Na época, Miller já havia informado a Janot sobre sua saída do órgão, mas ainda não tinha se desligado oficialmente da PGR. A delação do Grupo J&F veio a público em maio.
No Estadão. Comento mais tarde:
Um e-mail obtido
pelo Estadão/Broadcast mostra que o ex-procurador Marcello Miller,
enquanto trabalhava no Ministério Público Federal (MPF), traçou cenários
de possíveis benefícios penais para os irmãos Joesley e Wesley Batista,
sócios do Grupo J&F, durante negociação do acordo de delação
premiada dos empresários. Após deixar o órgão, ele começou a trabalhar
em um escritório de advocacia que prestara serviços à holding e agora é
suspeito de ter feito “jogo duplo” ao supostamente beneficiar os
colaboradores na Procuradoria-Geral da República (PGR), à época sob o
comando de Rodrigo Janot.
A mensagem consta da caixa de mensagens
de Miller e é um dos documentos sigilosos da Comissão Parlamentar Mista
de Inquérito (CPI Mista) da JBS, instalada no Congresso. A mensagem foi
enviada por ele para sua própria conta em 26 de março deste ano. Na
época, Miller já havia informado a Janot sobre sua saída do órgão, mas
ainda não tinha se desligado oficialmente da PGR. A delação do Grupo
J&F veio a público em maio. O texto ficou registrado com o assunto
“Minuta acordo cláusula antecipação domiciliar com trabalho”. Na
mensagem, Miller descreve, em tópicos, as possíveis “penas” e
“premiações” que poderiam ser oferecidas pelo MPF a Wesley, Joesley e
Ricardo Saud, executivo do Grupo J&F.
O ex-procurador lista, por exemplo, a
aplicação de “regime domiciliar” e a “prestação de serviços à
comunidade” como consequências do acordo. Os possíveis períodos de pena
não estão preenchidos, tendo sido substituídos por letras como “X” e
“Y”. Janot, no entanto, concedeu imunidade penal (perdão judicial) aos
empresários e executivo – cancelada em setembro sob a alegação de que
houve quebra do acordo.
“JB (Joesley Batista), UB (Wesley
Batista) e RS (Ricardo Saud) cumprirão nos moldes estabelecidos abaixo a
soma das penas privativas de liberdade a que venham a ser condenados
pelos fatos revelados nos acordos definitivos, como contrapartida à sua
colaboração: a) não mais do que X nem menos do que Y anos de reclusão em
regime domiciliar que contemple a possibilidade de deslocamentos
diurnos para desempenho de atividade laboral, com monitoramento
eletrônico individual”, diz o texto.
Em seguida, o ex-procurador menciona
a possibilidade de prestação de serviços comunitários. “X anos de
prestação de serviços à comunidade, após o cumprimento da privação de
liberdade, à razão de Y horas mensais, em localidade brasileira a ser
mantida em sigilo, que será proposta, depois de tratativas específicas
com JB, UB e RS, pelo juízo federal competente para a execução dos
acordos definitivos”, aponta Miller.
O ex-procurador também registra no
e-mail que tanto os irmãos Batista como Saud não precisariam ficar no
País, mesmo após a celebração do acordo. Esse não é o primeiro e-mail de
Miller que vem a público com fatos que estariam relacionados com sua
suposta atuação “dupla” no caso da JBS. O Estado revelou que, em
fevereiro, o ex-procurador escreveu mensagem com um roteiro sobre
possível proposta de honorários em um eventual acordo de leniência ou
delação. O pagamento mínimo, pelo texto de Miller, chegaria a R$ 15
milhões.
COM A PALAVRA, MARCELLO MILLER
A defesa de Marcello Miller respondeu,
em nota, que a mensagem traçando cenários era parte da “atividade
pontual e preparatória” do ex-procurador. “O e-mail foi escrito para ele
mesmo, a não mais de dez dias da sua já anunciada saída do Ministério
Público. Trata-se de um esboço de cláusula que não foi usado e inclui
elementos de vários acordos já tornados públicos. Esse esboço –
atividade pontual e preparatória – foi feito em função de um possível
acordo de leniência, até mesmo ali mencionado, que, naquela data,
Marcello Miller não sabia quando ou mesmo se seria celebrado”, afirmou
em comunicado.
Os advogados do ex-procurador
argumentaram que o teor da mensagem corrobora sua versão dos fatos. “O
esboço contempla uma estrutura de penas privativas de liberdade e de
direitos, que não se concretizaram nos acordos que foram celebrados. A
presença dessa estrutura de penas no esboço mostra que Miller não fez
‘jogo duplo’ nem tinha informações de dentro da PGR. Mostra que Miller
imaginava critério diverso do que acabou sendo adotado na formação dos
acordos – e que sua reflexão foi irrelevante para o desfecho das
negociações”, afirmaram.
PF diz que Miller é ‘corrupto’ e que seu antigo cargo ‘não pode servir de manto protetor de práticas criminosas’
Relatório
de mais de 80 páginas levado à Justiça Federal revela os movimentos e o
suposto empenho do ex-procurador da República em favor do Grupo J&F
nas negociações para delação premiada na Procuradoria-Geral da
República quando ainda exercia função no Ministério Público Federal