Se a parte não conhecida das gravações evidenciar sonegação ou tentativa de adulteração de provas, o acordo perde validade, e não haverá ministro do Supremo para salvá-lo
Joesley Batista, o chefão do grupo
J&F, não é o tipo de sapo que pula por boniteza. Ele só o faz por
necessidade mesmo. Como todos os sapos, na melhor síntese jamais feita
por um escritor entre literatura e ciência. No caso, Guimarães Rosa.
Fato: o açougueiro de instituições havia
entregado o gravador à Polícia Federal para uma perícia. Técnicos
encontraram lá sinais de que arquivos haviam sido apagados. Pelo menos
40 horas de gravações foram recuperadas. E o que elas continham? Todo
cuidado é pouco nessa hora. Já volto ao ponto. O delator mais impune da história
universal teria decidido, então, entregar o conteúdo das gravações
apagadas que estaria transcrito num computador. Ele tinha esta
quinta-feira para apresentar eventuais complementos e elementos
considerados probatórios das acusações que fez. Atenção! Ele tinha até
ontem para entregar dados reiterativos apenas, que endossassem o que
eventualmente havia confessado ou admitido. Não mais do que isso.
Se as 40 horas de conversa, no entanto,
evidenciarem que Joesley omitiu coisas importantes ou tentou induzir
seus interrogadores a erro, aí a coisa é mais séria. Não haverá Edson
Fachin, relator do caso, que possa salvar o conjunto da obra. Não haverá
dialética do obscurecimento a que Roberto Barroso possa recorrer para
limpar a sua barra. Aí falam os termos da delação premiada que foi
firmada.
A Alínea “e” da Cláusula 26, no item IX do acordo, que diz respeito à “Rescisão”, define o seguinte:
“O acordo perderá efeito, considerando-se rescindido, nas seguintes hipóteses:
(…)
e) Se ficar provado que, após a celebração do acordo, o colaborador sonegou, adulterou, destruiu ou suprimiu provas que tinha em seu poder ou sob sua disponibilidade, assim como fatos ilícitos de que tivesse conhecimento”.
(…)
e) Se ficar provado que, após a celebração do acordo, o colaborador sonegou, adulterou, destruiu ou suprimiu provas que tinha em seu poder ou sob sua disponibilidade, assim como fatos ilícitos de que tivesse conhecimento”.
A redação, e duvido que possa ser
diferente, dada a origem, é um tanto confusa porque sugere que, antes do
acordo, se houve omissão de provas, manipulação ou adulteração dos
elementos que depois serão usados em juízo, então tudo bem; não se podem
fazer tais falcatruas depois. Ainda que adequado a certa moralidade
vigente na Procuradoria Geral da República, é possível que se tenha
tentando redigir outra coisa. Mas ainda que seja como efetivamente aí
vai, há de se perguntar o óbvio, Joesley teria decidido entregar o que
tinha transcrito no computador se não soubesse que a Polícia Federal
chegou por conta própria à transcrição do material que se supunha
permanentemente eliminado?
Consta que o material traria até
conversa entre o empresário e seus advogados, coisas gravadas também sem
querer. Bem, seja como for, as gravações de Joesley estão na raiz de
uma denúncia contra o presidente que, por enquanto, está arquivada no
lixo — e acho que dificilmente de lá sairá — e de outra que ainda pode
ser entregue pelo homem das flechas que se querem longas para quem tem
ideias tão curtas.
Mais heterodoxia e lambança
Bem, o episódio só empresta novos lances de heterodoxia e lambança àquilo que, desde o começo, não passa de uma patuscada do arco da velha. Lembram-se? Segundo a versão oficial, disposto a demonstrar onde se acoitavam os verdadeiros vilões do Brasil, Joesley, o dos 245 crimes admitidos, teria decidido, por conta própria, gravar uma conversa com o presidente e outra com o senador Aécio Neves. De posse daquele material, segundo relato do próprio seduzido, ele tentou ganhar Janot para um acordo de delação. Mas, asseverou o procurador, Joesley não aceitava nada em troca que não fosse ser um ficha-limpa. Em matéria penal, Cristo perderia para ele… E Janot topou.
Bem, o episódio só empresta novos lances de heterodoxia e lambança àquilo que, desde o começo, não passa de uma patuscada do arco da velha. Lembram-se? Segundo a versão oficial, disposto a demonstrar onde se acoitavam os verdadeiros vilões do Brasil, Joesley, o dos 245 crimes admitidos, teria decidido, por conta própria, gravar uma conversa com o presidente e outra com o senador Aécio Neves. De posse daquele material, segundo relato do próprio seduzido, ele tentou ganhar Janot para um acordo de delação. Mas, asseverou o procurador, Joesley não aceitava nada em troca que não fosse ser um ficha-limpa. Em matéria penal, Cristo perderia para ele… E Janot topou.
Apelou, então, a Fachin, e teve curso o
que se ousou chamar de “ação controlada”, que merece a definição,
segundo qualquer pessoa rigorosa, de “flagrante armado”. E o resto é
história. Essas 40 horas evidenciam, mais uma vez, a trilha de exceção
por onde caminhou essa barbaridade. Muito cuidado nessa hora. Estamos
lidando, entenda-se a coisa em sentido múltiplo, com profissionais do
crime.
Poder ser um material anódino? Até pode.
Há uma possibilidade de que informações importantes tenham sido
omitidas. Bem, importantes ao menos para manter a versão de Joesley — é
razoável inferir que ele apagou o que não era do seu interesse. Mas é
bom abrir uma nesga para desconfiança: eu não descartaria, dada a
plêiade de Varões de Plutarco, de homens de moral elevada e substantiva,
que o episódio possa trazer algum golpezinho novo.
Só uma coisa é inquestionável: se houver
algo de realmente relevante, quem tem, ou teria, de dançar é o acordo.
Mas, obviamente, não vai. Não vivemos, infelizmente, nesse particular,
segundo o império da lei. Aos delatores, ao Ministério Público Federal e
à PGR em particular, quase tudo é permitido.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo