Bataclan foi um ataque ao prazer, foi um ataque a tudo que amamos: a alegria, o sexo, a música, a liberdade, a beleza
A
maior descoberta dos assassinos do Estado Islâmico foi a mídia. Foram
as redes sociais. A Al-Qaeda dependia da decisão do líder Osama. Hoje
não há mais um chefe total, mas milhares de jihadistas em rede. Osama
era analógico, o EI é digital. Outra grande descoberta dos ratos de Alá
foi o “indivíduo ocidental.” Não há mais um atentado puramente político
ou religioso, mas a busca do grande horror que só a morte individual
desperta. “Já pensou se eu estivesse lá?”
Como dizia o Stálin: “A morte de milhões é uma estatística; a morte de um só é uma tragédia”.
Eles
descobriram o uso da tragédia ao vivo, o furo em nossa compaixão,
quando começaram a degolar pessoas diante das câmeras. A descoberta
também da mise-en-scène: vídeos de alta resolução com os
carrascos vestidos com um “terror fashion”, preto e amarelo, botas,
capuzes, impecavelmente vestidos, chiquérrimos diante dos pobres diabos
ajoelhados. Eles vêm marchando diante de uma bela praia, lindo sol no
mar, e vapt! Degolam.
E isso impressiona os jovens imbecis que enchem o mundo.
Mais
de dois mil ratos malucos foram lutar no EI; 500 já voltaram... Que
farão eles? Parece que mataram o filho da p... inglês Jihad John, mas
outros virão.
Eles também trazem a morte a lugares
do prazer. Onde houver alegria traremos a morte — pensam — como na
discoteca de Bali (lembram?) ou sexta-feira 13 no Bataclan de Paris.
Escolheram Paris, o orgulho da civilização e da democracia. É lá que
atacam. Bataclan foi um ataque ao prazer, foi um ataque a tudo que amamos: a alegria, o sexo, a música, a liberdade, a beleza.
Outra
coisa que nos fascina/apavora nesses ratos sujos é que eles querem
atingir a plenitude do Mal, por si mesmo. Eles querem superar o demônio,
desmoralizar o demônio. É preciso destruir a
beleza dos monumentos, queimar vivos prisioneiros, cabeças cortadas,
eles querem provocar nosso horror e cuspir na imagem de Bem que ainda
professamos. Eles querem o mal absoluto. E o mal absoluto não pode ter
motivo.
Há alguns anos eu vi um homem sendo
decapitado. Chegou um vídeo completo na TV e vi. Um bando de demônios de
preto, gritando “Só Deus é grande!” agarram o pobre americano e lhe
cortam o pescoço como o de um porco. Ele grita enquanto a cabeça lhe é
arrancada, com o sangue que lhes suja as mãos, enquanto eles gargalham
de felicidade, porque se sentem mais perto do céu: a cada cão infiel
morto à faca eles sobem de ranking para a salvação.
Na
religião islâmica, a morte é um prêmio. Quando havia degola na Argélia,
eles chegavam ao detalhe de decapitar os inimigos com uma faca rombuda,
porque quanto mais o cara gritava, mais se enobrecia o degolador
perante Alá. O terrorista também quer ascensão social: um fugaz poder
com bombas no corpo, sucesso post-mortem e subida aos céus, para comer as mil virgens, as huris,
dançando de odaliscas, enquanto as desgraçadas sem clitóris vestem
burca. A guerra de nações está acabando. Agora é a guerra da teocracia
contra a tecnologia. Foram atingidos: o ateísmo, o iluminismo, a
arquitetura, a paz burguesa, o turismo, a sensação de invulnerabilidade,
o consumo.
A partir daí, todo mundo virou
cientista político. Surgiram multidões de analistas de bom senso,
tentando fazer a tragédia absurda caber numa narrativa coerente. Mas o
terror não cabe na razão. De uma forma repugnante, a verdade do mundo
apareceu. A América achava que chegaria a um futuro de paz e progresso. Tudo
o que fazemos tem o alvo da finalidade, do progresso. Os islâmicos já
estão no futuro. Seu futuro é hoje. Não há passado. Nunca estiveram tão
presentes como agora.
O Islã não quer progresso.
Quer o imóvel, a verdade incontestável. O Islã transcendeu o político há
muito tempo. Suas multidões jazem na miséria, conformadas, perfazendo
um ritual obsessivo cotidiano do Corão que as libertou da dúvida e da
consciência de si. Nós temos a ilusão da
liberdade. Eles nem sabem que porra é essa. Graças a Alá — pois Islã
significa “submissão”. O “projeto” agora é procurar bombinhas em aviões,
localizar bueiros com bombas e cartas venenosas. O Islã está nos
expondo ao ridículo.
Acabaram também com o
conceito de “vitória”. Não há mais vitória contra inimigos invisíveis. O
homem-bomba não existe — ele se volatiliza em segundos. Sua força está
em “não existir”. A grande arma secreta do Islã é o suicídio. Não o
suicídio melancólico dos ocidentais, mas o suicídio triunfal, feliz,
ativo, o suicídio como esperança.
Quem diria que o novo século,
tecnocientífico, sucumbiria a essas sinistras macumbas?
Eles
trouxeram a peste para o Ocidente. Eles nos odeiam, eles têm inveja de
nós, porque vivem no lixo do deserto, nós somos civilizados, e eles, uma
barbárie da Idade Média. E vamos parar com o papo meio
“esquerdofrênico” de que estamos pagando pelo mal que lhes fizemos no
passado. Nada disso. Não são mais “consequência” de nada, eles são a
vanguarda de uma nova forma de morte, agora que tiveram a ideia de usar
as máquinas do Ocidente, aviões e mísseis contra os infiéis. Pode? A
morte não estará mais num leito burguês, com extrema-unção e a família
chorando. A morte agora será um cachorro pelas ruas, atacando de
repente. Que fazer contra esses ratos que infestam o Oriente Médio? Como
atacar esta nova forma de crueldade?
Mas, como
resolver questiúnculas políticas lidando com gente como o Putin, por
exemplo? Deveria haver uma coalizão séria entre os países ocidentais
para ataques maciços conta os canalhas... Em suma, o que deveria ter
sido feito logo no início, quando ainda dava tempo para derrubar o
Assad. Mas, agora, talvez só reste aos países ameaçados a paranoia.
Eles
ganharam todas até agora, porque, como disse o mulá Mohammed Omar, com
desdém: “Nós amamos a morte. Você sempre gostaram de viver!”.
Fonte: Arnaldo Jabor - O Globo