redes sociais
Eliminou as funções do Ministério Público. Enfiou na cadeia um deputado federal na vigência do seu mandato. Indiciou pessoas por conversarem num grupo de WhatsApp. Comanda no momento dois inquéritos ilegais de natureza policial (que podem ser seis, ou até mais; são tantos que ninguém consegue mais fazer a conta exata), nos quais se processa qualquer tipo de crime que o ser humano possa cometer, tudo junto e tudo misturado — do golpe de estado ao passaporte de vacina
Criou, e usa, algo que não existe no direito universal: o “flagrante perpétuo”. Muito bem: um homem assim manda ou não manda mais que todos os outros?

A ascensão de Moraes ao topo da vida pública brasileira não aconteceu pelos meios comuns. 
Ele não teve uma campanha eleitoral milionária, com “Fundo Partidário”, apoio fechado do TSE e outras vantagens; aliás, não teve um único voto, e nem precisou. O ministro não vem de nenhuma família que vive às custas de suas senzalas políticas. 
Não é um bilionário como esses banqueiros de investimento “de esquerda” que vivem dando entrevista na televisão. 
Não precisou de apoio da imprensa, embora tenha se tornado um ídolo para a grande maioria dos jornalistas brasileiros — é tratado hoje como uma espécie de Che Guevara que lidera as “lutas democráticas” neste país. (O que provavelmente deve deixar o ministro achando muita graça.) Sua origem não tem nada a ver com o PT. Moraes foi nomeado para o cargo por Michel Temer, que Lula chama de “golpista” e é visto pela esquerda nacional como portador de alguma doença infecciosa sem cura. O passado político do ministro, ao contrário, o coloca como secretário de Geraldo Alckmin, nos tempos em que ele não usava boné do MST e era uma figura de piada para Lula, os intelectuais e os artistas da Globo.Michel Temer e Alexandre de Moraes | Foto: Valdenio Vieira/PR

Apesar de tudo isso, o ministro Moraes está lá. Como foi acontecer um negócio desses? Ou, de novo: onde ele acertou? Acertou em muita coisa, essa é que é a verdade — e a primeira delas é que entendeu melhor do que ninguém a força e a utilidade da coragem num país em que o ecossistema político é habitado majoritariamente por covardes. Moraes é um homem destemido — assume riscos, enfrenta adversidades e não foge da briga. No Brasil de hoje, faz toda a diferença. O segundo ponto a favor é que soube escolher o lado certo da disputa política atual: percebeu, no momento adequado, que é mais rentável ficar a favor do Brasil do atraso, centrado no Sistema Lula, do que a favor do Brasil do progresso. 

 (Imaginem se tivesse ficado com Bolsonaro e feito as coisas que fez — se tivesse, por exemplo, trancado na Papuda 1.500 agentes do MST que invadem fazendas e destroem propriedade pública. Estaria hoje no Tribunal Internacional de Haia, respondendo por crimes contra a humanidade.) 

Entendeu, também, que as instituições brasileiras são amarradas com barbante — e iriam se desfazer diante do primeiro homem decidido a falar grosso, desde que tivesse apoio da esquerda e vendesse a ideia de que está violando a lei para salvar a “democracia”. 
 Com instituições fortes Moraes simplesmente não seria o que é; sua carreira já teria acabado por decisão do Senado Federal.

Passou para o lado da confederação anti-Lava Jato que levou Lula ao poder e, aí, soube assumir o papel de astro do filme — entre outras coisas, como presidente do TSE, foi quem realmente colocou o chefe do PT na Presidência da República

O ministro, igualmente, descobriu que não precisava ter medo de militar — e que isso é uma vantagem decisiva. O regime militar já acabou há quase 40 anos, mas o político brasileiro continua pensando nas Forças Armadas como se elas decidissem alguma coisa — os políticos e as multidões que foram para a frente dos quartéis após as eleições de 2022, na ilusão de que estavam “do mesmo lado”. (O Exército estava, como se viu, do lado da polícia.) Moraes nunca perdeu seu tempo com isso. 

Foi fazendo o que achou que tinha de ser feito, sem se preocupar com o que poderiam pensar os generais de Exército ou os almirantes de esquadra — e hoje deve estar convencido de que leu acertadamente as coisas. Por que não? Moraes acaba de colocar na cadeia um tenente-coronel da ativa, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, algo expressamente proibido em lei — ele só poderia ter sido preso em flagrante, e não houve flagrante algum.  
O comandante do Exército não deu um pio. 
Não se tratava de desafiar o STF, ou quem quer que seja; bastaria dizer que o Exército exige o cumprimento das leis em vigor no Brasil.
Ele não vive dizendo que é a favor da “legalidade?” Então: era só cumprir o que diz. Não aconteceu nada.Vigília dos manifestantes em frente ao quartel | Foto: Artur Piva/Revista Oeste

Outra vantagem para o ministro é a sua capacidade de ignorar a opinião pública. Poucas vezes na história deste país uma autoridade do Estado conseguiu ter uma imagem tão horrível quanto a de Moraes — mas ele não faz nem deixa de fazer nada por causa do que “estão pensando”. O político brasileiro médio passa mal quando se vê fazendo, ou tentando fazer, alguma coisa que pode desagradar o eleitorado — afinal, é dos seus votos que ele vive. O ministro não liga a mínima; não é assim, simplesmente, que ele funciona.  

Ao contrário, fica mais radical, agressivo e perigoso a cada contrariedade. Ele deixou isso muito claro, entre outros episódios, com sua reação às imensas manifestações de rua do ano passado, e de antes, a favor de Bolsonaro — a quem escolheu como seu inimigo número 1

Em vez de se assustar com aquelas multidões todas, resolveu meter as multidões na cadeia. Deu certo, afinal: a 8 de janeiro ele conseguiu prender 1.500 pessoas de uma vez só, como “exemplo”, e de lá para cá ninguém mais pensou em acampar na frente de quartel. Para o ministro Moraes gente na rua é uma turbina sem potência — faz barulho, mas não tira o avião da pista. Tem dado certo até agora, do seu ponto de vista: está mandando mais, hoje, do que em qualquer outro momento da sua carreira.

Moraes, enfim, tem demonstrado que sabe fazer política do lado que ganha — é o contrário de Augusto Matraga, e isso quer dizer um mundo de vantagens para quem tem ambições de subir na vida pública. 
No momento mais indicado, soube trocar a direita “autoritária”, onde nasceu, pela esquerda que seria levada ao poder no movimento mais poderoso que já se viu até hoje na política brasileira: a guerra de extermínio contra a Lava Jato e o enfrentamento à corrupção
Passou para o lado da confederação anti-Lava Jato que levou Lula ao poder e, aí, soube assumir o papel de astro do filme — entre outras coisas, como presidente do TSE, foi quem realmente colocou o chefe do PT na Presidência da República.  
É certo, também, que manda mais do que ele. 
Vivem os dois, hoje, num contrato de assistência mútua. 
Moraes dá proteção a Lula, defende os interesses do seu sistema e garante a segurança do universo lulista — para ficar num exemplo só, não incomodou, em quatro anos com os seus inquéritos policiais, um único simpatizante da esquerda. 
Quer dizer que ninguém do PT, para não falar do próprio Lula, divulgou uma fake news, nem umazinha, nesse tempo todo? É puro Moraes. 
Em compensação, nem Lula, nem a esquerda e nem ninguém do governo está autorizado a incomodar o ministro no que quer que seja. É a harmonia entre os Poderes.
 
Como em relação aos militares e à opinião pública, o medo que Alexandre de Moraes tem de Lula é de três vezes zero. Ele sabe, de um lado, que Lula não tem peito para encará-lo, e de outro, que está mais interessado em hotéis com diárias de 37.000 reais, discursos idiotas e o “liberou geral” para o assalto à máquina pública
Também não se assusta com a esquerda, o MST e os Boulos da vida. Sabe que todos têm pavor de bala de borracha; imagine-se então de bala de verdade. Suas preocupações com a Câmara e o Senado são equivalentes — ou seja, absolutamente nulas.  
O resumo de toda essa opera é o seguinte: o ministro soube construir uma situação em que não tem rivais, não tem freios e não tem controles, e na qual está livre para governar o Brasil segundo o que acha que está “certo”, e não segundo o que diz a lei. 
Moraes se arriscou muito; poderia perfeitamente ter perdido, várias vezes, a começar pelo dia em que encarou Jair Bolsonaro. Mas o fato é que levou todas, e hoje é isso que todos estão vendo — só não manda naquilo em que não quer mandar. Nada poderia representar tão bem essa situação quanto sua última erupção de onipotência. 
Proibiu o aplicativo de mensagens Telegram de publicar sua opinião sobre a lei de censura que o governo Lula e ele próprio querem impor ao Brasil — e o obrigou a publicar a opinião dele, Moraes. 
Desde quando alguém neste país está proibido de dizer o que pensa sobre um projeto em debate no Congresso Nacional? 
E desde quando alguém é obrigado a dizer o contrário do que pensa? Desde Alexandre de Moraes. 
O caso Telegram é mais uma prova de que no Brasil de hoje não existe mais lei. 
O que existe é o ministro Moraes — e, para piorar, o resto do STF.


Leia também “O governo e o STF vão à forra”

 

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste


quarta-feira, 27 de abril de 2022

Xeque-mate no STF - O Estado de S.Paulo

J. R. Guzzo

Pode-se gostar ou não, mas o indulto de Bolsonaro a Daniel Silveira é um ato juridicamente perfeito, que não está sujeito à apreciação superior

Descontados o falatório vadio, os argumentos sem nexo lógico elementar e as desculpas esfarrapadas, temos neste momento a seguinte situação: as “oposições”, a média das “análises políticas” e a ideia de que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem de governar o Brasil, se é que isso chega a ser uma ideia, acabam de levar um xeque-mate

O perdão concedido pelo presidente da República ao deputado Daniel Silveira não foi previsto por ninguém, e deixou o partido do STF sem condições de ter uma reação coerente; ao mesmo tempo, é certo que não há grande coisa que se possa fazer para anular o que está feito. O decreto que dá o indulto é plenamente constitucional. 
 
As queixas automáticas apresentadas contra ele no STF ficaram num nível estudantil, ou nem isso. 
O próprio ministro Alexandre de Moraes, figura central de todo este tumulto, decidiu em 2018 que o então presidente Michel Temer tinha, sim, o direito indiscutível de perdoar condenados na Operação Lava Jato
Não precisava justificar nada, não tinha de pedir licença a ninguém, podia perdoar de forma coletiva ou individual, podia desfazer qualquer sentença – enfim, disse Moraes, pode-se gostar ou não, mas o indulto presidencial é um ato juridicamente perfeito, que não está sujeito à apreciação superior.  

O ministro do STF Alexandre de Moraes
O ministro do STF Alexandre de Moraes em sessão da Primeira Turma da Corte. Foto: Carlos Moura/STF
Mas então é possível anular os efeitos de uma sentença da Justiça, dada em sua Corte mais alta? Sim, é perfeitamente possível. Paciência: indulto presidencial é isso mesmo, segundo estabelece a Constituição. Ele sempre desmancha uma decisão judicial, e não pode ser de outra forma – não for assim, não existe indulto. Além do mais, de lá para cá, essa coisa de perdoar crimes cometidos só avançou numa direção – a de perdoar mais ainda. Fica realmente complicado, no Brasil de hoje, dizer que o indulto de Daniel Silveira será um “incentivo à impunidade”. 
Nem se fale aqui das liberações em massa das penas da Lava Jato, dos corruptos que hoje reclamam indenização, ou das 25 questões que jazem nesse mesmo STF contra o senador Renan Calheiros, um dos mais irados opositores do decreto presidencial. O assunto morre e fica sepultado com a anulação das quatro ações penais que salvaram o ex-presidente Lula, num dos momentos mais insanos da Justiça brasileira – sumiram, simplesmente, as suas condenações pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, em terceira e última instância, e por nove juízes diferentes. Depois disso, quem pode reclamar do quê?

Não melhora em absolutamente nada a situação dos que estão revoltados com o indulto, a começar pelos ministros do STF, a circunstância de que o seu líder espiritual, moral e político, o ex-presidente Lula, perdoou o terrorista Cesare Battisti – condenado pela Justiça da Itália e então refugiado no Brasil. Daniel Silveira fez um vídeo falando mal do STF; Battisti assassinou quatro pessoas. Na ocasião em que foi dada a graça, o STF tinha decidido pela sua extradição para a Itália; Lula anulou a sentença, ao conceder ao condenado a permanência no Brasil como homem livre. Hoje, entregue às autoridades italianas pela Bolívia, para onde tinha fugido depois da eleição de Bolsonaro, Battisti está numa prisão de segurança máxima. Mas nada vai apagar a decisão de Lula, e menos ainda a lembrança de quem foi o advogado do terrorista na obtenção de seu indulto – o atual ministro Luís Roberto Barroso.

É um nó de marinheiro, daqueles que ninguém consegue desfazer. O STF talvez devesse ter pensado na possibilidade do indulto na hora em que se dedicava a condenar o deputado a quase nove anos de prisão fechada, ao fim de um processo ilegal em tudo. Agora levou um “basta”. Vai ter de conviver com ele ou jogar o país numa crise entre poderes de efeitos desconhecidos.

 J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo


sexta-feira, 22 de abril de 2022

Duelo na Praça dos Três Poderes - Revista Oeste

Augusto Nunes

Vitorioso no julgamento de Daniel Silveira, o Supremo foi nocauteado pelo indulto presidencial 

O Supremo Tribunal Federal pode muito, afligiram-se milhões de brasileiros neste 20 de abril. Uns encastelados em estranhas cabines de acrílico, outros prorrogando em casa a quarentena iniciada há mais de dois anos, dez dos 11 ministros mandaram às favas a Constituição que lhes cumpre proteger e transformaram o julgamento do deputado federal Daniel Silveira num constrangedor monumento à onipotência. Era preciso que todos soubessem o que acontece a quem enxerga defeitos de fabricação nas sumidades que mandam no país. 
 
André Mendonça <i>(à esq.)</i> já lançou livro com Alexandre de Moraes em homenagem a Dias Toffoli <i>(ao centro)</i> | Fotos: Felipe Sampaio/SCO/STF
André Mendonça (à esq.) já lançou livro com Alexandre de Moraes em homenagem a Dias Toffoli (ao centro) -  Fotos: Felipe Sampaio/SCO/STF 

Edição 109

Primeiro, o grupo que controla o STF decidiu que Paulo Faria, advogado do réu, teria de passar pelo teste de covid-19 para entrar no templo que o doutor Kakay frequenta trajando bermudas. Em seguida, o réu e o também deputado Eduardo Bolsonaro foram proibidos de acompanhar o julgamento porque, até que termine a pandemia que acabou, as portas só não estarão fechadas para bacharéis em Direito. Ao abrir a sessão, o presidente Luiz Fux (indicado por Lula) recomendou à OAB que investigue a “recalcitrância” do defensor de Daniel Silveira. Até o começo da noite, textos constitucionais foram tratados a socos e pontapés. No derradeiro ato da ópera dos superjuízes de araque, o parlamentar foi castigado com a cassação do mandato, a suspensão dos direitos políticos, uma multa de bom tamanho e uma temporada na prisão de quase nove anos.

Caso se animem a contestar o decreto presidencial, os ministros terão de renegar incontáveis discurseiras que sedimentaram a jurisprudência da Corte. “Essa questão de indulto, esse ato de clemência constitucional é um ato privativo do presidente da República”, afirma Moraes num vídeo divulgado em 2018, último ano do governo Michel Temer. “Podemos gostar ou não gostar, mas esse ato não desrespeita a separação de Poderes. Não é uma indevida ingerência do Executivo na política criminal que, genericamente, é estabelecida pelo Legislativo e concretamente aplicada pelo Judiciário. Até porque indulto — seja graça, perdão presidencial, seja individual ou coletivo — não faz parte da política criminal. É um mecanismo de exceção, contra o que o presidente da República entender como excessos da política criminal.”
 

O Supremo pode muito, mas não pode tudo, descobriram no dia seguinte os ministros que, horas antes, haviam submetido a Constituição a uma selvagem sessão de tortura. O Pretório Excelso não pode, por exemplo, agir como se fosse maior e melhor que os demais Poderes. O sinal amarelo foi aceso pelo presidente da Câmara dos Deputados: Artur Lira avisou que as punições impostas a Daniel Silveira teriam de ser avalizadas pelo Legislativo. O sinal vermelho foi acionado no começo da noite de 21 de abril pela surpreendente entrada em cena do presidente Jair Bolsonaro, que resgatou Daniel Silveira do buraco negro com a concessão do indulto individual. 

O instrumento constitucional da graça devolveu ao prisioneiro particular de Alexandre de Moraes (indicado por Michel Temer) o direito de ir e vir, o acesso a meios de comunicação, a utilização de redes sociais, o pleno exercício do mandato e a liberdade de expressão.  
Livrou-o também do presídio, da multa e outras perversidades concebidas pelo carrasco de toga disfarçado de relator do caso. A pena de prisão foi superior a oito anos, por exemplo, para que o condenado começasse a cumpri-la em regime fechado.

Outro vídeo, que registra um dos inúmeros bate-bocas entre Luís Roberto Barroso (indicado por Dilma Rousseff) e Gilmar Mendes (indicado por Fernando Henrique Cardoso), as sobrancelhas impecáveis revidam a acusação do beiço beligerante (“Vossa Excelência, quando chegou aqui, soltou José Dirceu!”) com um esclarecimento que fortalece a argumentação de Bolsonaro: “José Dirceu foi solto por um indulto da presidente da República”. Por que Bolsonaro não poderia fazer em favor de um inocente o que Dilma fez para libertar um bandido? Tudo somado, Alexandre de Moraes terá de engolir sem engasgos o decreto presidencial. Isso se lhe sobrar algum juízo.

O grande momento do relator do julgamento durou apenas um dia — mas foi um dia e tanto. Já no início da leitura do seu voto, Moraes resolveu reescrever o artigo 53 da Constituição. O texto em vigor desde 1988 comunica queos deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer opiniões, palavras e votos”. Depende, imagina o campeão da truculência, que acrescentou a ressalva indigente na forma e intragável no conteúdo: “A liberdade de expressão existe para opiniões contraditórias, jocosas, sátiras, opiniões, inclusive errôneas, mas não para opiniões criminosas, imputações criminosas, discurso de ódio, atentado contra o Estado de Direito e democracia”. A colisão com o texto constitucional reduz o argumento a farrapos. O “quaisquer” que precede “opiniões” significa “todas”. Sobretudo, adverte que, nos regimes democráticos, crimes cometidos com palavras não dão cadeia. Desde que não ofendam integrantes do Supremo, teima o relator. Quem faz isso merece cadeia.

O caçula do STF preferiu gaguejar um voto levemente envergonhado e terrivelmente vergonhoso

Kassio Nunes Marques, primeiro dos dois ministros indicados por Bolsonaro, foi o único a discordar — e por isso mesmo só ele sobreviveu sem desonra ao dia mais infame da história do Supremo. Para tanto, bastou-lhe a opção pela verdade. Num voto curto e sem latinórios, apoiado em artigos constitucionais e nos fatos, Nunes Marques provou que Daniel Silveira é inocente e absolveu o réu. 
Tal postura tornou ainda mais repulsivo o desvio percorrido por André Mendonça, que também deve o emprego a Bolsonaro. Cem a cada cem brasileiros com mais de 50 neurônios acreditavam que o ex-ministro da Justiça do atual governo recorreria a um pedido de vista para adiar o julgamento e, assim, permitir que Daniel Silveira se reelegesse deputado. O caçula do STF preferiu gaguejar um voto levemente envergonhado e terrivelmente vergonhoso. Os pecados cometidos pelo réu não justificam castigos excessivos, murmurou. Mas são suficientes para obrigá-lo a redimir-se no cárcere.

A conversão de Mendonça entusiasmou os gerentes da Corte. Dias Toffoli (indicado por Lula), por exemplo, desandou no falatório transcrito a seguir sem correções nem retoques: “Entre as grandes virtudes de um homem ou mulher está a coragem. E aqui registro nesse sentido a coragem do ministro André Mendonça. Todos nós sabemos que Sua Excelência sofreu pressão, mas pressão todos nós sofremos. A cadeira e a toga nos dá autonomia para não nos sujeitarmos a ela”. O espancamento do idioma recomenda que o ex-assessor de José Dirceu, duas vezes reprovado no concurso para ingresso na magistratura paulista, seja condenado a frequentar por oito anos e nove meses um curso intensivo de português. Mas o elogio faz sentido: certos atos de covardia exigem mais coragem que demonstrações de bravura em combate protagonizadas por heróis de guerra.

O decano Gilmar Mendes ficou feliz com Mendonça, mas condecorou o relator: “Gostaria de destacar o papel que o ministro Alexandre tem desempenhado nesse contexto tão difícil a partir da relatoria daquilo que chamamos de inquérito das fake news ou atos antidemocráticos”, enrolou-se no improviso. “Isso nada tem a ver com liberdade de expressão e nem está coberta pela imunidade parlamentar, que conhece claros limites”. Ansiosa por agradar ao atual mentor, Cármen Lúcia (indicada por Lula) caprichou no falatório indecifrável: “O relator Alexandre atuou com coragem. A demonstração de coragem que se tem demonstrado, não deixando de afrouxar quando tem de afrouxar, e apertar naquilo que precisa ser cumprido”. Num exame do Enem, não escaparia do zero com louvor. Completaram o elenco os figurantes Ricardo Lewandowski (indicado por Lula), Rosa Weber e Edson Fachin (ambos indicados por Dilma)

No dia 20, nunca pareceram tão confiantes os ministros que sonham com a impugnação da candidatura à reeleição de Jair Bolsonaro. No dia 21, nunca pareceu tão sideral a distância que separa o Brasil real do bando de advogados que viraram juízes graças ao voto de um presidente da República. O Supremo começou a semana se achando maior que o Planalto. Terminou-a com os hematomas de quem perdeu o duelo na Praça dos Três Poderes. Alguns doutores em tudo certamente pensam em revanche. Fariam um favor ao Brasil, e a si próprios, se tratassem de respeitar a Constituição.

Leia também “Supremo Partido”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste


quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Indulto de Bolsonaro a policiais traduz corporativismo e ideologia – O Globo

Opinião

Do ponto de vista lógico, faria mais sentido indultar condenados por infrações leves, como porte de drogas

Pelo segundo ano consecutivo, o presidente Jair Bolsonaro privilegiou, no tradicional indulto de Natal, a categoria que lhe é mais cara. Além do benefício concedido por razões humanitárias a presos deficientes ou acometidos por doença grave, também foram indultados “agentes públicos que compõem o sistema nacional de segurança pública”: militares e policiais de todas as corporações.

O indulto não deve ser confundido com a saída temporária, comum no período de festas. Para efeitos práticos, equivale a um perdão. Significa que o beneficiado está doravante quite com a sociedade e não precisa mais cumprir as penas a que foi condenado. Como todo indulto, o deste ano exclui crimes hediondos ou graves, caso de tortura, participação em organizações criminosas, terrorismo, pedofilia ou tráfico de drogas. Mas inclui policiais condenados por atos cometidos mesmo no período de folga e os que cometeram “crimes culposos ou por excesso culposo”.

 

[A que ponto chegamos? A imprensa defendendo o indulto (perdão presidencial)  a usuários de drogas. Esquecem que não fosse o usuário de drogas o tráfico não existiria. Os noiados, os viciados, os maconheiros são os que sustentam o tráfico e também cometem crimes para sustentar o vício.  O tráfico e o consumo tem que ser combatido com praticamente o mesmo rigor - o tráfico com penas mais severas devido a violência que produz - não havendo viciados , traficar perde o sentido.

Outra matéria que justifica a pergunta do inicio uma em que uma jornalista, a pretexto de defender os direitos reprodutivos das mulheres quer tirar de seres humanos inocentes e indefesos o maior, o mais sagrado de todos os direitos: o DIREITO À VIDA.

Presidente Bolsonaro, o senhor tem o DEVER de reduzir o número das coisas erradas que insistem em crescer no Brasil. Uma delas, sem ser limitante, considerar o aborto crime imprescritível. Se um mandato não for suficiente, fique certo que iniciando o processo reparador do Brasil, mais um mandate lhe será concedido. ]

Pelo segundo ano consecutivo, o presidente Jair Bolsonaro privilegiou, no tradicional indulto de Natal, a categoria que lhe é mais cara. Além do benefício concedido por razões humanitárias a presos deficientes ou acometidos por doença grave, também foram indultados “agentes públicos que compõem o sistema nacional de segurança pública”: militares e policiais de todas as corporações.

O indulto não deve ser confundido com a saída temporária, comum no período de festas. Para efeitos práticos, equivale a um perdão. Significa que o beneficiado está doravante quite com a sociedade e não precisa mais cumprir as penas a que foi condenado. Como todo indulto, o deste ano exclui crimes hediondos ou graves, caso de tortura, participação em organizações criminosas, terrorismo, pedofilia ou tráfico de drogas. Mas inclui policiais condenados por atos cometidos mesmo no período de folga e os que cometeram “crimes culposos ou por excesso culposo”.

Não é preciso ser especialista em exegese jurídica para entender tais palavras. Bolsonaro usou o indulto presidencial para atropelar decisões da Justiça relativas a policiais. Na prática, da caneta presidencial, saiu um “excludente de ilicitude” para a polícia.

Por uma decisão do Supremo sobre o indulto natalino concedido pelo então presidente Michel Temer em 2017, nada há de errado no ato de Bolsonaro. Temer extinguira o limite de condenação necessário para um condenado ter direito ao benefício (ampliado para 12 anos nos governos Lula e Dilma) e estabelecera como exigência apenas o cumprimento de um quinto da pena. Pela decisão do Supremo, o presidente tem poderes praticamente ilimitados para decidir quem indultar. [Está na Constituição e tem que ser cumprido. O Supremo não pode, não deve - não pega bem em um país que dizem viver sob o 'estado democrático de direito'  - que a Constituição para ser cumprida precise ser validada pelo STF.]

Mesmo que os indultos de Temer e Bolsonaro tenham respeitado a Constituição, isso não quer dizer que tenham sido corretos. O primeiro pecou pela permissividade, ao libertar corruptos e criminosos de colarinho branco. O segundo agiu movido pelo corporativismo e pela ideologia que acredita, contra todas as evidências, que policiais e militares devem ser tratados com mais leniência que o cidadão comum.

Nada disso deveria ser o objetivo original do indulto. Ele é necessário, primeiro, por razões humanitárias, para retirar da prisão quem não oferece mais risco à sociedade. Segundo, para aliviar um sistema carcerário que hoje abriga mais de 800 mil presos, dois quintos sem condenação. Do ponto de vista lógico, faria muito mais sentido indultar os milhares de condenados por infrações leves, como porte de pequenas quantidades de maconha ou de outras drogas, do que corruptos ou policiais criminosos. Mas a motivação de Bolsonaro obviamente não segue a lógica.

Opinião - O Globo

 

domingo, 22 de dezembro de 2019

Natalinas - O Globo

Dorrit Harazim

Numa média de cinco mortes a cada dia, a clemência natalina só não será pior por (ainda?) não incluir milicianos

Poucos atos de um mandatário são tão radicais, por definitivos, quanto a canetada que sacramenta o indulto presidencial. Trata-se do instrumento supremo de poder, pois o ato não é sujeito à aprovação pelo Congresso, tem implementação rápida e decide sobre o que os eventuais beneficiados têm de mais valioso — a liberdade. Cada país segue normas de indulto mais ou menos elásticas, sendo que no Brasil elas podem ser redefinidas a cada ano, costumeiramente na época natalina.

Esta semana, às vésperas de estrear sua assinatura no decreto que passará a reger a concessão de perdão presidencial, Jair Bolsonaro já foi adiantando que a medida deve incluir, pela primeira vez, toda uma categoria. A partir da publicação do texto oficial, serão beneficiados policiais e agentes de segurança presos por crimes cometidos em serviço, em confrontos, ou por legítima defesa em situação de “excesso”. Uma antecipação simplificada do indigesto “excludente de ilicitude” embutido no pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro. [é indiscutível, democrático e principio humanitário que a Lei Penal só retroaja para benificiar condenados;
assim, o decreto presidencial, obrigatoriamente, se estende a todos os condenados que atendam seus requisitos - o que inclui bandidos, policiais e os chamados milicianos.
O decreto de indulto é norma constitucional, tendo o presidente da República e a todos os brasileiros o DEVER de  bem e fielmente cumpri-lo.
O que inclui, sem limitar sua aplicação obrigatória aos já condenados e que seja considerado, no que couber, em condenações futuras, ainda que por crimes praticados antes da vigência da norma presidencial.]

“Tem muito policial no Brasil que foi condenado por pressão da mídia”, avisou o presidente meses atrás, “e esse pessoal, no final do ano, se Deus me permitir e eu estando vivo, vai ser indultado”. Caso contrário, não daria indulto algum. Sob esta ótica poderão ser contemplados pela misericórdia presidencial os agentes envolvidos na matança dos 111 detentos do presídio do Carandiru,  [criminosos contumazes, pergigosos e só a ação enérgica e exemplar da polícia acabou como novas rebeliões, que estavam se tornando rotina nos presídios do Brasil.]  e na chacina de 1996 que fez 19 sem-terra mortos em Eldorado dos Carajás. [invasores de terra, criminosos, assassinos covardes de inocentes proprietários das terras que invadiam e que estavam bloqueando rodovia, que foram tratados de forma exemplar pelo valorosa Polícia Militar do Pará e, desde então, não mais ocorreraminvasões absurdas, com bloqueio de rodovias, na região.] Considerando-se que só no Rio de Janeiro o número de mortes causadas por policiais nos dez primeiros meses de 2019 foi de 1.546 pessoas, numa média de cinco mortes a cada dia, a clemência natalina só não será pior por (ainda?) não incluir milicianos.

Também em outros países o histórico de perdões presidenciais, alguns famosos, outros infames, rende vasta literatura. Alguns mandatários usam este poder de forma abrasiva, para beneficiar ladravazes amigos, comprar gratidão/silêncio eternos ou resolver problemas familiares. Bill Clinton, por exemplo, indultou o irmão Roger, que fora preso por envolvimento com drogas. Outros, como Jimmy Carter, usaram a caneta para promover a conciliação nacional”, como escreveu um dos founding fathers dos Estados Unidos, Alexander Hamilton. Carter estendeu o perdão presidencial a 200 mil jovens que haviam fugido do alistamento militar para não combater na Guerra do Vietnã. Franklin Roosevelt foi pródigo em clemência executiva: assinou mais de 3.700 atos em seus quatro mandatos.

Contudo, antes de Donald Trump, nenhum governante de país democrático tivera a audácia de pensar, e ainda menos de defender em público o “direito absoluto” dele se conceder um autoperdão, se necessário. A aberração jurídica lhe ocorreu no ano passado, durante um período de extrema exasperação por estar sendo investigado por conluio e outros malfeitos eleitorais. Para sorte de todos, a tentativa extrema de autoanistia não se fez necessária — aquele turbilhão de 2018 passou, agora são tempos de impeachment e as ferramentas são outras. Em compensação, no mês passado, Trump abriu um precedente aterrador ao perdoar um membro das Forças Armadas acusado pelos membros do próprio pelotão de ter cometido crimes de guerra no Iraque.

A história é escabrosa. Edward Gallagher, 40 anos, é sargento da unidade de elite Seals, da Marinha americana. Estava em sua oitava missão de guerra e atendia pelo apelido de “Blade”, lâmina. Comandava os 22 integrantes do Time 7, pelotão Alfa, aquartelado em Mossul, com missão de apenas assessorar os combatente iraquianos na guerra contra o Estado Islâmico. De acordo com o “New York Times”, tinha por talismã uma machadinha e uma faca de caça personalizadas, que prometeu “tentar enfiar no crânio de alguém”. Ao saber que um militante islâmico havia sido preso, transmitiu uma ordem: “Ninguém mexe nele. É meu”.

O prisioneiro adolescente estava esquálido. A equipe médica entrara em ação, sedara o jovem e havia feito uma traqueostomia de emergência para que pudesse respirar. Foi quando Gallagher, para horror de seus comandados, sacou a faca e a cravou na garganta do prisioneiro inerte. Em seguida postou selfie do morto erguido pela cabeleira. Antes disso, ele já fora alvo de inúmeras denúncias de comportamento errático, mirar em alvos civis, atirar a esmo movido a Tramadol. Submetido à corte marcial, foi inocentado das acusações de homicídio e outros malfeitos graves por pressão de Trump, mas rebaixado de patente e teve soldo reduzido. Foi quando o comandante em chefe dos Estados Unidos ordenou, por twitter, que Gallagher tivesse soldo, patente e identidade Seal restituídas.

De uma só vez Trump sinalizou que nas Forças Armadas dos Estados Unidos crimes de guerra não contam, e que o Código Uniforme de Justiça Militar americano está sujeito aos humores do presidente. Não deixa de ser uma interpretação de excludente de ilicitude. A mais radical.

 
 

Dorrit Harazim, jornalista - O Globo



domingo, 12 de maio de 2019

Os excessos da Justiça

O TRF-2 excedeu-se ao determinar a prisão preventiva de Temer. Na mesma semana, o STF reconheceu que não houve abuso no indulto natalino.

Na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que o então presidente Michel Temer, ao conceder o indulto natalino em dezembro de 2017, não excedeu suas competências constitucionais, o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) excedeu-se em suas prerrogativas, determinando a prisão preventiva de Michel Temer apesar de não estarem preenchidas as condições legais. Ainda que o desfecho do processo do indulto tenha feito jus ao que manda a Constituição, os dois casos mostram como, às vezes, a Justiça pode ser causa de graves abusos contra o Direito.

No art. 84, a Constituição estabelece que “compete privativamente ao Presidente da República conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”. E o art. 5.º, XLIII prevê quais crimes não podem ser anistiados: “a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos”. [oportuno lembrar, mesmo se tratando de  jogo jogado e a indicada não ter as condições ideais para ocupar o cargo - apesar de no entendimento do presidente da República, a única autoridade competente (conforme mandamento constitucional) para julgar a existência de tais condições - que a Justiça impediu que o presidente Temer exercesse sua competência privativa, segundo a Constituição vigente, de nomear ministros de Estado.]

Apesar de o Decreto 9.246/2017 respeitar perfeitamente as condições constitucionais, a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionou no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade do indulto natalino, entendendo que ele “ampliou os benefícios desproporcionalmente e criou um cenário de impunidade no País”. O indulto de 2017 é, de fato, mais amplo do que os de anos anteriores. [de uns tempos para cá, a PGR tem se arvorado, na prática e desrespeitando o texto constitucional, de QUARTO PODER - inexistente; 

e mais grave, além de agir como se fosse um Poder, pisoteia sobre o Legislativo e Executivo, sempre contando com o apoio, ainda que monocrático, de um 'supremo' ministro - quanto o STF em decisão colegiada corrige a ofensa constitucional, a mesma já tem perdurado por meses, fazendo até aniversário.

E ainda existe o recurso do pedido de vista obstrutivo e que concede a um único ministro o SUPREMO PODER de retardar correção de erro judiciário, bastando para tanto protelar a devolução do processo objeto do pedido obstrutivo.]

Com o Supremo em recesso, o processo foi remetido à então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que suspendeu, por decisão liminar, os efeitos do Decreto 9.246/2017. Era o início de uma interferência do STF em seara do chefe do Executivo federal. Em março de 2018, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, permitiu a aplicação parcial do decreto, considerando que, em algumas situações, não havia motivo para sustar o benefício. Ao atuar assim, o relator reescreveu o indulto, assumindo uma competência exclusiva do presidente da República.

Quando o caso foi a julgamento pelo plenário, em novembro de 2018, logo se formou maioria a favor da constitucionalidade do Decreto 9.246/2017. No entanto, um pedido de vista do ministro Luiz Fux suspendeu o andamento. Agora, o plenário reconheceu, por 7 votos a 4, a plena validade do decreto de Michel Temer. “Não pode o subjetivismo do chefe do Poder Executivo ser trocado pelo subjetivismo do Poder Judiciário”, lembrou o ministro Alexandre de Moraes. Foram mais de 16 meses para que o Supremo reconhecesse que ele não tem poderes para alterar o indulto presidencial. Ainda que o decreto seja passível de críticas, trata-se de um ato discricionário do presidente da República, dentro de suas atribuições constitucionais.

O que não está dentro das atribuições constitucionais é a Justiça decretar prisão preventiva fora das hipóteses legais, como voltou a ocorrer nesta semana com Michel Temer. De forma surpreendente, a 1.ª Turma Especializada em Direito Penal do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, por maioria de votos, cassou a liminar concedida pelo desembargador Ivan Athié e restaurou a prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer e do coronel Lima.

Na mesma estranha lógica da decisão da primeira instância, os desembargadores Abel Gomes e Paulo Espírito Santo não apontaram nenhum elemento atual que justificasse a prisão preventiva – que é uma medida excepcional e deve, portanto, ser rigorosamente fundamentada. Cabe à Justiça mostrar como o comportamento de um cidadão se encaixa nas hipóteses previstas na lei. No entanto – e é isso o que se tornou frequente nos últimos anos em muitas esferas da Justiça –, os desembargadores do TRF-2 simplesmente citaram as situações previstas em lei, sem mostrar como elas estavam presentes no caso concreto. Dessa forma, o que foi posto pelo legislador para limitar a arbitrariedade do Estado – por exemplo, só pode prender caso houver risco real da prática de novos crimes – transforma-se em autorização para o juiz fazer o que bem entenda. Esses excessos não cabem na Justiça de um Estado Democrático de Direito.


Editorial - O Estado de S. Paulo



 

terça-feira, 20 de março de 2018

Descendo a rampa



Temer busca alternativas para o dia seguinte à saída do Planalto. No 1º de janeiro seus interesses se fundem com os de Lula, Dilma e de outros 552 denunciados na Lava-Jato

Michel Temer atravessou a maior parte dos seus 77 anos de vida dedicado a uma discreta sobrevivência na atividade política. Nas últimas 32 semanas, porém, revelou-se exuberante protagonista em meia dúzia de devassas judiciais — um caso de corrupção nas páginas do Diário da Justiça a cada 35 dias, na média dos últimos oito meses.

Entre as múltiplas suspeitas, destacam-se:
1) Integrar um grupo, com outros 11 da cúpula do PMDB, acusado de tomar dinheiro de empresários em troca de privilégios em negócios com Petrobras, Furnas e Caixa;
2) ser o destinatário da mala com R$ 500 mil da J&F portada pelo seu antigo assessor Rodrigo Rocha Loures flagrado na noite paulistana;
3) obstruir a Justiça no inquérito sobre R$ 587 milhões que o grupo J&F teria repassado a ele e aos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco;
4) obter R$ 10 milhões em dádivas do departamento de propinas da Odebrecht;
5) participar de fraude para disfarçar a origem ilegal de R$ 112 milhões registrados pela chapa Dilma-Temer como doações eleitorais legítimas na campanha presidencial de 2014;
6) receber benesses por um decreto (nº 9048/2017) que afetou empresas vinculadas à Associação Brasileira de Terminais Portuários, entre elas Libra e Rodrimar, no Porto de Santos.

Temer é caso raro de presidente investigado durante o mandato. Ano passado, submergia abraçado a Dilma num oceano de provas, quando foi resgatado pelo juiz Gilmar Mendes, que julgou ser preferível “pagar o preço de um governo ruim e mal escolhido do que uma instabilidade no sistema”. Na sequência, sobreviveu a duas votações na Câmara, garantindo sua imunidade até o final do mandato.   Agora, já não consegue dissimular o dissabor da incriminação em escala. Assumiu o papel de perseguido e avalizou uma escalada de ataques contra delegados, procuradores e juízes. Conseguiu aumentar a percepção no Congresso de que avança para um epílogo em desalento.

Professor de Direito Constitucional, arriscou-se em manobra com outro decreto (nº 9.246/17), que flexibilizou o indulto presidencial muito além do que havia feito Dilma em benefício de condenados no mensalão.
“Sem razão específica”, notou a Procuradoria-Geral, Temer violou a separação de Poderes e ampliou o perdão de forma seletiva e desproporcional. Dispensou corruptos e corruptores do cumprimento de 80% da pena estabelecida e extinguiu sanções financeiras.  Na visão da procuradoria, ratificada em decisões de dois juízes do Supremo, o presidente criou “um cenário de impunidade no país”. E transformou o processo penal em algo menor: “Está tudo perdoado, independentemente do que o Judiciário venha a dizer.”

Temer busca alternativas para os dias seguintes à descida da rampa do Planalto. Sem foro privilegiado, sua perspectiva é a do juízo de primeira instância “e isso obviamente é preocupante”, lembrou seu advogado aos repórteres Fausto Macedo e Eduardo Kattah. O 1º de janeiro de 2019 é chave para se entender o enredo em curso sobre perdão de 80% da pena, garantia de foro privilegiado e revisão da prisão em segunda instância. É o horizonte do amálgama de interesses do trio Temer, Lula, Dilma e de outros 552 denunciados — por ação ou omissão — na roubalheira exposta nesses quatro anos da Operação Lava-Jato.

José Casado, jornalista - O Globo