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sábado, 16 de dezembro de 2023

A política prevalece - Alon Feuerwerker

Análise Política

Há uma tendência a afirmar que a sociedade brasileira está polarizada ideologicamente, e isso é verdade em certo grau. Mas a tese não ajuda a desvendar completamente os fenômenos políticos. Seria mais adequado dizer que, mesmo havendo polarização ideológica, a política prevalece. Enquanto a primeira se define por visões de mundo opostas, especialmente no plano das ideias, a segunda separa campos em plano mais terreno, material.

Não deixa de haver conexão entre as duas formas de determinação, mas seria um erro não compreender a autonomia relativa de cada uma.

Um exemplo claro foram as votações desta semana no Congresso Nacional. A oposição ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro apostou na polarização ideológica para tentar evitar que o Senado aprovasse Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal. Perdeu. Mas, logo depois, quem perdeu foi o governo petista, quando o Congresso derrubou os vetos presidenciais à lei do marco temporal e à prorrogação das desonerações sobre a folha de pagamento das empresas.

Sempre persiste a tentação de acreditar que, no limite, este Congresso Nacional faz o que desejam os personagens e grupos que comandam o Legislativo. Ou que aprova qualquer coisa, desde que o governo atenda o apetite dos parlamentares por verbas e cargos. Há uma dose de verdade nisso, mas é errado pensar em termos absolutos. No limite, mesmo tendo flexibilidade, costuma ser alto o custo de o parlamentar bater de frente com quem o elegeu.

Recente encontro de dirigentes petistas manifestou desconforto com o governo depender de uma maioria parlamentar inclinada à direita, até por, segundo o petismo, as eleições terem aprovado outra agenda. Há aí um acerto e um erro. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva depende mesmo de parlamentares eleitos em aliança com Bolsonaro, mas seria exagero afirmar que as eleições aprovaram uma agenda petista.

A eleição presidencial foi, em última instância, um plebiscito sobre a pessoa de Bolsonaro, e ele perdeu.

A aprovação de Dino e a derrubada dos vetos sobre o marco temporal e as desonerações mostram que, dentro de certos limites, o Congresso pode até absorver escolhas ideológicas de Lula e do PT, mas opõe e oporá resistência a uma agenda, para recorrer à terminologia “faria limer", anti-business. Pela simples razão de que a maioria do Poder Legislativo é francamente adepta de um ecossistema com mais liberdade para o capital buscar sua reprodução.

Pelo ângulo pragmático, talvez isso não chegue a ser problema para Lula. Pode constituir até uma solução. já que ali na frente, no fritar dos ovos, o povão vai querer saber principalmente se Lula 3 entregou crescimento e empregos. E para operar esse milagre da multiplicação dos pães o presidente precisa que os capitalistas invistam, pois não há como o Estado brasileiro substituí-los. Ainda que muitos fiéis acreditem nisso.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

Fechamos por aqui este ano de 2023. Boas Festas e um ótimo 2024 a todo mundo.

sábado, 9 de dezembro de 2023

Capacidade de mediação do Brasil é zero. - Carlos Alberto Sardenberg

Vamos imaginar que o governo brasileiro decidisse convocar um plebiscito para saber se a população apoia a anexação do Uruguai. Há precedente histórico. O Uruguai era a Província Cisplatina do Império do Brasil até 1825.

O Uruguai não tem petróleo, mas tem pecuária avançada, produção de vinhos melhores que os nossos, uma economia equilibrada
Supondo uma votação livre, difícil saber a escolha dos brasileiros. 
Digamos que seja “sim”. E que o governo brasileiro inclua a Cisplatina no nosso mapa, nomeie um dirigente do PT como interventor, substituindo o governo de centro-direita deles, e Fernando Diniz convoque Luis Suárez para a Seleção Brasileira (seria, aliás, nossa maior conquista).
Grossa provocação, não é mesmo?  
Nem precisaria haver movimentação de tropas, jatos voando sobre o território uruguaio, digo, da Cisplatina
O plebiscito já seria um ato de agressão.

O que faria o Uruguai? Chamaria os Estados Unidos, claro, já que brigar com o Brasil estaria fora de cogitação.

Agora, a Venezuela. Um plebiscito fajuto, e Maduro declara que a região do Essequibo é território venezuelano e que vai anexá-la. 
Sim, há precedentes, lá de trás, de disputa da região. 
Cavando na História, até as Coroas espanhola e britânica, dá para arranjar qualquer argumento. 
Só que a situação está pacificada há tempos. A Guiana tornou-se independente, formou uma nação de ampla diversidade, ocupou Essequibo com sua população, estava quieta no seu canto.

A Venezuela é a agressora. A Guiana, a vítima.

O modo de dizer importa muito em diplomacia. Falar em conflito entre os dois países é dar um desconto para Maduro. Do mesmo modo, o presidente Lula tergiversa quando diz não querer “confusão” na América do Sul. Deveria dizer diretamente a Maduro que ele precisa ficar nos seus limites em vez de agredir o vizinho.

Lula é amigo de Maduro. Quando assumiu a presidência temporária do Mercosul, em julho deste ano, disse que era seu objetivo trazer de volta a Venezuela, suspensa por descumprimento das regras democráticas. Para ele, não tem ditadura na Venezuela.

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, declarou confiar na liderança e na maturidade do Brasil. Diplomático. Ele sabe que Lula tem lado. 
Por isso chamou os Estados Unidos, que enviaram caças para sobrevoar o Essequibo. Porta-voz da Casa Branca advertiu a Venezuela.

Nos meios políticos e diplomáticos de Brasília, ouviram-se comentários negativos: a Guiana trouxe os Estados Unidos para nossa América do Sul. E isso traria para cá o conflito Estados Unidos x Rússia. Ora, quem trouxe a Rússia para cá, há muito tempo, foi a Venezuela, armada com jatos russos de primeira linha, além de farto material militar terrestre. Aliás, Maduro acaba de marcar reunião com Putin.

A Guiana não tem jatos. Confiaria na Força Aérea Brasileira?

Falemos francamente: a capacidade de mediação do governo brasileiro é zero. A menos que exerça pressão incisiva que leve Maduro a simplesmente voltar atrás. Sim, voltar atrás, anular o plebiscito fajuto e conversar nas Cortes internacionais. Lula não deu sinais de que pensa nisso. Ao contrário, parece se encaminhar naquela direção de considerar igualmente responsáveis o agressor e o agredido. Venezuela é Rússia, Guiana é Ucrânia.

Só falta botar a culpa de tudo nos Estados Unidos. Falta?

Lula dedicou seu primeiro ano a buscar protagonismo internacional. [com resultado 3 x 0 = ZERO.] Meteu-se na questão da Ucrânia, no Oriente Médio, apresentou-se como líder do combate ao aquecimento global.

Falou muito, colecionou nada. Atuação zero nas guerras. Teve de pedir aos Estados Unidos e ao Catar para tirar brasileiros de Gaza
Aqui, prometeu fechar o acordo Mercosul-União Europeia. Não conseguiu. Culpa deles, claro.

Também não conseguiu reintegrar a Venezuela ao Mercosul. Os sócios não deixaram.

Foi liderar a COP28 e voltou de lá com o Brasil integrante da Opep, aspirante a tornar-se um gigante da exploração de petróleo.

Enquanto isso, não faltaram problemas brasileiros que mereciam maior atenção do governo.

E mais uma palavrinha sobre Essequibo: não seria razoável perguntar a seus habitantes onde querem ficar?

 

Carlos Alberto Sardenberg, colunista - Coluna em O Globo -20 dez 2023


sábado, 27 de novembro de 2021

A quem interessa um regime semipresidencialista no Brasil

Sistema de governo - O semipresidencialismo 

Quem são os defensores do semipresidencialismo e qual a chance de o Brasil adotar esse modelo

A declaração do ministro do STF Dias Toffoli sobre o Brasil experimentar, na prática, um regime semipresidencialista com o Supremo exercendo o papel de “poder moderador” causou polêmica e não foi por acaso.


Presidente da Câmara, Arthur Lira, é o principal defensor da adoção do semipresidencialismo no Brasil| Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Primeiro porque o poder moderador inexiste na Constituição de 1988, logo não pode ser exercido por ninguém. Segundo porque a frase de Toffoli corrobora a tese de que o STF pratica o chamado “ativismo judicial”, quando juízes extrapolam suas atribuições constitucionais e decidem legislar ou governar no lugar dos poderes Legislativo e Executivo.

“Não é fácil governar o Brasil”, disse o ministro, durante evento jurídico em Lisboa, como se essa fosse uma atribuição do Supremo.   A fala de Toffoli deixa nas entrelinhas um desejo de se reduzir o poder do presidente da República e aumentar o do Congresso Nacional em nome da governabilidade.  O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), claro, é um dos entusiastas dessa ideia. Mas esse é um modelo viável politicamente no Brasil?

Encampado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o semipresidencialismo conta com o apoio de outros nomes do Congresso Nacional e até de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Nos últimos dias, o tema voltou a ser discutido por políticos e membros do Judiciário durante o 9º Fórum Jurídico de Lisboa, em Portugal, organizado pelo ministro do STF Gilmar Mendes.

No semipresidencialismo, além do presidente da República, que na maioria dos países que adotam esse modelo são eleitos pela população, existe a figura do primeiro-ministro, que é escolhido pelo Congresso Nacional. Ambas as figuras dividem as funções do poder Executivo. Países como Portugal e França adotam modelos parecidos.

Pressionado a abrir um dos processos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro desde que assumiu o comando da Câmara no começo deste ano, Lira defende que um dos piores problemas do Brasil é o multipartidarismo. De acordo com ele, hoje o país vive um “presidencialismo de coalizão” e esse “arranjo” não tem se mostrado à altura dos desafios. “Talvez esta seja a hora de mobilizar forças para discussão mais ampla e transparente do nosso futuro político. E o sistema de governo semipresidencialista se sobressai”, disse.

Para Lira, a vantagem do semipresidencialismo é a preservação da eleição do presidente. “A previsão de uma dupla responsabilidade do governo, ou de uma responsabilidade compartilhada do governo, que responderia tanto ao presidente da República quanto ao Parlamento, pode ser a engrenagem institucional que tanto nos faz falta nos momentos de crises políticas mais agudas”, completou Lira.

Presidente do Senado apoia discussão no Congresso
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também apoia o semipresidencialismo encampado por Arthur Lira. No mesmo evento, em Lisboa, Pacheco declarou que considera o modelo "interessante". "O [semipresidencialismo] é o sistema político mais estável entre todos os existentes no mundo. Há um excesso de partidos políticos no Brasil e é preciso haver um enxugamento visando a 2026 e 2030, próximos períodos de eleições gerais no país”, disse.

Ministros do STF também defendem o modelo
Além dos presidentes da Câmara e do Senado, ministros do STF também se posicionam a favor de uma mudança no modelo político do Brasil. No mesmo fórum, o ministro Dias Toffoli afirmou que hoje o Brasil já vive um semipresidencialismo com a Suprema Corte exercendo o papel de “moderador de crises”.  "Nós já temos um semipresidencialismo com um controle de poder moderador que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia", disse. Toffoli completou dizendo que "presidir o Brasil não é fácil" e a discussão sobre o tema é complexa.

Anfitrião do evento, o ministro Gilmar Mendes afirmou que, desde a redemocratização, apenas os presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terminaram seus mandatos. Por isso, defendeu que uma mudança no sistema precisa ser discutida para que não haja uma “banalização” do impeachment. “Dos quatro presidentes eleitos desde então, apenas dois concluíram seus mandatos. Os outros dois sofreram impeachment. Isso é um sinal de que precisávamos discutir o sistema político”, defendeu.

Durante a tramitação da reforma eleitoral deste ano, Mendes já havia entregue ao presidente da Câmara uma proposta de semipresidencialismo para ser discutido pelo Congresso. [o presidencialismo foi escolhido em plebiscito realizado em 1993, atendendo comando da Constituição de 1988. Cabe perguntar: pode ser mudado pelo Congresso como 'jabuti' de uma reforma eleitoral?O modelo proposto pelo ministro é o mesmo adotado em Portugal. A proposta chegou a ser discutida na comissão da reforma, mas acabou não avançando por conta de divergências entre os parlamentares. Integrante da Corte e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luís Roberto Barroso também já defendeu as mudanças publicamente. “Essa [modelo de semipresidencialismo] é a inovação que eu acho que nós devemos implementar no Brasil para 2026. Para que não haja mais nenhum interesse posto sob a mesa”, disse em outra ocasião.

Gazeta do Povo - República - MATÉRIA COMPLETA


quarta-feira, 28 de outubro de 2020

"Não há dever que consiga sustentar tanto direito"

 Alexandre Garcia

"O que falta é uma Carta atualizada, enxuta, menos passível de interpretações [criativas, mutáveis e adaptáveis] de Ricardo Lewandowski ou Davi Alcolumbre"

Os ventos do plebiscito no Chile atravessaram os Andes e chegaram ao Brasil. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), defendeu num evento jurídico um plebiscito para perguntar ao povo se está satisfeito com esta Constituição ou quer outra melhor. 
O que falta é uma Carta atualizada, enxuta, menos passível de interpretações de Ricardo Lewandowski ou Davi Alcolumbre
Uma Constituição que se baste e dispense interpretações. São 250 artigos, mais 95 disposições transitórias e 107 emendas em apenas 32 anos. Para a maior potência do planeta, bastam sete artigos, com 27 emendas em 230 anos. [O objetivo maior, ou único, da turma que produziu a 'constituição cidadã' foi - e a depender da turma do 'quanto pior, melhor' = continuará sendo -  o de apresentar uma 'constituição' minuciosa, detalhista, permitindo judicializar tudo, de forma absurda para explicar cada detalhe.
É público e notório que explicação, entendimento, cada um tem o valendo o ditado: "quanto mais explicação, mais complicação".
Um único exemplo: O artigo 142 da Constituição tem uma redação clara, mas, se estende em detalhar o que já detalhou e com isto abre portas para muitas interpretações = os gênios constituintes tiveram o desplante de inserir no § 1º daquele artigo uma determinação de que uma lei complementar daria os detalhes.
A LC foi editada - LC 97/99  - e com isso a turma do "se é possível complicar, para que facilitar?" passou a alegar que uma LC está abaixo da Constituição. 
Uma pegadinha para dar margens a interpretações criativas e convenientes a interesses não republicanos.
Seria bem mais simples determinar que naquele caso uma PEC substituiria a LC - com isto impediria que uma voz solitária, sustentada por um autoritarismo absoluto =  absolutismo  absurdo e antidemocrático =  interpretasse o artigo de forma autocrática.

Por aqui, uma decisão singular da ministra Cármen Lúcia, de 2013, em liminar, mexe com bilhões de reais em royalties de petróleo, e o plenário do Supremo ainda vai votar isso no próximo 3 de dezembro. E se derrubar? Vigora até hoje liminar do ministro Joaquim Barbosa, que renunciou ao Supremo Tribunal Federal, em 2014, suspendendo uma emenda constitucional que cria quatro tribunais regionais federais. 
Um único ministro do Supremo é mais forte que o poder constituinte do Congresso. 
Como confiar na base jurídica e legislativa do Brasil?
A Constituição de 1988 ainda foi feita sob a ressaca do período militar. O então deputado José Genoíno, um dos mais ativos constituintes, me disse, em fins de 1989, que “se soubéssemos que iria cair o Muro de Berlim, não teríamos feito esta Constituição”. O dínamo da Constituinte, Nélson Jobim, me disse que os criminosos comuns foram brindados com direitos por causa de uma “síndrome do preso político”
O constituinte Delfim Netto, um frasista, me disse que “como a saúde é direito de todos e dever do Estado, quando eu tiver diarreia vou processar o governo”
A Constituição tem 166 direitos individuais e coletivos e apenas 18 deveres. Não há dever que consiga sustentar tanto direito.

Criou uma mistura de sistema presidencial com parlamentar; sistema híbrido, portanto infértil. Detalhista, trata até do sabonete e do papel higiênico: no art. 7º, fala que o salário mínimo tem que abranger “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Estabelece o que nem as leis cumprem: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art.5º, caput). Logo depois, o art.6º estabelece que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. [sob a égide do artigo 5º é que o tacão do STF validou as cotas raciais = não se deu ao trabalho de pelo menos reescrever o artigo.

Foi também por falta de um 'apenas' no texto constitucional que o Supremo nos impôs a união entre pessoas do mesmo  sexo.]

Faltou dizer quem paga. O constituinte Roberto Campos disse que “o problema brasileiro nunca foi fabricar Constituições, sempre foi cumpri-las”.

Alexandre Garcia, jornalista - Coluna no Correio Braziliense


segunda-feira, 29 de junho de 2020

Um pouco de criatividade - Alon Feuerwerker

Análise Política

Dois elementos têm destaque entre as causas da nossa crônica turbulência institucional. 
1) O presidente vitorioso na urna nunca consegue eleger com ele uma maioria partidária na Câmara dos Deputados. E, combinada a isso, 
2) a prerrogativa de o Executivo legislar por medida provisória vem se tornando um foco de instabilidade. Para acrescentar, conforme passa o tempo o Judiciário fica progressivamente tentado a se oferecer como poder moderador. Tudo meio fora de lugar.

Vai aqui uma primeira ideia para consertar o primeiro problema
as cadeiras obtidas pelo partido em cada estado para a Câmara deveriam ser calculadas não pela votação dos candidatos a deputado, mas pela votação do candidato a presidente no estado. 
A mesma lógica valeria para Assembleias e Câmaras Municipais. As coligações para o Legislativo já estão proibidas. Essa medida simples eliminaria as coligações para o Executivo. Se o partido não lançasse candidato a presidente, governador ou prefeito não elegeria deputado federal, estadual ou vereador. Os votos nos candidatos ao Legislativo continuariam valendo, mas só para definir a ordem de preenchimento das vagas conquistadas pela legenda.

Jair Bolsonaro (então no PSL) e Fernando Haddad (PT) tiveram juntos pouco mais de 75% dos votos válidos no primeiro turno. Os dois partidos elegeram somados apenas 21% da Câmara dos Deputados. A diferença é autoexplicativa. Quem hoje está na oposição vai torcer o nariz para um cenário em que Jair Bolsonaro teria maioria sólida na Câmara. Mas fica a pergunta: como lá na frente um governo de quem hoje é oposição conseguirá governar e ter alguma estabilidade mantidas as atuais regras do jogo?

E o segundo problema? Antes, uma recapitulação. A medida provisória, herdeira do decreto-lei usado no regime militar, entrou na Constituição de 1988 também por ser parte da arquitetura planejada para o parlamentarismo. Com uma maioria permanente, o chefe do gabinete governaria por MPs. Se alguma delas caísse, abrir-se-ia a crise de governo. Solucionável ou por rearranjo congressual ou por uma nova eleição. Mas o parlamentarismo não passou nem na Constituinte nem no plebiscito após a revisão da Carta.

Para oferecer uma solução mais abrangente de estabilidade sem despotismo talvez seja adequado dar outro passo e acabar também com as medidas provisórias. Cortar o nó górdio. Hoje elas oferecem a sensação e alguma possibilidade de poder, mas são, a cada dia mais, buracos no casco da autoridade do governante. [os governantes do contra pelo sistema atual são os  presidentes do Congresso - podem, isoladamente, e de forma arbitrária devolver qualquer medida provisória que não lhes agrade.

Sem contar que um ministro do STF pode, em decisão monocrática, devolver qualquer medida que o presidente propor e, querendo, dar uma legislada experimental.]
 Ele tenta governar por MPs para contornar seus problemas com o Legislativo, apenas para adiante bater no muro do protagonismo dos presidentes do Congresso e dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

E num modelo em que o presidente eleito elegesse com ele uma maioria parlamentar o fim das MPs atenuaria os impulsos despóticos presidenciais. E sempre haveria a possibilidade, já prevista na Constituição, de o governo propor projetos de lei em regime de urgência.


Alon Feuerwerker, jornalista e analista político - Análise Política

Publicado originalmente na revista Veja 2.693, de 1o. de julho de 2020 


quarta-feira, 15 de abril de 2020

Prudência e foco no debate político - Valor Econômico

Fernando Exman

O risco de três atuais discussões extemporâneas
Há três discussões na praça que pouco - ou nada - contribuem para a manutenção da necessária estabilidade do sistema político em tempos de crise. São elas: a ampliação dos mandatos dos eleitos nas últimas eleições municipais [essa tem tudo para não ser necessária - a ampliação surgirá como consequência do adiamento inevitável das eleições de outubro - consequência da pandemia, afinal o Brasil não é a Coreia do Sul.] a mudança da regra que impede a reeleição dos atuais integrantes das Mesas Diretoras do Congresso Nacional [essa regra precisa ser mantida, no mínimo, para evitar que o Congresso Nacional continue sendo dirigido por pessoas que usam o cargo para fazer política rasteira.] e a adoção do regime parlamentarista [na revisão da CF na década de 90, o parlamentarismo foi rejeitado em plebiscito  e desde então os motivos para a permanência do presidencialismo só aumentaram - se houver alguma movimentação será no sentido de fortalecer o regime atual, tornado claro que precisa ser um presidencialismo PURO.]

Em tese, há argumentos para quem pretende levar essas discussões adiante ou desconstruí-las. Todos legítimos e plenamente defensáveis. Neste momento, contudo, tais debates só servem a quem pode ter a intenção de aproveitar um eventual desarranjo momentâneo para apresentar suas próprias ideias institucionalmente disruptivas. Dificilmente essas pautas avançariam sem gerar reações desproporcionais, num momento em que a desconfiança é a marca das relações institucionais. Poderiam, por outro lado, caber como o perfeito pretexto capaz de tumultar o ambiente político e o equilíbrio entre os Poderes.

A pandemia causada pelo novo coronavírus impôs uma ordem de prioridades nessa lista, até pela urgência imposta pelo calendário. O adiamento do pleito municipal, até então agendado para outubro, já começou a ser considerado possível em todos os Poderes e algo inclusive demandado por dirigentes de vários partidos. Não são as filas nas seções eleitorais que mais preocupam as autoridades e os políticos, mas o corpo a corpo na campanha, as tradicionalmente tumultuadas convenções partidárias e a redução dos recursos do fundão eleitoral. Um grupo de trabalho foi criado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para projetar os impactos da pandemia nas eleições municipais. A manutenção do cronograma de testes de segurança das urnas eletrônicas, já muito contestadas pelo presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, é uma preocupação concreta. O que causa a maior inquietação na Justiça Eleitoral, porém, é o risco do aumento da pressão para que os mandatos dos atuais prefeitos, vice-prefeitos e vereadores seja estendido para além de 31 de dezembro.

Um precedente perigoso. Está claro que esses mandatários não teriam legitimidade para permanecer em suas respectivas funções um minuto sequer além do autorizado pelo povo nas últimas eleições, em 2016. [uma pandemia que tornou inviável o adiamento das eleições municipais será um motivo incontestável a legitimar a extensão dos mandatos.
Somando a necessidade da extensão com a conveniência econômica e saudável aos cofres públicos de eleições para todos os cargos na mesma data, tornam inevitável o adiamento e a fixação da nova data para outubro 2022.]   Teme-se que essa transgressão, mesmo que fundamentada por decisão legislativa, acabe por ornamentar os falsos argumentos de quem sempre defendeu a unificação das eleições em 2022 ou quem possa tentar criar as condições para a prorrogação de mandatos em outras esferas. As outras duas discussões não têm relação direta com a pandemia e são bem anteriores ao surgimento do novo coronavírus, embora não sejam menos prejudiciais ao ambiente político do que a primeira. É justamente por isso que existem setores relevantes do Congresso dispostos a afastá-las da mesa, a despeito da histórica receptividade de muitos líderes políticos a ambas as ideias.

Também por imposição do calendário, depois das eleições municipais a agenda que se colocará será a sucessão nas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.  Os mandatos do deputado Rodrigo Maia (RJ) e do senador Davi Alcolumbre (AP), ambos do DEM, expiram em fevereiro e a Constituição não deixa margem para interpretações heterodoxas sobre a impossibilidade de ambos permanecerem no comando do Legislativo. “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de primeiro de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”, determina o artigo 57 da Constituição.

A péssima ideia de se tentar reverter essa vedação por meio de uma simples mudança regimental já parece ter sido deixada de lado. Mesmo assim, as articulações para a mudança desse trecho da Constituição por meio de uma emenda continuam, embora silenciosas.  Os críticos da iniciativa alertam que o Parlamento deveria ser o primeiro a dar o bom exemplo e a não mudar as regras do jogo durante a partida.  Seria positivo, também, que os defensores do parlamentarismo aguardassem um momento de menos estresse institucional. Recolocar a discussão desse tema em pauta só daria argumentos a quem, no governo ou no bolsonarismo, acusa o Legislativo de tentar usurpar os poderes do Executivo.

Apesar de ter muitos adeptos no meio político, o parlamentarismo foi derrotado em plebiscito e desde então seus defensores não conseguiram convencer a sociedade dos seus pontos positivos. Não é de se surpreender, uma vez que a classe política não goza de grande prestígio entre a população.  Os últimos meses foram marcados por sucessivos embates entre os dois Poderes. A disputa pelo controle do Orçamento foi um desses capítulos recentes, mas acabou perdendo sentido no mesmo momento em que o coronavírus limitou a peça orçamentária à mera condição de texto de referência sobre a situação das contas públicas antes da pandemia.

Todas as atenções neste momento devem estar, inclusive, voltadas aos esforços para combater a covid-19 e seus efeitos sociais e econômicos. O meio político deve conduzir os demais debates com responsabilidade e prudência. 

Fernando  Exman, jornalista - Valor Econômico


quarta-feira, 4 de março de 2020

"A voz do povo" - Alexandre Garcia

Correio Braziliense


''O presidente não tem os poderes para governar, mas tem a responsabilidade de governo. 

O Congresso manda no orçamento e não tem o ônus de arrecadar os recursos, nem a responsabilidade de governar

Ou seja, tem o bônus de gastar''

Nós, brasileiros, não perdemos a mania de discutir o evidente. Isso acontece porque não nos damos conta do óbvio. A Constituição começa dizendo que “todo poder emana do povo”. Se democracia é a vontade da maioria, então o poder emana da maioria do povo. Mas uma grande maioria da dita intelectualidade contesta essa obviedade. Afirma que democracia não é a vontade da maioria. Que a vontade da maioria vira ditadura contra a minoria. E que, portanto, é preciso impor, sim, a vontade da minoria, para que haja democracia. Os gregos chamavam isso de sofisma. O sofisma vem, a propósito, da minoria derrotada na última eleição presidencial, numa insistência miliciana, demostrando não aceitar que por quatro anos o país seja governado de acordo com os princípios de uma maioria de mais de 57 milhões de eleitores.

Isso não é de agora. Sou eleitor desde 1960 e já participei de três consultas populares cujos resultados foram desprezados pelos legisladores, sem cobrança por parte dos meios de informação. Em 6 de janeiro de 1963, os brasileiros se pronunciaram em plebiscito a favor da forma presidencial de governo em 82%; o sistema parlamentar ficou em 18%. Trinta anos depois, em 21 de abril de 1993, em referendo, quase 70% dos eleitores afirmaram preferir uma república presidencial; e 30% ficaram com a forma parlamentar de governo republicano.
Ainda assim, nossa Constituição mantém uma forma Frankenstein de governo, em que o presidente não tem os poderes para governar, mas tem a responsabilidade de governo. 
O Congresso manda no orçamento e não tem o ônus de arrecadar os recursos, nem a responsabilidade de governar. 
Ou seja, tem o bônus de gastar.
[apesar de ser público e notório que as conclusões deste parágrafo estão fundamentadas na Constituição de 1988, é sempre conveniente a leitura seja pelo Parlamento - que só tem competência constitucional para legislar - seja pelo Judiciário - que pelo texto constitucional não legisla, nem governa.]

O mesmo aconteceu com o referendo sobre armas, em 23 de outubro de 2005, sobre a lei que queria proibir o comércio de armas. Apenas 34% concordaram. E 64% foram contra, a favor das armas. Ainda assim, as restrições ao sagrado direito da legítima defesa continuaram no Estatuto do Desarmamento.

O que há com os que foram eleitos para representar seus mandantes? 
Não teriam que refletir a vontade da maioria? 
O parlamento existe para fazer e mudar leis, fiscalizar, criticar, apoiar –– mas não para governar. 
Controlando e usando os recursos de governo, está invadindo o outro poder e o enfraquecendo – alterando o equilíbrio necessário entre os poderes. Quanto à vontade da maioria, ela se impõe nos objetivos governo, mas não em detrimento da minoria, já que os direitos têm que ser iguais para todos, maioria ou minoria. A inversão totalitária dessa igualdade é, a pretexto de justiça, dar mais direitos às minorias, como a prática tem mostrado. E aí temos o paradoxo da “democracia” com mais poder às minorias.

Nos últimos anos, as redes sociais deram voz a todos, rompendo o monopólio dos meios tradicionais de informação. Democratizou-se a informação, mesmo com a resistência dos que dominavam a opinião e a informação. Antes da era digital,  a forma de conduzir multidões foi manter uma minoria no comando dos instrumentos que poderiam controlar corações e mentes. Foi esse tipo de máquina de engodo e convencimento que ajudou a manter no poder ditadores como Mussolini, Hitler, Stálin, Mao, Castro. Uma minoria do partido, ou da ideologia, com o monopólio da informação e da voz, fazia prevalecer a vontade, o domínio do pensamento. Quem acompanhou a Constituinte de 1988 sabe muito bem como a voz da minoria produziu consequências. Agora a voz do povo já dispensa intérpretes para atravessar o concreto das duas cúpulas de Niemeyer.

Alexandre Garcia - Coluna no Correio Braziliense