Somos todos Josefs K. Não tem preço o humor de um juiz nesse nosso Brasil medieval!
Aécio, vá lá. Se for democracia “representativa”,
quem tem de deseleger é quem elege.
Só que não é. De quem “emana” o poder? De quem o levantar do
chão. Por isso devolvem o cara ao partido e ao Senado e partido e Senado podem
dar-se o luxo de manter o flagrado lá como se não fosse com eles.
E o Loures? Prende o Loures! Solta o Loures!
Por quê?
Porque o meritíssimo acordou com um humor diferente
daquele com que foi dormir (ou sabendo de alguma coisa que nós não ficamos
sabendo ainda). Se não cometeu um crime quando prendeu, cometeu quando soltou,
e vice-versa. E aí? Aí nada. Os “egrégios”, os “magníficos”, são
exatamente aqueles a quem se não interroga. Seus caprichos se derramam sobre
nossas cabeças com a força do destino.
A desculpa para não haver saída previsível para o
processo judicial no Brasil é o “garantismo”. O zelo para com o bem supremo da
sua liberdade, dirá, sempre no mínimo em 800 páginas, qualquer douta eminência
togada. Na prática, se as saídas não estão mapeadas no livro e os argumentos
são de modo a garantir sua ilegibilidade, tudo vai mesmo é da cabeça do juiz.
Arbítrio é a palavra. Que sempre pode ser revogado por outra arbitragem... até
da mesma cabeça de juiz, como acabamos de ver. Mas esse “garantismo” que fecha
a saída não vale na entrada. É tão fácil ser empurrado para dentro quanto é
difícil saltar para fora do nosso labirinto judicial. Para isso basta o suposto
em alguém.
Somos todos Josefs K. Ser libertado ou ser preso não depende do
crime nem do tamanho do crime. E as “penas” nunca valem o valor de face.
Passado, presente e futuro, tudo é sempre revogável. Não tem preço o humor de um juiz nesse nosso Brasil
medieval! É um trabalho para santos...
Michel Temer não conseguiu superar de bate-pronto a
cultura de que é produto. Apelou para a plateia errada. “Base aliada” com
interesse em reformas só existe mesmo aqui fora, e só se forem reformas pra
valer. Mas uma coisa é absolutamente clara: ele não lucra
pessoalmente nada por insistir no desmanche do imposto sindical, a
mais velha das barreiras contra o ingresso do Brasil na era das democracias
representativas, e numa reforma da Previdência que começaria a rebaixar os
privilégios que os donos do Estado se atribuem com suas leis para automatizar o
vampirismo espetando acessos perenes – “auxílios” ditos – nas veias do Tesouro
Nacional.
Não lucra nada, mas incorre na fúria dos
“auxiliados”. E a “privilegiatura”, unida, sempre saberá jogar mais sujo o jogo
sujo. O valor do prêmio é que explica tudo. Ele é exatamente do tamanho do que
nos falta. R$ 30,7 bilhões de déficit só na União, só no mês de maio. O maior
em 20 anos. O menor dos próximos 20 se nada mudar. E 8% a mais nos gastos da
Previdência, que já comem 57% do total que se arrecada – 46% do produto interno
brito (PIB) – só neste ano, em que a inflação não passará de 3,5%.
Somos 61 milhões de inadimplentes. A concessão de
crédito voltou a ser negativa, depois de inversão para positivo a partir do
segundo semestre de 2016, quando se começou a falar de Brasil. A dívida bruta,
de 51% do PIB no início de 2014, foi a 72,5% em maio de 2017 e passará de 82%
do PIB até o fim do ano. O investimento público baixou de 3% em 2014 para 1,8%
do PIB em 2016. Ha quase 14 milhões de desempregados e outro tanto de
subempregados. As cidades estão desmoronando. O que já não nasceu favela está
em via de abandono. O Rio das balas perdidas, o Rio das crianças mortas,
investe este ano 12% menos em educação e 34% menos em saúde do que no ano
passado. O salário médio cai todos os dias fora e sobe todos os dias dentro do
Estado, mas já se fala em aumentar impostos.
E, depois, há a questão da “exemplaridade” que
tanto sensibiliza o dr. Barroso lá no Supremo Tribunal Federal. É ao PT que
Temer sucedeu. É a criatura do PT que Temer ameaçou... Se é, portanto, de circunstâncias que se trata,
estas nos dizem mais do que o suficiente sobre a quem interessa o crime. Mas
não fazem desconfiar de nada à nossa central de produção de novelas políticas.
A especialidade, ali, não é fazer pensar, é fazer sentir. Induzir para cima ou
para baixo os polegares no grande coliseu
televisivo/cibernético. Nos seus
enredos não existem problemas brasileiros, só existem problemas de brasileiros.
Mocinhos e bandidos. Aplausos ou vaias. Todo o som e toda a fúria que a
cenografia audiovisual proporciona para uns, a enumeração rapidinha dos efeitos
colaterais que matam no fim daqueles anúncios de remédios baratos para outros.
Qual é a regra que está errada? Qual é a regra que
está faltando? O que é necessário fazer para tornar certa e sabida a entrada e
a saída do labirinto judiciário? O que se pode e o que não se pode fazer nos
acordos de leniência, seja qual for o juiz, seja qual for o réu? Como
transformar a nossa selva institucional numa democracia? O que fazer para
tornar claro quem representa quem em cada Casa legislativa? Para subordinar o
representante ao representado? Para garantir que o povo não tenha de engolir
leis escritas para roubá-lo? Ou ficar sujeito a juízes que se aliam ao crime?
Como se faz isso lá fora?
Essa é a discussão de Brasil. Você sabe que não
passa de briga de bandido quando é só de fulanos que se fala.
Bambu dá mais que chuchu na cerca nestes tristes
trópicos. Não faltarão flechas para tão poucos alvos escolhidos entre os 2 mil
subornados da delação da vez. Mas essas soluções de índio só nos porão mais
próximos da volta à caça e à coleta se e quando houver. Para se dar o luxo da
segurança de plantar para colher será preciso avançar pelo menos até o século
18 do figurino institucional.
Não é o que está no nosso horizonte. Essa disputa
que vem sendo televisionada, na qual o nome do Brasil nunca é mencionado e a
medicina institucional moderna é zelosamente sonegada ao conhecimento do povo,
é exclusivamente pelo direito de nos herdar.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Fernão Lara Resende