O título desse artigo parece encerrar uma contradição nos próprios
termos. Não há nada tão, digamos, "não fenomenal" quanto o presidente
Michel Temer. Não tem densidade eleitoral, não tem carisma, não empolga
as massas, não lidera uma corrente política com grande apelo entre os
mais pobres, não é artista ou cantor.
O contexto também lhe é hostil. Temer foi vice-presidente de um governo
de péssima qualidade, assumiu a Presidência num momento de gravíssima
crise econômica, seus principais parceiros de poder frequentam com
assiduidade o noticiário sobre a Operação Lava Jato, presidiu durante
anos um partido parceiro da catastrófica política econômica do PT -e por
aí vai.
Os primeiros movimentos de seu mandato interino igualmente não foram
muito animadores. O PT vociferou aos quatro ventos a tese do golpe,
artistas engajados faziam seus protestos, hordas de manifestantes
profissionais atravancavam as avenidas das grandes cidades. Temer fechou
o Ministério da Cultura e foi obrigado a reativá-lo. A coisa não foi
fácil.
Se o presidente tem muito pouca atratividade no que expõe para a
sociedade, é especialíssimo naquilo que traduz para a classe política.
"Viver é afinar o instrumento/ de dentro pra fora / de fora para
dentro", dizem os versos de uma música. Temer se inscreve na segunda
frase do verso. Ele passa, por enquanto, mais segurança para aqueles que
governam do que para os que são governados.
Ao que consta, é o único presidente que transita ou transitou pelas três
esferas do poder. Temer é completo: respeitado constitucionalista por
formação, tem experiência executiva em área nevrálgica (segurança
pública) e conhece como poucos os meandros do Congresso.
É simplesmente admirável que Temer, com toda sua limitação para ser um
pop star da política e frente a tantas dificuldades, tenha conseguido,
até agora, um desempenho espetacular. Nem mesmo Lula, à época tido internacionalmente como "o cara", chegou a
ter a base parlamentar que Temer granjeou. A discrição venceu a
idolatria, o mérito superou a fanfarronice.
Em pouco meses, o Congresso, estimulado pelo governo Temer, modificou a
Lei do Petróleo, aprovou a Desvinculação das Receitas da União (DRU) e
criou a nova Lei de Governança das Estatais -que, pela nossa longuíssima
e arraigada tradição de nepotismo e patrimonialismo, representa um
avanço que chega a ser revolucionário.
Os primeiros resultados da gestão aparecem, como a monumental
recuperação do valor de algumas empresas estatais, Banco do Brasil e
Petrobras entre elas. Essa capacidade política de alguém que não foi ungido pelas urnas, mas catapultado pelas circunstâncias, não é algo comezinho.
Propor e aprovar a PEC do Teto, que vai contra tudo aquilo que existe de
mais tacanho e arraigado na nossa classe política -a ideia de que
aumentar indefinidamente os gastos públicos "faz parte do jogo"- não é
coisa de um presidente comum. É tarefa para um fenômeno.
Fonte: Rubens Figueiredo, cientista político - Folha de S. Paulo