A Segunda Turma do STF, que, ao julgar embargos, retirou delações da Odebrecht de processos sobre Lula em Curitiba, poderia, com altivez, também ouvir o plenário
O apoio
ao combate à corrupção no país é de tal ordem que alguém já disse que a muitos,
hoje, é mais fácil recitar os nomes dos 11 ministros do Supremo do que dos 11
titulares da seleção brasileira, isso em ano de Copa. O STF é visto pelos
brasileiros como aquele Poder que, longe das disputas políticas, toma as
decisões de acordo com a Constituição, para que o combate à corrupção se dê
dentro dos estritos marcos legais.
Ninguém sério rechaça uma decisão do
Supremo, mesmo aquelas que possam contrariar o desejo da opinião pública. O
Supremo é sempre a última palavra, a tal ponto que Rui Barbosa já disse que é a
instância que tem o direito de errar por último. [pelo andar da carruagem a atual composição do STF, com algumas exceções, parece disposta a mudar o sábio conceito de Rui Barbosa e levar muitos brasileiros a proferir o 'discurso das nulidades'.]
Não é
ilegítimo nem desafiador, porém, que, enquanto essa última palavra não venha, a
sociedade possa discutir algumas de suas decisões, enquanto couberem recursos.
É com essa perspectiva que este jornal faz essas considerações sobre a decisão
da Segunda Turma que, na terça-feira, tirou da 13ª Vara Federal de Curitiba
trechos das delações da Odebrecht relativos ao sítio de Atibaia e à compra de
um terreno para o Instituto Lula. O ex-presidente é acusado pelo Ministério
Público de ser o verdadeiro dono do sítio, beneficiado por reformas em parte
pagas pela Odebrecht, que, também, teria comprado um terreno para a construção
de uma nova sede do Instituto Lula, tudo como propina em troca de favores.
Em
recurso, a defesa alegou que tais depoimentos não faziam uma ligação direta
entre os favores e contratos da Petrobras, o que impediria a sua remessa a
Curitiba, que, por decisão do Supremo, julga apenas casos ligados à
petrolífera. Em outubro do ano passado, o relator do caso, ministro Edson
Fachin, disse: “Os fatos relatados pelos colaboradores (...) dizem respeito a
possíveis repasses de verbas indevidas para custeio de despesas do
ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ora agravante,
realizadas em contrapartidas a favorecimentos ao grupo empresarial Odebrecht.
Esses fatos, segundo o Ministério Público Federal, teriam sido praticados
diretamente em detrimento da Petrobras, o que determinou a solicitação e a
providência impugnada.” Por unanimidade, a Segunda Turma concordou com o
ministro e manteve os trechos dos depoimentos em Curitiba. Por unanimidade,
repita-se.
A defesa
entrou com os conhecidos embargos de declaração, que o artigo 338 do regimento
interno do STF assim delimita: “Se os embargos forem recebidos, a nova decisão
se limitará a corrigir a inexatidão, ou a sanar a obscuridade, dúvida, omissão
ou contradição, salvo se algum outro aspecto da causa tiver de ser apreciado
como consequência necessária.” Depois de terem julgado o mesmo pedido
improcedente no mérito, três ministros, ao julgarem os embargos, encontraram
“algum outro aspecto da causa”, que teve “de ser apreciado como consequência
necessária.” E mudaram radicalmente seus votos, dando razão à defesa e
retirando de Curitiba os depoimentos. Esse tipo de decisão, em embargos de
declaração, é muito pouco frequente.
A decisão
da Segunda Turma não retirou os processos de Curitiba. O do sítio lá está
porque, entre outros motivos, outra empreiteira, a OAS, admite que as
benfeitorias foram feitas como retribuição a vantagens indevidas em contratos
com a Petrobras. O processo do terreno lá se encontra porque ele foi comprado,
segundo o MP, com dinheiro de uma conta também abastecida pela Braskem, da
Odebrecht, que tem a Petrobras como sócia. Ora, se é assim, é custoso entender
por que razão os depoimentos da Odebrecht não possam constar dos processos,
mesmo que se admita que neles não haja uma relação direta, explícita, com
contratos da Petrobras. Faz sentido impedir, por questões formais, que
processos que já contam com testemunhas e provas das mais diversas fontes
possam se beneficiar dos depoimentos da Odebrecht?
Talvez
sim. É provável, contudo, que a Procuradoria-Geral da República entre com seus
embargos na Segunda Turma e que peça que a questão seja julgada pelo plenário.
Não pairem dúvidas de que este jornal considera as turmas do STF aptas para
julgarem os processos que lhes chegam de maneira isenta, independente e de
acordo com a Constituição, como têm feito. Dado o histórico da questão
específica, porém, em que uma unanimidade, no mérito, se transforma numa
maioria em embargos de declaração num sentido contrário, seria bom para a
segurança jurídica que a Segunda Turma, com sensibilidade e altivez, aceitasse
ouvir o plenário.
Editorial - O Globo