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domingo, 13 de maio de 2018

As vênias e a toga

O Supremo, seu funcionamento, seus bastidores, seus ministros

I Juízes-celebridade

A senhora de pedra que guarda a entrada do prédio do Supremo Tribunal Federal não vê nem ouve. A grossa venda cobre-lhe os olhos e, não contente, completa o serviço tapando-lhe as orelhas. Melhor assim. Poupa-a da conflagração lá dentro. “Em quase 29 anos, nunca vi coisa igual”, diz o decano Celso de Mello, computando o tempo desde que foi nomeado pelo remoto presidente Sarney, em 1989. “Sempre soube da existência de grupos hostis em outros tribunais, maiores, mas não na pequena comunidade que é o Supremo.” O conflito é ruidoso, conheceu momentos de descalabro, mas é apenas a consequência de fatores que vão além do mundinho de onze ministros e 3 000 e tantos funcionários que se abriga atrás da senhora de pedra, também conhecida como Deusa da Justiça, obra do escultor “oficial” de Brasília, Alfredo Ceschiatti. 

Reflete, em primeiro lugar, o desassossego reinante na própria sociedade. Em segundo, o fenômeno inusitado, talvez único, em sua dimensão, de “a crise política ter mudado de lado na rua”, como diz o ministro Luiz Edson Fachin, referindo-se aos dois outros prédios da Praça dos Três Poderes. A combinação de um Executivo fraco, sob um presidente de transição, com um Legislativo inoperante veio a descarregar sobre o Judiciário o peso das mais agudas decisões nacionais. Em terceiro lugar, a Constituição de 1988 encarregou o Supremo de trocar em miúdos a cornucópia de temas nela contidos, e de dar satisfação aos muitos direitos atribuídos aos cidadãos. “A Constituição tratou de muitos assuntos, mexeu com direitos de muita gente. Todos falam na Constituição. Passou-se a reclamar direitos e a reivindicar”, diz a presidente da casa, ministra Cármen Lúcia.

 Na classificação por idade, a composição do tribunal vai de Celso de Mello, com 72 anos, a Alexandre de Moraes, com 49. Calha, o que não é frequente, que o mais velho seja o decano e o mais jovem o mais recentemente nomeado. Por estado de origem temos três paulistas (Celso de Mello, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes), três fluminenses (Marco Aurélio Mello, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso), um carioca-paulista (Ricardo Lewandowski, nascido no Rio de Janeiro mas paulista de criação, formação e sotaque), um gaúcho-paranaense (Edson Fachin, nascido no Rio Grande mas criado no Paraná, e tão paranaense da gema que poderia ser escalado como modelo do sotaque local), uma mineira (Cármen Lúcia), um mato-grossense (Gilmar Mendes) e uma gaúcha (Rosa Weber). Por regiões, evidencia-se forte desbalanceamento em favor do Sudeste. O STF não é parlamento nem ministério, para ter representação regional balanceada, mas note-se que com a aposentadoria do sergipano Carlos Ayres Britto, em 2012, a Região Nordeste, a segunda mais populosa, ficou sem representante. Todos os atuais ministros são, ou foram, professores universitários.

(...)

Em 1971 o Supremo reuniu-se para apreciar uma representação do oposicionista MDB (nunca confundir, em princípios e métodos, com o partido que hoje ostenta o mesmo nome) contra o decreto do presidente Emílio Médici que estabelecia a censura prévia dos livros e periódicos, então apelidado “decreto da mordaça”. Os ministros negaram o pedido, com uma única exceção: Adaucto Lúcio Cardoso, liberal da velha cepa que, antes de juiz, fora dos mais aguerridos quadros da UDN. Repetia-se o caso do herói solitário, como o protagonizado pelo ministro Piza e Almeida em 1892, e vai-se repetir uma cena teatral em plenário, desta vez não de iniciativa do advogado, mas do próprio ministro. Adaucto Lúcio Cardoso, derrotada sua tese, levantou-se, arrancou a toga dos ombros, jogou-a bruscamente na cadeira e deixou o plenário, para não mais voltar.

Os exemplos citados referem-se a períodos ditatoriais ou quase ditatoriais, em que a resistência seria inútil; os ministros trabalhavam com a espada pousada no pescoço. O período regido pela Constituição de 1946 foi de democracia e, como tal, os governantes eram eleitos e vigiam as liberdades. A espada não estava mais no pescoço, mas, reparando bem, estava na mesa, ao alcance da mão dos generais. A qualquer momento eles poderiam sentir-se tentados a empunhá-la. As investidas oposicionistas que levaram à crise e ao suicídio de Getúlio contaram com a rede de proteção dos militares. 

Outro militar, o general Henrique Teixeira Lott, ministro da Guerra, vai reger em seguida o entra e sai de substitutos de Getúlio (Café Filho, vice-presidente; Carlos Luz, presidente da Câmara; Nereu Ramos, presidente do Senado) e garantir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek. Na renúncia de Jânio Quadros, militares vão opor seu veto à posse do vice, João Goulart, e concordar com ela só depois de acertada a implantação de um regime parlamentarista. Enfim, militares vão acabar com a festa ao depor João Goulart. Eles detinham a ultima ratio, o poder dos poderes, a vontade sobre a qual nenhuma outra prevaleceria. Supremos eram eles, não o Supremo. E com isso chegamos à feição central dos dias que correm: hoje, supremo é o Supremo.

“Democracia e constitucionalismo são concepções políticas distintas”, ensina Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito paulista da Fundação Getulio Vargas, no livro Supremo Tribunal Federal — Jurisprudência Política, publicado em 1994. “À democracia importa, fundamentalmente, discutir a origem e o exercício do poder pela maioria; já o constitucionalismo moderno, através da separação de poderes e de uma declaração de direitos, irá preocupar-se com os limites do poder, seja este exercido pelo rei ou pelo povo.”

MATÉRIA COMPLETA, Revista VEJA