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sexta-feira, 1 de setembro de 2017

As 40 horas secretas de Joesley: o açougueiro de instituições não é do tipo que pula por boniteza

Se a parte não conhecida das gravações evidenciar sonegação ou tentativa de adulteração de provas, o acordo perde validade, e não haverá ministro do Supremo para salvá-lo

Joesley Batista, o chefão do grupo J&F, não é o tipo de sapo que pula por boniteza. Ele só o faz por necessidade mesmo. Como todos os sapos, na melhor síntese jamais feita por um escritor entre literatura e ciência. No caso, Guimarães Rosa.

Fato: o açougueiro de instituições havia entregado o gravador à Polícia Federal para uma perícia. Técnicos encontraram lá sinais de que arquivos haviam sido apagados. Pelo menos 40 horas de gravações foram recuperadas. E o que elas continham? Todo cuidado é pouco nessa hora. Já volto ao ponto.  O delator mais impune da história universal teria decidido, então, entregar o conteúdo das gravações apagadas que estaria transcrito num computador. Ele tinha esta quinta-feira para apresentar eventuais complementos e elementos considerados probatórios das acusações que fez. Atenção! Ele tinha até ontem para entregar dados reiterativos apenas, que endossassem o que eventualmente havia confessado ou admitido. Não mais do que isso.

Se as 40 horas de conversa, no entanto, evidenciarem que Joesley omitiu coisas importantes ou tentou induzir seus interrogadores a erro, aí a coisa é mais séria. Não haverá Edson Fachin, relator do caso, que possa salvar o conjunto da obra. Não haverá dialética do obscurecimento a que Roberto Barroso possa recorrer para limpar a sua barra. Aí falam os termos da delação premiada que foi firmada.
A Alínea “e” da Cláusula 26, no item IX do acordo, que diz respeito à “Rescisão”, define o seguinte: “O acordo perderá efeito, considerando-se rescindido, nas seguintes hipóteses:
(…)
e) Se ficar provado que, após a celebração do acordo, o colaborador sonegou, adulterou, destruiu ou suprimiu provas que tinha em seu poder ou sob sua disponibilidade, assim como fatos ilícitos de que tivesse conhecimento”.

A redação, e duvido que possa ser diferente, dada a origem, é um tanto confusa porque sugere que, antes do acordo, se houve omissão de provas, manipulação ou adulteração dos elementos que depois serão usados em juízo, então tudo bem; não se podem fazer tais falcatruas depois. Ainda que adequado a certa moralidade vigente na Procuradoria Geral da República, é possível que se tenha tentando redigir outra coisa.  Mas ainda que seja como efetivamente aí vai, há de se perguntar o óbvio, Joesley teria decidido entregar o que tinha transcrito no computador se não soubesse que a Polícia Federal chegou por conta própria à transcrição do material que se supunha permanentemente eliminado?

Consta que o material traria até conversa entre o empresário e seus advogados, coisas gravadas também sem querer. Bem, seja como for, as gravações de Joesley estão na raiz de uma denúncia contra o presidente que, por enquanto, está arquivada no lixoe acho que dificilmente de lá sairá — e de outra que ainda pode ser entregue pelo homem das flechas que se querem longas para quem tem ideias tão curtas.

Mais heterodoxia e lambança
Bem, o episódio só empresta novos lances de heterodoxia e lambança àquilo que, desde o começo, não passa de uma patuscada do arco da velha. Lembram-se? Segundo a versão oficial, disposto a demonstrar onde se acoitavam os verdadeiros vilões do Brasil, Joesley, o dos 245 crimes admitidos, teria decidido, por conta própria, gravar uma conversa com o presidente e outra com o senador Aécio Neves. De posse daquele material, segundo relato do próprio seduzido, ele tentou ganhar Janot para um acordo de delação. Mas, asseverou o procurador, Joesley não aceitava nada em troca que não fosse ser um ficha-limpa. Em matéria penal, Cristo perderia para ele… E Janot topou.

Apelou, então, a Fachin, e teve curso o que se ousou chamar de “ação controlada”, que merece a definição, segundo qualquer pessoa rigorosa, de “flagrante armado”. E o resto é história.  Essas 40 horas evidenciam, mais uma vez, a trilha de exceção por onde caminhou essa barbaridade. Muito cuidado nessa hora. Estamos lidando, entenda-se a coisa em sentido múltiplo, com profissionais do crime.

Poder ser um material anódino? Até pode. Há uma possibilidade de que informações importantes tenham sido omitidas. Bem, importantes ao menos para manter a versão de Joesley — é razoável inferir que ele apagou o que não era do seu interesse. Mas é bom abrir uma nesga para desconfiança: eu não descartaria, dada a plêiade de Varões de Plutarco, de homens de moral elevada e substantiva, que o episódio possa trazer algum golpezinho novo.

Só uma coisa é inquestionável: se houver algo de realmente relevante, quem tem, ou teria, de dançar é o acordo. Mas, obviamente, não vai. Não vivemos, infelizmente, nesse particular, segundo o império da lei. Aos delatores, ao Ministério Público Federal e à PGR em particular, quase tudo é permitido.

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo