Revista Oeste
Era uma vez um grande jornal isento chamado Falha de Sapê. Um dia esse jornal se encontrou com uma grande plataforma livre chamada O Tubo. O encontro se deu numa esquina escura da internet. Segue-se o diálogo travado entre os dois grandes veículos, a Falha e o Tubo, segundo uma fonte:
— Opa.
— Fala aí.
— Tô te esperando há um tempão.
— Desculpe. Perdi a hora censurando uns vídeos.
— Pelo menos fez o trabalho direito?
— Claro. Botei todos na sombra, pra ninguém encontrar.
— Isso é muito mais legal que remover, né?
— Muito mais. O autor fica com a ilusão de que tá falando pra um monte de gente e o vídeo dele não aparece pra ninguém ahahaha!
— Ahahaha!
— E lá no jornal? Resolveram aquele problema dos especialistas?
— Totalmente resolvido.
— Que bom. Ninguém mais tava acreditando naquele “dizem especialistas”, né?
— Tem sempre uns trouxas que acreditam em tudo. Mas era hora de mudar.
— Como é que vai ser agora?
— “Diz leitor”.
— Como assim?
— O “dizem especialistas” restringia muito, porque mal ou bem a coisa tinha que ser verossímil.
— Saquei. Genial!
— Não é? Com o “diz leitor” a gente pode falar qualquer barbaridade sem aquela chatice de ter que parecer fundamentado.
— Liberdade de expressão.
— No caso, liberdade de impressão.
— Perfeito. E ninguém reclamou que pra publicar o que o leitor diz não precisava do jornal?
— Ninguém. O pessoal recebeu como democratização do jornalismo.
— Eles compram qualquer coisa, né?
— Qualquer coisa.
— Falando em comprar: trouxe a muamba?
— Claro. Tá aqui.
— Mas não foi bem isso que a gente combinou.
— Foi o que deu pra arrumar.
— Mas faz o mesmo efeito da outra?
— Praticamente. Esse veneno realmente não resolve na hora, mas asfixia aos poucos.
— Ah, então por um lado é até melhor, né?
— Também acho. Você queria uma reportagem inventando um crime, pra poder riscar o fascista do mapa. Isso a gente não conseguiu fazer, estou com equipe reduzida.
Se eles mudarem pra Pingos nos Js acho que não teria o mesmo alcance, né?
— Muita gente de férias?
— Não. No curso de checagem.
— É bom esse curso?
— Uma porcaria. Mas a gente ganha pra fazer essa “capacitação”, aí não dá pra reclamar.
— Depois é só repetir a cartilha do patrocinador nas matérias.
— Exatamente. Claro que não precisava de curso pra isso, mas não custa nada cumprir o ritual ahaha.
— Ahaha.
— Então o que eu te trouxe é o seguinte: uma reportagem mostrando que você favorece os fascistas.
— Eu??!!
— Sim, você.
— Logo eu que vivo cortando cabeça e silenciando essa gente?
— É. No início você vai parecer mal na foto, mas logo todo mundo vai entender o jogo e te elogiar.
— Por quê?
— Porque você vai aproveitar a reportagem que eu te trouxe como justificativa pra sabotar aquele elemento mais perigoso. Não é isso que você quer?
— É. Mas como eu vou explicar o meu “favorecimento” a ele?
— Não precisa explicar. Quando você travar o canal dele, a alegria na patrulha vai ser tão grande que ninguém vai se lembrar do motivo.
— Será?
— Bom, você me disse que estava com dificuldade de boicotar esse elemento perigoso pela audiência enorme dele, que ia dar na vista. Estou te trazendo o pretexto. O resto é contigo.
— Tem razão. Obrigado. Mas posso te fazer mais um pedido?
— Manda.
— Será que algum daqueles intelectuais afetados que escrevem na Falha poderia fazer uma crítica ao alfabeto?
— Hein?
— Nem seria criticar o alfabeto inteiro. Só fazer um ataque filosófico à letra “i”.
— Como assim?
— Dizer que o “i” tem uma função subliminar de dominação das minorias pela elite branca e deveria ser banido da língua portuguesa.
— Acho que consigo sim. Posso saber pra quê?
— Pra acabar de vez com o elemento perigoso. Se eles mudarem pra Pingos nos Js acho que não teria o mesmo alcance, né?
— Bem pensado. Com certeza não. E sem o “i” a palavra Pingos também ficaria inviável.
— Isso. Atacaríamos em duas frentes.
— Deixa comigo. Vou pedir aos intelectuais aqui da Falha que pensem também numa proposta revolucionária para a substituição do “i” nas outras palavras.
— Que tal um punho cerrado?
— Genial! Você também é um intelectual. Quer escrever na Falha?
— Obrigado, não tenho tempo. Muito vídeo pra censurar.
— Imagino. Então boa sorte com a tesoura por um mundo melhor!
— Sucesso com as fake news de grife!
— É nóis!
— O certo é “nós”.
— Eu sei. É jeito de falar.
— Tá, mas vai procurando outro jeito porque nós vamos acabar com o “i”.
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Guilherme Fiuza, colunista - Revista Oeste