Paulo Polzonoff Jr.
É sobre isso
Ao procurar uma imagem para ilustrar este texto, me ocorreu esta pergunta: Barrabás foi perdoado?
Não existe nada mais difícil do que ser misericordioso. Ou caridoso. Por isso os ensinamentos cristãos de 2000 anos atrás são tão fascinantes. E tão difíceis de serem assimilados e incorporados à vida cotidiana. Sobretudo aqui na nossa contemporaneidade, com tantos guerreiros narcisistas que, por detrás de uma tela de computador ou celular, travam guerras sem sangue, mas não isentas de vítimas.
Ao procurar uma imagem para ilustrar este texto, me ocorreu esta pergunta: Barrabás foi perdoado? - Foto: Reprodução/ Wikipedia
Moro: “Coloque-se na minha situação”. Eu: “É pra já!”
Para mim, tudo isso é castigo o bastante. E é justamente por isso que a anulação das sentenças contra Lula não faz nem cócegas. Tá, talvez faça um pouquinho, mas só na planta do pé. Mas sou exceção, reconheço. E também vacilo nessa minha excepcionalidade. A depender da cor do meu café-com-leite matinal e do formato e do peso das nuvens, tendo a ser mais ou menos severo com esses líderes que se veem como deuses, mas (sabemos eu e você e até a torcida do Flamengo) não passam de cadáveres prematuros à espera da terra que os cobrirá – porque cobrirá a todos nós.
Castigo maior, para mim, seria dar a Lula uma cópia de “A Morte de Ivan Ilitch” ou “Lições de Abismo” e trancafiá-lo por alguns anos, até que ele saísse do cativeiro com uma compreensão profunda de sua existência. Mas talvez isso seja uma forma de tortura proibida pela Convenção de Genebra – menos pelas obras-primas citadas e mais pela crueldade de obrigar alguém a se olhar no espelho por tanto tempo. Eu mesmo talvez não suporte se um dia for obrigado a passar mais de cinco minutos diante do amontoado de pecados e erros que sou.
E, antes que você fique aí todo revoltadinho porque citei Lula e não Bolsonaro ou Moro ou Doria ou o Cabo Daciolo, aqui está a frase que, apesar da obviedade, há de me redimir na manhã nublada de domingo em que escrevo este texto: não estamos cercados nem somos liderados por santos de nenhum tipo. E todos esses homens que sobem ao púlpito da política para oferecer nossa sanidade em sacrifício à deusa Democracia, fomentando uma guerra fratricida (ou parricida, no caso do meu amigo que brigou com o pai petista), são dignos, sim, da nossa mais sincera pena, misericórdia, caridade.
E na vida?
Exercer a misericórdia na vida cotidiana é ainda mais difícil do que na política. E eu, como todos nós, erro mais do que acerto. Mas, na base do estudo, da experiência e das muitas (muitas mesmo!) surras da vida, essa professorinha atraente, mas severa, aprendi um bocado ao longo dos últimos anos. E se você acha que a frase anterior é expressão de uma vaidade repreensível e até repugnante (e é mesmo), tente ser misericordioso comigo agora (tentarei também).
Hoje em dia, com os joelhos eternamente ralados pelos tropeços da juventude, quando vejo perto de mim uma manifestação do que considero canalhice & perversidade, não saio correndo para escrever sobre o assunto e o ofensor e, pateticamente, tentar fazer justiça com as parcas sílabas que me sói encadear na forma de argumentos e insultos literários. De jeito nenhum! Quando vejo perto de mim (real ou virtualmente) o dito-cujo se regozijando com a maldade própria ou alheia, só me permito ceder à raiva privada – àquele xingamento dito para o apartamento vazio e que talvez se prolongue pela Eternidade, mas tomara que não.
Exige esforço. Nunca ninguém disse que era fácil. A mim o silêncio só me vem a muito custo – espero que não o de uma gastrite nervosa. Outro dia mesmo, ao me deparar com a perversidade pública e mal-disfarçada de um desses parasitas, tive ganas de gritar ao mundo o nome dele. De compor uma crônica que deixasse clara a minha revolta. E até de procurar meios formais de reparação – talvez a maior estupidez do nosso tempo, à qual, ao que parece, não estou imune.
Mas daí me lembrei dessa milenar ideia frágil: a misericórdia. Fechei os olhos por um instante e me lembrei da voz mansa e covarde, da magreza pachequenta, dos olhos vazios de quem alcançou a velhice sem jamais ter saboreado um único momento de sabedoria. E entendi, numa lição que precisa ser reaprendida diariamente, que para alguns a vida é apenas uma sucessão de dias. “Coitado”, concluí, sem brilhantismo nem indignação. E fui dormir o sono pesado que me é de direito.
Porque, parafraseando o historiador e político romano Tácito, numa frase que serve tanto para o canalha-ao-lado quanto para o líder no palanque, na vida sempre haverá aqueles que, cercados pela mais cretina miséria moral (e política), insistirão em chamar isso de vitória. E até de vida.
Paulo Polzonoff Jr., colunista - Gazeta do Povo - VOZES