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quinta-feira, 26 de abril de 2018

Em nome da segurança jurídica



A Segunda Turma do STF, que, ao julgar embargos, retirou delações da Odebrecht de processos sobre Lula em Curitiba, poderia, com altivez, também ouvir o plenário

O apoio ao combate à corrupção no país é de tal ordem que alguém já disse que a muitos, hoje, é mais fácil recitar os nomes dos 11 ministros do Supremo do que dos 11 titulares da seleção brasileira, isso em ano de Copa. O STF é visto pelos brasileiros como aquele Poder que, longe das disputas políticas, toma as decisões de acordo com a Constituição, para que o combate à corrupção se dê dentro dos estritos marcos legais. 

Ninguém sério rechaça uma decisão do Supremo, mesmo aquelas que possam contrariar o desejo da opinião pública. O Supremo é sempre a última palavra, a tal ponto que Rui Barbosa já disse que é a instância que tem o direito de errar por último. [pelo andar da carruagem a atual composição do STF, com algumas exceções, parece disposta a mudar o sábio conceito de Rui Barbosa e levar muitos brasileiros a proferir o 'discurso das nulidades'.]
 
Não é ilegítimo nem desafiador, porém, que, enquanto essa última palavra não venha, a sociedade possa discutir algumas de suas decisões, enquanto couberem recursos. É com essa perspectiva que este jornal faz essas considerações sobre a decisão da Segunda Turma que, na terça-feira, tirou da 13ª Vara Federal de Curitiba trechos das delações da Odebrecht relativos ao sítio de Atibaia e à compra de um terreno para o Instituto Lula. O ex-presidente é acusado pelo Ministério Público de ser o verdadeiro dono do sítio, beneficiado por reformas em parte pagas pela Odebrecht, que, também, teria comprado um terreno para a construção de uma nova sede do Instituto Lula, tudo como propina em troca de favores.

Em recurso, a defesa alegou que tais depoimentos não faziam uma ligação direta entre os favores e contratos da Petrobras, o que impediria a sua remessa a Curitiba, que, por decisão do Supremo, julga apenas casos ligados à petrolífera. Em outubro do ano passado, o relator do caso, ministro Edson Fachin, disse: “Os fatos relatados pelos colaboradores (...) dizem respeito a possíveis repasses de verbas indevidas para custeio de despesas do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ora agravante, realizadas em contrapartidas a favorecimentos ao grupo empresarial Odebrecht. Esses fatos, segundo o Ministério Público Federal, teriam sido praticados diretamente em detrimento da Petrobras, o que determinou a solicitação e a providência impugnada.” Por unanimidade, a Segunda Turma concordou com o ministro e manteve os trechos dos depoimentos em Curitiba. Por unanimidade, repita-se.

A defesa entrou com os conhecidos embargos de declaração, que o artigo 338 do regimento interno do STF assim delimita: “Se os embargos forem recebidos, a nova decisão se limitará a corrigir a inexatidão, ou a sanar a obscuridade, dúvida, omissão ou contradição, salvo se algum outro aspecto da causa tiver de ser apreciado como consequência necessária.” Depois de terem julgado o mesmo pedido improcedente no mérito, três ministros, ao julgarem os embargos, encontraram “algum outro aspecto da causa”, que teve “de ser apreciado como consequência necessária.” E mudaram radicalmente seus votos, dando razão à defesa e retirando de Curitiba os depoimentos. Esse tipo de decisão, em embargos de declaração, é muito pouco frequente.

A decisão da Segunda Turma não retirou os processos de Curitiba. O do sítio lá está porque, entre outros motivos, outra empreiteira, a OAS, admite que as benfeitorias foram feitas como retribuição a vantagens indevidas em contratos com a Petrobras. O processo do terreno lá se encontra porque ele foi comprado, segundo o MP, com dinheiro de uma conta também abastecida pela Braskem, da Odebrecht, que tem a Petrobras como sócia. Ora, se é assim, é custoso entender por que razão os depoimentos da Odebrecht não possam constar dos processos, mesmo que se admita que neles não haja uma relação direta, explícita, com contratos da Petrobras. Faz sentido impedir, por questões formais, que processos que já contam com testemunhas e provas das mais diversas fontes possam se beneficiar dos depoimentos da Odebrecht?

Talvez sim. É provável, contudo, que a Procuradoria-Geral da República entre com seus embargos na Segunda Turma e que peça que a questão seja julgada pelo plenário. Não pairem dúvidas de que este jornal considera as turmas do STF aptas para julgarem os processos que lhes chegam de maneira isenta, independente e de acordo com a Constituição, como têm feito. Dado o histórico da questão específica, porém, em que uma unanimidade, no mérito, se transforma numa maioria em embargos de declaração num sentido contrário, seria bom para a segurança jurídica que a Segunda Turma, com sensibilidade e altivez, aceitasse ouvir o plenário.

Editorial - O Globo
 

terça-feira, 24 de outubro de 2017

O projeto Maia

Rodrigo Maia só é presidente da Câmara, reeleito em fevereiro deste ano, como produto de mais um golpe na Constituição (parágrafo 4º do artigo 57) e de um bico no regimento interno (artigo 5º) da Casa que comanda. Os textos são expressos: numa mesma legislatura, num período de quatro anos, ninguém pode ocupar o mesmo cargo, na Mesa Diretora da Câmara, duas vezes seguidas.

Devedor de Michel Temer para que lá chegasse, Maia concluiu o mandato de Eduardo Cunha — e lhe herdou os limites. Tinha conhecimento disso ao se projetar como candidato a tampão. Só se reelegeu porque o Supremoessa corte estranha, que toma prerrogativas constitucionais do Legislativo quando não pode, mas que faz corpo mole quando um Poder distorce a leitura da Carta Magna de que deveria ser guardião deixou passar.

E aí está: Maia, empoderado por manobra ilegal, muito à vontade para confessar ter extrapolado a função protocolar de presidente da Câmara (de modo a derrubar a primeira denúncia contra Temer) somente para exibir sua força — e isso com a intenção de ameaçar o presidente da República. Ou terá querido dar recado diferente ao dizer — em resposta ao advogado Eduardo Carnelós — que, depois de tudo o que fizera por Temer, aquilo de que se julgava vítima não era aceitável e que, a partir de então, cumpriria exclusivamente seu papel institucional? Oi? Que “tudo” é esse? O que fez Maia — por Temer — para além do que estritamente lhe cabia? Sabe-se agora que pretende ser apenas o presidente da Câmara acerca da segunda denúncia contra Temer. Ok. Mas: será essa doravante uma condição estável, ou algo pode fazer com que mude e possa novamente, aqui ou acolá, dar uma força ao presidente ou a qualquer outro enrolado?

Noto, à margem, que o motivo do conflito foi a publicação, no site da Câmara, de vídeos com a delação de Lúcio Funaro. Material que a assessoria de Edson Fachin, diante do imbróglio, formalmente comunicou estar sob sigilo, mas que continuaria disponível, no mesmo lugar, como se não consistisse numa afronta a uma determinação do Judiciário. Mesmo, porém, que não houvesse sigilo: nada obrigava a Câmara a dar publicidade aos vídeos. Se o fez, a responsabilidade é de seu presidente —e é natural que se leia no fato, na semana em que a Casa trata da denúncia contra Temer, um gesto autoritário para efeito político.

Sei que o homem é querido por gente influente, fonte farta para o jornalismo de fofoca e interlocutor privilegiado do mercado financeiro. Aécio Neves também o era. E isso serve de alerta a Maia. Para que não se deslumbre; não se tenha em conta desproporcional. Leio, por exemplo, que sua gestão à frente da Câmara é considerada excelente, embora ninguém saiba explicar por que nem tampouco declinar por quem.  A valoração sobre um bom comando da Casa — num juízo honesto intelectualmente — deveria decorrer da percepção de que há uma agenda positiva para o país se desenvolvendo ali. Mas isso há? Qual é a agenda atual da Câmara para o Brasil? Qual é a diretriz de Maia para a Câmara? Que perfil tem a instituição hoje que a difira daquela dirigida por Cunha?

O esforço para o estabelecimento do teto de gastos públicos remonta ao final de 2016, na vigência ainda do mandato-tampão, antes de algum arrivista difundir a ideia de que Maia presidir o país seria a solução. E de lá pra cá? Ele foi reeleito em fevereiro — e temos já oito meses em que esteve diariamente nas manchetes não para o debate sobre as reformas (nesse período, só a trabalhista prosperou), mas em futricas relativas à sua relação com Temer, derivadas do surto de grandeza segundo o qual, “CEO do Brasil”, pode polarizar com o presidente da República.

É tudo muito cafona e pequeno. Há, contudo, método no projeto de se manter em evidência seja como for, ascendendo artificialmente — Parlamento como escada — enquanto a Câmara vai paralisada. O plano é óbvio. Maia pode ser instrumento a interesses vários, daí porque inflados os seus dotes, mas ainda é— e tem consciência de que é — deputado federal de apertados 53 mil votos, cuja eleição à presidência da Câmara se deu no vácuo oportunista de uma das maiores crises da história da Casa e em cuja gestão se aprovou, sob a anarquia do que se chamou de reforma política, o sonho maior do petismo: o financiamento público de campanhas eleitorais.

Ele pode até dar corda para que se especule a respeito, mas sabe que não tem densidade — voto — para ser governador. Nem senador. Sabe também que a superfície sobre a qual tenta encorpar o DEM é frágil e que, se bem-sucedido, garantirá, no máximo, a vaga de vice na chapa presidencial do PSDB. [anotem e cobrem: a carreira política de Rodrigo Maia acaba em 31 dez 2018, ou quiçá, antes;

as chances de Maia ser eleito são iguais as de Lula = ZERO; ele está pior que Lula e percebam que o sentenciado Lula sequer será candidato - presidiário não pode ser candidato.]
Com seu investimento em aparecer, Maia quer apenas se reeleger, mas com votação expressiva, entre as maiores do Estado do Rio de Janeiro, e depois ser reeleito presidente da Câmara. Afinal, também ele tem motivos para não arriscar eleitoralmente em 2018ou não está citado nas delações da Odebrecht que podem lhe valer uma denúncia a qualquer momento?  Como qualquer outro, quer — precisa — manter o foro especial. Não está onde está por suas qualidades distintivas, mas por ser representativo.


Fonte: Carlos Andreazza - O Globo

 

domingo, 6 de novembro de 2016

O tsunami está chegando

É hora de delações da Odebrecht e de Lava Jato, não de brincar com fogo

Na superfície, o Congresso discute a PEC dos gastos e as eleições para as presidências de Câmara e Senado e para as lideranças de blocos e partidos. Nas profundezas, sofre, sem saber (e sem ter) o que fazer, diante do tsunami que começa nesta segunda-feira, 7 de novembro: a meia centena de delações da Odebrecht sobre as relações promíscuas com o mundo político.

Para agilizar os trabalhos e ir logo ao ponto, a sistemática mudou. Os 50 delatores vão apresentar amanhã suas revelações por escrito, depois serão chamados para confirmar o que escreveram e a força-tarefa da Lava Jato pretende ter a homologação das delações da Odebrecht em mãos até 20 de dezembro, quando o Judiciário entra em recesso. Aliás, o Congresso também, por volta da mesma data.

Pelo que foi vazado, serão listados de 150 a 300 políticos de praticamente todos os partidos. Isso abre uma nova era na Lava Jato, que não só deixa estressados deputados, senadores, governadores, prefeitos e seus antecessores, como também exige uma enorme responsabilidade da Justiça, MP e PF.  Se os investigados estarão alvoroçados, os investigadores – e a mídia – estarão entre duas pressões políticas e psicológicas: de um lado, a acusação de que a Lava Jato é uma armação demoníaca só para eliminar o PT; de outro, o pânico nos três Poderes de que todos os políticos e partidos sejam jogados na fogueira, arrastando o Congresso, pilar da democracia, para o quinto dos infernos.

Juízes, procuradores e policiais não raciocinam (ou não deveriam raciocinar) subjetivamente, com base em consequências políticas, mas sim objetivamente, atentos a fatos, crimes e criminosos. Mesmo assim, é preciso frieza e maturidade para se equilibrar entre essas duas pressões e com a opinião pública querendo sangue e linchamentos.

O ponto zero é uma pergunta: alguém neste País não sabia que a Odebrecht fazia doações para campanhas majoritárias (Presidência, governos e Senado) e muitas proporcionais (especialmente Câmara)? Isso é público, notório, parte da paisagem. Até aí, morreu Neves. O complicado é identificar quem é quem, o que é o quê. Quem usou dinheiro da Odebrecht (ou de que doadora for) para aumentar patrimônio e enriquecer contas particulares na Suíça e em paraísos fiscais; quem usou o pretexto da campanha para levar uma parte por fora; quem negociou doação à custa de corrupção em órgãos públicos e estatais; quem efetivamente usou o dinheiro em campanhas, mas com caixa dois; quem recebeu recursos para sua campanha conforme a lei em vigor.

Fazer carnaval, ou manchete, com o fato de fulano(a), beltrano(a) e sicrano(a) receberem financiamento da Odebrecht para concorrer a algum mandato não ajuda o processo, não clareia o mundo no mínimo nebuloso das campanhas e não educa a opinião pública para a importância da política limpa e para os perigos da corrupção. Logo, é um desafio e tanto, com a patrulha na cola e as estruturas do Congresso tremendo.

Um adendo: quem alardeia essas ideias pirotécnicas, ou piromaníacas, de derrubar Michel Temer para pôr Fernando Henrique no lugar já pensou em quem, como, onde e por quê? O colégio eleitoral seria o Congresso, onde, logo, logo, mais de uma centena de camaradas estarão na fila da Lava Jato. A reação automática seria que o PSDB tirou Dilma e pôs Temer para, aí, sim, dar um golpe. E a economia, a política, a imagem do País e a paciência da sociedade explodiriam de vez.

O Brasil passa por uma real faxina de métodos e costumes, tentando pavimentar uma política mais ética, um futuro mais digno e FHC, além de ter mais de 80 anos e um marca-passo, é um homem de bom senso e um sociólogo com responsabilidade histórica. Sabe que a hora é de Lava Jato, não de brincar com fogo.


Fonte: O Estado de S. Paulo - Eliane Cantanhêde