O dramático é a circunstância de a mais alta Corte de Justiça do país não ser a solução, mas a causa da crise
“Não se conhece, no mundo civilizado, um país que exija o trânsito
em julgado”, proclamava, há 17 meses, o ministro Gilmar Mendes, na
ocasião em que, pela terceira vez, o STF firmava jurisprudência
favorável à prisão em segundo grau. Hoje, Gilmar pensa (ou pelo menos sustenta) o contrário, rebaixando
o Brasil à condição, segundo critério que então evocou, de país não
civilizado. O tema será objeto de novo exame pelo STF.
Um fato novo o impôs. Não é de ordem jurídica, doutrinária ou moral, mas político-partidária. Tem nome e CPF: chama-se Lula. As consequências, jurídicas e políticas (para não falar morais),
serão gravíssimas. Com base na prisão em segunda instância, grande parte
da clientela do Petrolão está presa. E não só ela, mas uma vasta
falange de assassinos, estupradores, pedófilos e criminosos de todos os
tipos e matizes. Terão de ser soltos, se Lula não for preso.
Condenado em segunda instância, por unanimidade, pelo TRF-4, com
prisão decretada, Lula já estaria preso, não fosse uma liminar verbal
impetrada por seu advogado, da tribuna do STF. Fato inédito. Nem precisou ajuizar coisa alguma, papéis, protocolos
– nada. Aproveitou a interrupção do julgamento, que acabara de ser
adiado por duas semanas – embora convocado em caráter de urgência -,
para, da tribuna, propor, e ver aceita, a suspensão da prisão. Tudo
muito simples, muito sumário.
A pantomima, no entanto, incendiou o país. E colocou o STF, que se
arvora em poder moderador da República, como epicentro da crise. Desde o
impeachment de Dilma, não se via nada igual. Os movimentos de rua estão
excitadíssimos e tudo indica que as manifestações programadas para os
dias 3 e 4 farão barulho. O habeas corpus preventivo de Lula, que será julgado dia 4,
equivale a seu impeachment. A crise voltou a ter um rosto, um símbolo
unificador da indignação popular, o que não ocorria desde a queda de
Dilma. O dramático é a circunstância de a mais alta Corte de Justiça do
país não ser a solução, mas a causa da crise.
É vista, neste momento, como guardiã não da Constituição, mas da
corrupção. Tudo isso ocorre simultaneamente ao sucesso de uma série de
TV, “O Mecanismo”, que, parodiando o Petrolão, confere ao Supremo o
papel de instância salvadora dos criminosos. A vida imita a arte. E a reação petista agrava o quadro. É uma
reação de desafio, em que o pivô da crise, Lula, em vez de se recolher à
sua condição de condenado e réu em mais seis processos, sai em caravana
pelo sul do país, desancando os juízes que o condenaram e ofendendo os
que se incomodam com isso.
De quebra, simula atentados que só convencem os que o produziram –
eles próprios. As primeiras avaliações de especialistas indicam que os
tiros, de calibre 22, foram dados com o ônibus parado, o que fez com que
os petistas mudassem de assunto.
Para atenuar a farra, prendem-se alguns amigos do presidente da
República, Michel Temer, envolvidos em tramoias ligadas ao porto de
Santos. É louvável e necessário, mas não como compensação à impunidade
de Lula. Mantida a blindagem, a crise continua.