Outro dia, a empresa de energia fez uma poda nas árvores de minha rua
para liberar os fios de sua rede de distribuição. Enquanto apreciava o
trabalho desde o terraço na frente de minha casa, percebi que eles
cuidadosamente contornavam determinado galho que, se fosse seccionado,
facilitaria o acesso aos galhos circunvizinhos.
Ao final, ficou visível o
motivo: havia um pequeno ninho ali escondido entre as folhas e os
operadores dos serrotes e motopodadores com cabo telescópico cuidaram de
preservá-lo, com seus ovinhos, na execução do turbulento serviço. Assim
que se faz.
O que
indiscutivelmente vale para um pequeno passarinho invisível, mas cuja
presença é sabida dentro de um ovo, parece não valer para um ser humano
no útero em que foi gerado. Ali, ele é coisificado e disponibilizado
para abate. [o mais diabólico: com a concordância, muitas vezes por iniciativa da própria mãe - a quem cabe o DEVER de preservar a vida do SEU filho.]
Não existe qualquer bem imaterial que seja de meu apreço e
não seja combatido pela artilharia esquerdista mundo afora e no nosso
mundinho brasileiro adentro. O respeitoso e zeloso apreço à vida humana é
um deles. Por isso, o mesmo sistema de saúde que desejam acionar para
execução de abortos em proporções industriais, deveria ser acionado para
evitá-los e atender as mães grávidas em suas necessidades.
As vozes
abortistas afirmam, com razão, que aborto é uma questão de saúde
pública.
É uma pena que voltem sua atenção ao ato abortivo enquanto
silenciam sobre o modo irresponsável como a sexualidade humana é tratada
em ambientes formadores de opinião e influentes sobre os costumes:
comunicação social, cultura e educação.
As
consequências são terríveis na propagação de doenças sexualmente
transmissíveis, na gravidez precoce, na perplexidade com que
adolescentes e jovens olham para seu teste positivo de gravidez como se
não soubessem que “aquilo” poderia realmente acontecer.
Elas também são
percebidas na instabilidade dos casamentos e das estruturas familiares.
Elas gritam no silêncio sobre as responsabilidades inerentes à
sexualidade humana enquanto a meninada recebe aulas sobre anatomia e
fisiologia do ato sexual.
Mais cedo
ou mais tarde, todos aprendem que a irresponsabilidade, assim como a
imprudência, em qualquer de suas infinitas manifestações, tem seu preço.
E pagam esse preço.
É moralmente insustentável que ele seja pago por
seres inocentes com o não solicitado sacrifício das próprias vidas.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.