Coluna publicada em O Globo - Economia 7 de março de 2019
Está marcado para a próxima semana o primeiro leilão de privatização do governo Bolsonaro. Se tudo der certo, serão concedidos à iniciativa privada 12 aeroportos, divididos em três blocos, um dos quais inclui o estratégico terminal de Recife (pouco mais de 8 milhões de passageiros/ano, uma porta de entrada para quem vem da Europa). O governo espera arrecadar pelo menos R$ 218 milhões com as outorgas, passando aos concessionários a obrigação de investir R$ 1,5 bilhão na melhoria dos terminais.
Não é um baita negócio. Os 12 aeroportos respondem por apenas 10% do movimento nacional de passageiros, mas se trata de um teste importante. Haverá muitos interessados? Virão empresas internacionais de peso? Pode-se dizer que o sucesso (ou não) do leilão dará sinais sobre a confiança no governo e no andamento das reformas para reequilibrar a economia brasileira. É, portanto, uma pauta importante, que se soma a outros temas cruciais na agenda do governo Bolsonaro: previdência, pacote Moro, formação das comissões e lideranças no Congresso. Enquanto isso, o governo ocupa o twitter global (ou seria globalista?) com um vídeo pornô posto em evidência pelo próprio presidente. O que seria isso? Permitam-se citar um aprendizado de décadas de jornalismo. Sempre que se apresenta a seguinte dúvida – terá o governo feito um lance genial que a gente não entende ou cometido um enorme equívoco – em 99% dos casos é a segunda opção que se confirma.
Dizem, por exemplo, que Bolsonaro está propositadamente desviando a atenção da reforma da previdência, um tema que reduz popularidade, para colocar na pauta temas de agrado de seu público religioso e moralista. Ou seja, ficaria todo mundo discutindo a “golden shower” enquanto a reforma da previdência passava de fininho, o Paulo Guedes vendia uma dúzia de aeroportos e Moro aprovava seu pacote. Que tal?
Não faz o menor sentido. O fato é que o presidente efetivamente se interessa mais e se ocupa mais à vontade de questões como os pecados do carnaval e a posse de armas.
Tome-se o caso da reforma da previdência. É verdade que ao apresentar a proposta no Congresso, o presidente disse que estava errado quando, como deputado, foi contra a reforma. Mas, como se o passado pesasse mais, o presidente aceitou logo de cara mudanças no texto produzido pelo seu governo – que reduzem a eficácia do projeto – e nada mais fez além de reproduzir peças de propaganda das medidas. Uma reforma dessas, como a tributária, outro exemplo, só passa com ação pessoal e convincente do presidente da República. Ou de ministros do primeiro escalão, assim credenciados pelo presidente. Ou, por outro lado, o presidente se ocupando de pornografia carnavalesca só convence seu próprio público, que não precisa ser convencido disso, mas das reformas e privatizações.
[Bolsonaro não errou ao publicar o vídeo e sim na forma como fez.
Aquele vídeo mostra apenas uma fração do que de ruim acontece no carnaval de rua.
Além do que acontece a impunidade corre solta - o mostrado no vídeo é crime, previsto na Legislação Penal e era DEVER de qualquer policial prender em flagrante os indivíduos.
Só que a própria polícia se sente desestimulada a cumprir seu DEVER - apesar de dever não ser algo para só ser cumprido se quiser.
Mas, prender aqueles 'ratos', ainda que em flagrante, resultaria em nada: seriam conduzidos a uma Delegacia, autuados em flagrante, levados a uma 'audiência de custódia' (isso se o delegado não entendesse que lavrar um termo circunstanciado seria suficiente) liberado, ficando livre para ingerir mais cerveja e fazer novo show.
ERRO DE BOLSONARO:
mais uma vez o nosso presidente demonstrou que ainda não se acostumou com, ou mesmo não entendeu, a liturgia do cargo que ocupa pela vontade soberana de quase 58.000.000 de eleitores brasileiros.
Mas é questão de tempo se acostumar - um egresso da Aman é inteligente mais do que o suficiente para se adaptar.
O que Bolsonaro deveria ter feito - afinal seu desejo de contato mais direito com o povo, nunca foi escondido, e, apesar das críticas, pode ser exercido desde que moderadamente - seria identificar vários vídeos com cenas iguais ou pior do que aquela, fazer a apresentação da forma que fez e indicar os links, colocando antes mesmo da entrada uma recomendação no sentido de 'ser material sensível'.
Mas, a denúncia foi conveniente e apenas mostrou que o carnaval de rua não é tão inocente para merecer verbas públicas;
aqui em Brasília, em vários locais e ocasiões foliões, ou bagunceiros, promoveram desordens, a polícia em alguns casos agiu com energia - tem momentos que um cassetete é excelente para repor as coisas nos lugares corretos - e agora estão preocupados em encontrar meios para punir os policiais.
A propósito, gosto de Carnaval e sou MANGUEIRA - mas, não estou obrigado a me submeter ou meus familiares a cenas deprimentes como aquela.
O carnaval de rua precisa ser moralizado e a legislação penal se tornar mais severa - o que Moro está tentando fazer.]
O silêncio de Mourão
Pena que o general Mourão, o vice-presidente, tenha evitado comentários sobre o video pornô. Seria interessante saber como ele, autor de várias declarações sensatas e moderadas, não sem alguma ginástica verbal, encontraria uma explicação qualquer para o caso. Mourão foi bem no caso da cientista política Ilona Szabó, indicada e dispensada pelo ministro Sérgio Moro para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Moro indicou-a por ter tomado conhecimento de suas ideias, críticas às propostas de Bolsonaro. E dispensou-a por pressão de uma ala do governo, com forte participação dos filhos Eduardo e Flavio Bolsonaro.
Mourão explicou bem. De um lado, disse, houve a bronca “da ala mais radical dos apoiadores do presidente”, que a considerou uma futura sabotadora. De outro, completou o vice-presidente, a esquerda, território de Ilona Szabó, também a patrulhou, acusando-a de aderir ao governo. Tudo radicalizado e errado. Ela ia participar de um conselho consultivo, sem qualquer condição de sabotar, muito menos de aderir. [o simples fato de ser da esquerda, é suficiente para qualquer elemento indicado para compor o governo, ser desconvidado, ou se empossado, demitido sumariamente.]
E quando não se pode colocar pessoas diferentes para conversar, “perde o Brasil”, comentou Mourão.
Também perde, acrescentamos, com o tal vídeo.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista