O Estado de S.Paulo
Em relação a Bolsonaro, a disposição no Supremo é de 11 x 0 quando
se trata de temas relacionados a democracia e equilíbrio entre Poderes
A suspensão da posse do delegado Alexandre Ramagem na Polícia Federal,
determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, surpreendeu o mundo
político, mas não é um fato isolado. Faz parte de um pacote de
resistência do Supremo Tribunal Federal a um governo que acha que pode
tudo, mesmo ultrapassando a linha do razoável. Em relação ao presidente
Jair Bolsonaro, a disposição é de 11 x 0 quando se trata de temas
relacionados a democracia e equilíbrio entre Poderes.
A nomeação de ministros e do próprio diretor-geral da PF é atribuição
exclusiva de presidentes da República, mas Alexandre de Moraes - que foi
secretário de Segurança Pública em São Paulo e conhece bem as polícias -
recorreu a um princípio constitucional que vem se popularizando: o da
impessoalidade e da moralidade pública.
Como delegado de carreira, não há reparo a Ramagem nem dentro nem fora
da PF, muito menos no STF. O problema está nas circunstâncias: todas as
credenciais dele se resumem à grande proximidade com Bolsonaro e seus
filhos desde a campanha eleitoral de 2018, quando chefiou o esquema de
segurança do então candidato do PSL. Ou seja: a suspeita é que Ramagem
tenha sido escolhido não para trabalhar pela PF, mas para a família
Bolsonaro.
Para reforçar a percepção, a nomeação veio no rastro da acusação do
então ministro Sérgio Moro de que o presidente queria acesso direto ao
diretor-geral, a superintendentes e a relatórios de inteligência da PF.
Para, em tese, como muitos temem, poder manipular as informações a favor
de aliados e filhos e contra adversários. Nada contra o próprio Ramagem, mas, como Ernesto Araujo era “embaixador
júnior” ao assumir o Ministério das Relações Exteriores sem jamais ter
ocupado uma embaixada, ele foi nomeado para a direção geral da PF sem
ter sido superintendente do órgão em nenhum Estado. A comparação de seu
currículo com o do antecessor Mauricio Valeixo, demitido por Bolsonaro, é
constrangedora.
O fundamental, porém, é que a decisão de Alexandre de Moraes tem
respaldo dos seus pares de toga, atentos desde a inesquecível fase do
deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) - “basta um cabo e um soldado para
fechar o Supremo” - e perplexos com o apoio explícito do já presidente
Jair Bolsonaro a atos que pedem intervenção militar, com fechamento do
Congresso e do STF.
Há na alta corte do País dois movimentos na mesma direção: a autopreservação e a garantia da democracia. As sucessivas demonstrações do Judiciário têm a adesão da cúpula do
Legislativo. A diferença é que o Supremo tem torpedos, mas o botão da
bomba atômica - autorizar ou não um pedido de impeachment - está com o
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). [Mas quem detona mesmo a bomba atômica é quem conseguir impedir que 172 deputados votem a favor do presidente Bolsonaro = contra um injustificado pedido de impeachment.] A ele, sobra uma nova
alternativa: jogar parado. E, de preferência, calado. Afinal, batalhas
têm sido inevitáveis, mas a ninguém interessa uma guerra. Resta esperar,
agora, o contra-ataque de Bolsonaro.
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo