Portanto, não poderia julgar nada que tivesse
relação com qualquer dos dois
Entre
tudo o que está torto no Brasil de hoje uma das coisas mais esquisitas, sem
dúvida, é a facilidade que as pessoas mostram para conviver 24 horas por dia
com todo o tipo de absurdo. Pense numa aberração qualquer: ela vai estar bem na
sua frente. Talvez seja parecido em algum fundão da África, mas aqui deveria
ser diferente. Afinal, o Brasil é um país metido a ser “sério”, não é mesmo?
Temos “instituições”, política externa independente e Banco Central. Temos
analistas políticos e comunicadores bem informados.
Tivemos, até, um sociólogo
como presidente da República. Mas qual o quê: quanto mais pose o Brasil faz,
maiores e mais agressivos são os disparates que está disposto a aceitar. Não é
preciso nenhum esforço para obter provas materiais, imediatas e indiscutíveis
dessa degeneração. Daqui a pouco tempo, só para ficar num dos exemplos mais
espetaculares de alucinação colocados à disposição do público no momento, o
ministro Antonio Toffoli vai assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal.
Isso quer dizer o seguinte: o mais elevado tribunal de justiça do país está à
beira de ser presidido por um cidadão que foi reprovado duas vezes – duas
vezes, uma depois da outra – no concurso para juiz de direito. Pode uma coisa
dessas? É claro que não pode, pelos fundamentos mais elementares da lógica
comum e da sanidade mental exigida para a vida pública em qualquer nação do
mundo. Seria como aceitar que 2 mais 2 são 22. Mas é exatamente isso, sem tirar
nem por um milímetro de exagero, que estão fazendo você engolir.
Não é
implicância. É apenas a observação banal dos fatos. Não dá para achar normal
que um indivíduo considerado incompetente para ser juiz da comarca mais
ordinária do interior, como ficou provado e comprovado nos dois exames em que
levou bomba, possa ser um dos 11 juízes supremos do Brasil – ou pior ainda, ser
o presidente de todos eles. Qual é a vantagem que a população poderia obter com
a presença de um repetente desses no STF? Nenhum dos gigantes da nossa vida
pública, que aceitam mansamente a presença de Toffoli na presidência do STF,
conseguiria explicar porque raios uma aberração com este grau de grosseria deve
ser imposta a 200 milhões de brasileiros. Não conseguem, simplesmente, porque
nenhum ser humano consegue. Fica-se assim, então: Toffoli, pelos conhecimentos
que demonstrou, não tem capacidade para ser juiz nem de um jogo de futebol, mas
pode ser presidente do mais alto tribunal de justiça do país. Não perca o seu
tempo tentando entender. É impossível entender.
Naturalmente,
como diz a velha máxima popular italiana, não existe limite para o pior.
Toffoli não apenas é uma nulidade em matéria de direito, segundo o parecer dos
examinadores que julgaram duas vezes a sua aptidão profissional – é também um
fenômeno de suspeição e parcialidade provavelmente sem similar no mundo
civilizado. Foi nomeado para o STF pelo ex-presidente Lula depois de ter sido
alto funcionário do seu governo e, antes disso, advogado do PT. Está no cargo
exclusivamente porque prestou serviços a Lula e a seu partido — e, portanto,
não poderia julgar nada que tivesse a menor relação com qualquer dos dois. Mas
o que está acontecendo é justamente o contrário.
Toffoli é um dos 11 juízes que
a cada meia hora decidem mais um recurso dos advogados do ex-presidente, na
tentativa permanente de anular sua condenação a 12 anos de cadeia por corrupção
e lavagem de dinheiro. Vem aí, então, mais uma pergunta muito simples: você
acredita que nessa hora de pressão máxima o ministro que deve tudo ao PT e a
Lula vai esquecer os favores que recebeu e se comportar com a imparcialidade
obrigatória de um magistrado? (Ninguém está pedindo que ele seja um rei
Salomão. Basta que não se comporte como um despachante dos advogados do réu.) E
se você realmente acredita nisso, poderia dar três motivos (ou dois, ou pelo
menos um) capazes de explicar porque alguém como Toffoli merece tal fé?
O
ministro Toffoli e quem o leva a sério, a começar pelos colegas que o chamam de
excelência, pela mídia e pelo mundo oficial, insistem todos os dias em tratar o
Brasil como um país de idiotas. Esse é o fato da vida real: todo o resto é conversa
fiada. Não espere melhorias a curto prazo. Temos aí uns vinte candidatos a
presidente da República, e eleições daqui a três meses. Nenhum deles, mas
nenhum mesmo, abriu o bico até agora para dizer uma única palavra sobre o
despropósito descrito acima. A única conclusão é que estão todos de acordo com
essa queda livre na insensatez.
J R Guzzo - Publicado
na edição impressa de VEJA