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sábado, 8 de setembro de 2018

Existem três teses sobre legitimidade da eleição sem Lula

O veto legal à candidatura de Lula distingue a eleição de todas as anteriores


O veto legal à candidatura de Lula singulariza a eleição em curso, distinguindo-a de todas as anteriores, desde a redemocratização. Daí, emerge um debate sobre legitimidade, que se espraia ao longo de três teses. A primeira diz que a eleição é legal e legítima; a segunda, que é ilegítima; a terceira, e mais interessante, faz a legitimidade da eleição depender de seus resultados.

A visão convencional, adotada pela maioria dos partidos, não enxerga nenhum problema de legitimidade. A Lei da Ficha Limpa, fonte do veto à candidatura de Lula, nasceu de um projeto de iniciativa popular e, depois de amplamente aprovada no Congresso, foi sancionada sem vetos pelo próprio Lula. É instrumento legal de validade geral, que cancelou as mais diversas candidaturas desde 2014, não uma ferramenta destinada a cassar os direitos de Lula ou do PT.

A eleição é legítima. O debate sobre o tema é que não é, derivando de um desejo de colocar Lula acima da lei ou de uma pervertida estratégia de campanha.  O segundo ponto de vista, adotado por correntes de extrema esquerda abrigadas no interior do PSOL ou em surpreendente aliança com o PT (caso do PCO), pode ser qualificado, com alguma ironia, de revolucionário. O veto a Lula é o prosseguimento do “golpe parlamentar” do impeachment e tem a finalidade de ladrilhar o caminho das “reformas neoliberais”. O Judiciário participa do “golpe”, conduzindo a perseguição legal ao ex-presidente. Os mensageiros desta tese repetem, letra por letra, a narrativa desenvolvida pelo PT desde 2016, mas com finalidades muito diferentes.

A extrema esquerda habituou-se a encher seu potinho de sonhos com as sobras do lauto banquete lulista. Em 2002, apoiou a candidatura presidencial do PT na esperança de que a “classe trabalhadora” experimentasse o governo de Lula — um “reformista” ou um “traidor”, a depender da versão — e, libertando-se de suas ilusões, ouvisse o chamado da Revolução (assim, com maiúscula). Hoje, ainda à beira da mesa, espera que a denúncia do veto a Lula finalmente desperte as massas de sua irritante letargia, propiciando o “assalto ao Céu”.

A terceira é a tese lulopetista. Na sua nunca explicitada inteireza, ela diz que a eleição terá sido legítima se Haddad vencer, mas terá sido ilegítima se Haddad perder. O alarido do protesto contra a “ilegitimidade” da eleição sem Lula, tão audível na etapa atual, cessará quando Haddad assumir o bastão, para só retornar na hipótese da derrota. A suspensão do juízo sobre a legitimidade até a proclamação dos resultados viola as regras elementares da lógica, mas atende a um imperativo partidário estratégico: na vitória, Haddad será o incontestável presidente do Brasil; na derrota, o eleito não será mais que um títere da “elite golpista”.

A história funciona mais ou menos assim. Em caso de vitória, o povo terá “corrigido” o desvio iniciado com o impeachment, derrotando o “golpe” e salvando a democracia. Já em caso de derrota, o desejo do povo de recolocar Lula no Planalto terá sido frustrado pela artimanha golpista do veto à candidatura. Restará, então, a via da resistência, convocada por meio da denúncia da ilegitimidade do presidente eleito.

A tese convencional é legalista ao extremo: identifica a democracia às normas legais, negando-se a encarar o problema político da limitação da soberania dos eleitores posto pela Ficha Lima. A tese revolucionária é finalista: identifica a democracia (“burguesa”, evidentemente) como o inimigo histórico e interpreta o veto a Lula como faísca providencial capaz de acender a grande fogueira da purificação. A tese lulopetista é, além de oportunista, autoritária: identifica a democracia ao sucesso eleitoral do Partido (assim, com maiúscula), exprimindo uma rejeição visceral ao princípio do pluralismo.

Demétrio Magnoli, sociólogo