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terça-feira, 24 de outubro de 2017

O projeto Maia

Rodrigo Maia só é presidente da Câmara, reeleito em fevereiro deste ano, como produto de mais um golpe na Constituição (parágrafo 4º do artigo 57) e de um bico no regimento interno (artigo 5º) da Casa que comanda. Os textos são expressos: numa mesma legislatura, num período de quatro anos, ninguém pode ocupar o mesmo cargo, na Mesa Diretora da Câmara, duas vezes seguidas.

Devedor de Michel Temer para que lá chegasse, Maia concluiu o mandato de Eduardo Cunha — e lhe herdou os limites. Tinha conhecimento disso ao se projetar como candidato a tampão. Só se reelegeu porque o Supremoessa corte estranha, que toma prerrogativas constitucionais do Legislativo quando não pode, mas que faz corpo mole quando um Poder distorce a leitura da Carta Magna de que deveria ser guardião deixou passar.

E aí está: Maia, empoderado por manobra ilegal, muito à vontade para confessar ter extrapolado a função protocolar de presidente da Câmara (de modo a derrubar a primeira denúncia contra Temer) somente para exibir sua força — e isso com a intenção de ameaçar o presidente da República. Ou terá querido dar recado diferente ao dizer — em resposta ao advogado Eduardo Carnelós — que, depois de tudo o que fizera por Temer, aquilo de que se julgava vítima não era aceitável e que, a partir de então, cumpriria exclusivamente seu papel institucional? Oi? Que “tudo” é esse? O que fez Maia — por Temer — para além do que estritamente lhe cabia? Sabe-se agora que pretende ser apenas o presidente da Câmara acerca da segunda denúncia contra Temer. Ok. Mas: será essa doravante uma condição estável, ou algo pode fazer com que mude e possa novamente, aqui ou acolá, dar uma força ao presidente ou a qualquer outro enrolado?

Noto, à margem, que o motivo do conflito foi a publicação, no site da Câmara, de vídeos com a delação de Lúcio Funaro. Material que a assessoria de Edson Fachin, diante do imbróglio, formalmente comunicou estar sob sigilo, mas que continuaria disponível, no mesmo lugar, como se não consistisse numa afronta a uma determinação do Judiciário. Mesmo, porém, que não houvesse sigilo: nada obrigava a Câmara a dar publicidade aos vídeos. Se o fez, a responsabilidade é de seu presidente —e é natural que se leia no fato, na semana em que a Casa trata da denúncia contra Temer, um gesto autoritário para efeito político.

Sei que o homem é querido por gente influente, fonte farta para o jornalismo de fofoca e interlocutor privilegiado do mercado financeiro. Aécio Neves também o era. E isso serve de alerta a Maia. Para que não se deslumbre; não se tenha em conta desproporcional. Leio, por exemplo, que sua gestão à frente da Câmara é considerada excelente, embora ninguém saiba explicar por que nem tampouco declinar por quem.  A valoração sobre um bom comando da Casa — num juízo honesto intelectualmente — deveria decorrer da percepção de que há uma agenda positiva para o país se desenvolvendo ali. Mas isso há? Qual é a agenda atual da Câmara para o Brasil? Qual é a diretriz de Maia para a Câmara? Que perfil tem a instituição hoje que a difira daquela dirigida por Cunha?

O esforço para o estabelecimento do teto de gastos públicos remonta ao final de 2016, na vigência ainda do mandato-tampão, antes de algum arrivista difundir a ideia de que Maia presidir o país seria a solução. E de lá pra cá? Ele foi reeleito em fevereiro — e temos já oito meses em que esteve diariamente nas manchetes não para o debate sobre as reformas (nesse período, só a trabalhista prosperou), mas em futricas relativas à sua relação com Temer, derivadas do surto de grandeza segundo o qual, “CEO do Brasil”, pode polarizar com o presidente da República.

É tudo muito cafona e pequeno. Há, contudo, método no projeto de se manter em evidência seja como for, ascendendo artificialmente — Parlamento como escada — enquanto a Câmara vai paralisada. O plano é óbvio. Maia pode ser instrumento a interesses vários, daí porque inflados os seus dotes, mas ainda é— e tem consciência de que é — deputado federal de apertados 53 mil votos, cuja eleição à presidência da Câmara se deu no vácuo oportunista de uma das maiores crises da história da Casa e em cuja gestão se aprovou, sob a anarquia do que se chamou de reforma política, o sonho maior do petismo: o financiamento público de campanhas eleitorais.

Ele pode até dar corda para que se especule a respeito, mas sabe que não tem densidade — voto — para ser governador. Nem senador. Sabe também que a superfície sobre a qual tenta encorpar o DEM é frágil e que, se bem-sucedido, garantirá, no máximo, a vaga de vice na chapa presidencial do PSDB. [anotem e cobrem: a carreira política de Rodrigo Maia acaba em 31 dez 2018, ou quiçá, antes;

as chances de Maia ser eleito são iguais as de Lula = ZERO; ele está pior que Lula e percebam que o sentenciado Lula sequer será candidato - presidiário não pode ser candidato.]
Com seu investimento em aparecer, Maia quer apenas se reeleger, mas com votação expressiva, entre as maiores do Estado do Rio de Janeiro, e depois ser reeleito presidente da Câmara. Afinal, também ele tem motivos para não arriscar eleitoralmente em 2018ou não está citado nas delações da Odebrecht que podem lhe valer uma denúncia a qualquer momento?  Como qualquer outro, quer — precisa — manter o foro especial. Não está onde está por suas qualidades distintivas, mas por ser representativo.


Fonte: Carlos Andreazza - O Globo