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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Elio Gaspari - Tancredo Neves - filme "o paciente"

No filme de Tancredo, uma aula para hoje

A obra se Sérgio Rezende mostra como se mentiu e como se manipulou a opinião pública

Vem aí uma aula de política. É o filme “O Paciente”, de Sérgio Rezende. Conta a agonia e morte de Tancredo Neves, em 1985. Na véspera de sua posse, o presidente eleito foi internado às pressas para o que seria uma cirurgia banal, talvez de apendicite. Os médicos e os hierarcas de Brasília informaram que ele sairia do hospital em poucos dias, e os principais jornais do país noticiaram sua alta iminente em dez ocasiões. Tancredo entrou no Palácio do Planalto 36 dias depois, para o velório. O filme conta uma história dramática de erros médicos, dissimulações e mentiras que hoje soam como uma narrativa concatenada. Para quem tem menos de 40 anos, o drama faz sentido e seu desfecho é minuciosamente exposto, mas, à época, tudo o que hoje se vê no filme era segredo.
“O Paciente” é uma aula. Mostra como se mentiu e como se manipulou a opinião pública. Horas depois da primeira cirurgia, oficialmente bem-sucedida, Tancredo teve uma parada respiratória e quase morreu, mas isso foi escondido. Daí em diante, tudo o que podia dar errado, errado deu.

Othon Bastos, o Corisco de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, é um Tancredo impecável, apesar dos muitos quilos a mais. Suas expressões ressuscitam o memorável mineiro. Paulo Betti como o “professor doutor” Henrique Pinotti é um primor na exposição de um intrujão megalomaníaco e exibicionista. O egocentrismo das equipes médicas não tem exageros e é coisa de dar medo a quem entra hoje num hospital.  Quem matou Tancredo? Todos os personagens do filme, inclusive ele, que escondia seus padecimentos. Suas dores abdominais haviam começado em janeiro e ele se iludia tomando antibióticos. Deixou que os médicos falassem em apendicite, mas sabia que extraíra o apêndice havia 50 anos. (Essa é a única imprecisão do filme, pois informa que o apêndice estava lá.)

A morte de Tancredo mutilou a base da redemocratização do país, pois colocou na Presidência o vice José Sarney, assombrado pela contestação de sua legitimidade. As pessoas foram dormir esperando que na manhã seguinte veriam Tancredo com a faixa e acordaram com Sarney vestindo-a. A posse do ex-presidente do partido da ditadura era constitucional, mas não fazia sentido. Tudo bem, porque Tancredo ficaria bom. Passaram-se 33 anos e hoje não há médicos na crise, mas algumas coisas também não fazem sentido. Assim como fingia-se que Tancredo reassumiria, finge-se que Lula preso, com 39% das preferências na pesquisa do Datafolha, é apenas um detalhe. Lula foi condenado em duas instâncias e garante que nunca ouviu falar das roubalheiras petistas. Ainda assim, em vez de cair nas pesquisas, sobe. Em 1985, fez-se o que a lei mandava. Em 2018, faz-se o que a lei manda, mas pode-se intuir o tamanho da próxima crise. Felizmente, agora pode-se escolher o próximo presidente. [e o presidiário Lula sequer estará entre os que serão submetidos à escolha.]

(...)
 

FARRA FINAL
Na sua farra de fim de governo, nomeando diretores de agências reguladoras com mandatos de vários anos, o governo se superou. Foi reanimado o Conselho de Saúde Suplementar, inativo desde 2000, quando suas atribuições passaram para a Agência Nacional de Saúde. Até aí, mais uma boquinha, mas a medida incluiu um jabuti, criando uma câmara técnica “destinada à análise técnica de resoluções pretéritas”. Rever decisões tomadas há 18 anos seria coisa inútil, a menos que elas ricocheteiem, mexendo em normas criadas pela ANS.


Seria mais fácil fechar a ANS, entregando suas funções às operadoras amigas.

ETIQUETA
Michel Temer é um homem formal. Dá a impressão de que dorme de paletó e gravata. Por isso, bem que podia pedir aos ministros Moreira Franco e Raul Jungmann para calçarem meias quando forem a uma reunião pública no Jaburu, mesmo que ela aconteça num domingo. [importante: adicionalmente recomendar ao Jungmann entrar calado e sair em silêncio - quando ele fala, atrapalha tudo.]


Elio Gaspari - O Globo