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segunda-feira, 8 de junho de 2020

"O Supremo Tribunal Federal e o Inquérito 4781: a maior fake news do Século XXI", por Milton Córdova Junior Advogado

“Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito. HC 73.454, Relator Ministro Maurício Corrêa, j. 22-4-1996, 2ª T, DJ de 7/6/1996).”

Uma das maiores farsas do Século XXI está em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), graças à omissão e subserviência do Congresso Nacional: trata-se do Inquérito 4781 (tribunal de exceção), instaurado inconstitucionalmente em 14.03.2019 sob o sistema inquisitório.
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Esse sistema foi abolido explicitamente pela Constituição de 1988 em razão do advento do sistema acusatório, nos termos do art. 1º, caput (Estado Democrático de Direito) c/c art. 129, inc. I (Ministério Público como titular da ação penal). Talvez os professores de Direito da USP desconheçam esse fato, não o transmitindo para seus alunos.
O tal Inquérito 4781 é um inquérito fake, uma verdadeira afronta ao Estado Democrático de Direito, este introduzido na Carta Magna de 1988, princípio fundamental da República plasmado no artigo 1º, caput.
O estado de direito é aquele que se opõe ao estado baseado no uso arbitrário do poder, absolutamente incompatível com o sistema inquisitório, que surgiu como forma de salvaguardar os interesses de persecução do poder central, tendo prevalecido na Idade Média; sua derrocada se deu com a Revolução Francesa. A Constituição de 1967 não previa o Estado Democrático de Direito.
Conforme noticiou a Gazeta do Povo,
“O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito criminal para apurar notícias falsas (fake news) e ataques feitos a ministros da Corte. (...) “Em seguida, o presidente da Corte leu a portaria assinada por ele para a instauração do inquérito. ‘Considerando a existência de notícias fraudulentas, conhecidas como fake news, denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de ânimos caluniante, difamante e injuriante, que atingem a honorabilidade e segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares, resolve, como resolvido já está, nos termos do artigo 43 e seguintes do regimento interno, instaurar inquérito criminal para apuração dos fatos e infrações correspondentes em toda a sua dimensão'”.
A inconstitucionalidade – ou melhor, fake news! - encontra-se nesta frase: nos termos do artigo 43 e seguintes do regimento interno. A gravidade da situação é evidente: o artigo 43 do RISTF não é proveniente da Constituição nem da lei: provém de um mero regimento interno. Risível, se não fosse trágico, o desvio de finalidade que Toffoli atribuiu ao referido artigo.
Eis o teor do art. 43 do RISTF:
“Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro”.
Ainda que sob a égide da Constituição de 1967 o STF não tinha prerrogativa para inserir o texto do art. 43 em seu RISTF, seu teor é claríssimo: a infração penal teria que ter ocorrido “na sede ou dependência do Tribunal”.
Entretanto, o ministro Dias Toffoli conseguiu transformar o que já era absurdo e teratológico num verdadeiro circo dos horrores: alegou que embora os supostos crimes não tenham sido praticados dentro do prédio do Supremo (ou seja, ele admite isso), os ministros, supostas vítimas das suspeitas investigadas, "são o tribunal". Vergonhoso é o silêncio constrangedor dos demais ministros a respeito do absurdo proferido por seu presidente; talvez até sintam comiseração por ele.
Mais adiante, o art. 46 do RISTF dispõe que
Art. 46. Sempre que tiver conhecimento de desobediência a ordem emanada do Tribunal ou de seus Ministros, no exercício da função, ou de desacato ao Tribunal ou a seus Ministros, o Presidente comunicará o fato ao órgão competente do Ministério Público, provendo-o dos elementos de que dispuser para a propositura da ação penal.
Vislumbra-se que o teor do art. 46 do RISTF vai ao encontro da finalidade pretendida pelo presidente do STF, que por óbvio é intimidar os críticos do Tribunal, que vem reiteradamente invadindo as competências dos demais Poderes – abrindo caminho, inclusive, para a aplicação do controvertido artigo 142 da Constituição. É flagrante o desvio de finalidade do referido inquérito-fake. Ocorre que o texto do artigo 46 do RISTF, que determina a comunicação ao Ministério Público, foi convenientemente esquecido e não foi por acaso. É que a sua simples existência anula por completo a finalidade que Dias Toffoli pretende conferir ao art. 43 (supondo, por hipótese, que esse artigo tivesse sido recepcionado pela Constituição de 1988, o que não é o caso).

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