Fernando Exman
O risco de três atuais discussões extemporâneas
Há três discussões na praça que pouco - ou nada - contribuem para a
manutenção da necessária estabilidade do sistema político em tempos de
crise. São elas: a ampliação dos mandatos dos eleitos nas últimas
eleições municipais [essa tem tudo para não ser necessária - a ampliação surgirá como consequência do adiamento inevitável das eleições de outubro - consequência da pandemia, afinal o Brasil não é a Coreia do Sul.] a mudança da regra que impede a reeleição dos
atuais integrantes das Mesas Diretoras do Congresso Nacional [essa regra precisa ser mantida, no mínimo, para evitar que o Congresso Nacional continue sendo dirigido por pessoas que usam o cargo para fazer política rasteira.] e a adoção
do regime parlamentarista [na revisão da CF na década de 90, o parlamentarismo foi rejeitado em plebiscito e desde então os motivos para a permanência do presidencialismo só aumentaram - se houver alguma movimentação será no sentido de fortalecer o regime atual, tornado claro que precisa ser um presidencialismo PURO.]
Em tese, há argumentos para quem pretende levar essas discussões adiante
ou desconstruí-las. Todos legítimos e plenamente defensáveis. Neste momento, contudo, tais debates só servem a quem pode ter a
intenção de aproveitar um eventual desarranjo momentâneo para apresentar
suas próprias ideias institucionalmente disruptivas. Dificilmente essas pautas avançariam sem gerar reações desproporcionais,
num momento em que a desconfiança é a marca das relações
institucionais. Poderiam, por outro lado, caber como o perfeito pretexto
capaz de tumultar o ambiente político e o equilíbrio entre os Poderes.
A pandemia causada pelo novo coronavírus impôs uma ordem de prioridades
nessa lista, até pela urgência imposta pelo calendário. O adiamento do
pleito municipal, até então agendado para outubro, já começou a ser
considerado possível em todos os Poderes e algo inclusive demandado por
dirigentes de vários partidos. Não são as filas nas seções eleitorais
que mais preocupam as autoridades e os políticos, mas o corpo a corpo na
campanha, as tradicionalmente tumultuadas convenções partidárias e a
redução dos recursos do fundão eleitoral. Um grupo de trabalho foi criado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
para projetar os impactos da pandemia nas eleições municipais. A
manutenção do cronograma de testes de segurança das urnas eletrônicas,
já muito contestadas pelo presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, é
uma preocupação concreta. O que causa a maior inquietação na Justiça
Eleitoral, porém, é o risco do aumento da pressão para que os mandatos
dos atuais prefeitos, vice-prefeitos e vereadores seja estendido para
além de 31 de dezembro.
Um precedente perigoso. Está claro que esses mandatários não teriam
legitimidade para permanecer em suas respectivas funções um minuto
sequer além do autorizado pelo povo nas últimas eleições, em 2016. [uma pandemia que tornou inviável o adiamento das eleições municipais será um motivo incontestável a legitimar a extensão dos mandatos.
Somando a necessidade da extensão com a conveniência econômica e saudável aos cofres públicos de eleições para todos os cargos na mesma data, tornam inevitável o adiamento e a fixação da nova data para outubro 2022.] Teme-se que essa transgressão, mesmo que fundamentada por decisão
legislativa, acabe por ornamentar os falsos argumentos de quem sempre
defendeu a unificação das eleições em 2022 ou quem possa tentar criar as
condições para a prorrogação de mandatos em outras esferas. As outras duas discussões não têm relação direta com a pandemia e são
bem anteriores ao surgimento do novo coronavírus, embora não sejam menos
prejudiciais ao ambiente político do que a primeira. É justamente por
isso que existem setores relevantes do Congresso dispostos a afastá-las
da mesa, a despeito da histórica receptividade de muitos líderes
políticos a ambas as ideias.
Também por imposição do calendário, depois das eleições municipais a
agenda que se colocará será a sucessão nas presidências da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal. Os mandatos do deputado Rodrigo Maia (RJ) e do senador Davi Alcolumbre
(AP), ambos do DEM, expiram em fevereiro e a Constituição não deixa
margem para interpretações heterodoxas sobre a impossibilidade de ambos
permanecerem no comando do Legislativo. “Cada uma das Casas reunir-se-á
em sessões preparatórias, a partir de primeiro de fevereiro, no primeiro
ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das
respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o
mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”, determina o artigo
57 da Constituição.
A péssima ideia de se tentar reverter essa vedação por meio de uma
simples mudança regimental já parece ter sido deixada de lado. Mesmo assim, as articulações para a mudança desse trecho da Constituição por meio de uma emenda continuam, embora silenciosas. Os críticos da iniciativa alertam que o Parlamento deveria ser o
primeiro a dar o bom exemplo e a não mudar as regras do jogo durante a
partida. Seria positivo, também, que os defensores do parlamentarismo aguardassem
um momento de menos estresse institucional. Recolocar a discussão desse
tema em pauta só daria argumentos a quem, no governo ou no
bolsonarismo, acusa o Legislativo de tentar usurpar os poderes do
Executivo.
Apesar de ter muitos adeptos no meio político, o parlamentarismo foi
derrotado em plebiscito e desde então seus defensores não conseguiram
convencer a sociedade dos seus pontos positivos. Não é de se
surpreender, uma vez que a classe política não goza de grande prestígio
entre a população. Os últimos meses foram marcados por sucessivos embates entre os dois
Poderes. A disputa pelo controle do Orçamento foi um desses capítulos
recentes, mas acabou perdendo sentido no mesmo momento em que o
coronavírus limitou a peça orçamentária à mera condição de texto de
referência sobre a situação das contas públicas antes da pandemia.
Todas as atenções neste momento devem estar, inclusive, voltadas aos
esforços para combater a covid-19 e seus efeitos sociais e econômicos. O
meio político deve conduzir os demais debates com responsabilidade e
prudência.
Fernando Exman, jornalista - Valor Econômico