Além dos riscos no Congresso, a Lava-Jato e
outras operações do tipo passam a enfrentar o perigo da revisão pela
Corte de decisão sobre cumprimento de pena
[O Supremo na condição de 'guardião da Constituição' tem que cumprir e fazer cumprir a Constituição Federal, independentemente de qualquer outro interesse ou motivação, incluindo os da Lava Jato.
A Lava Jato não pode ser maior que a Constituição e em nome do combate a corrupção o Supremo não pode julgar, reescrevendo o texto constitucional, conforme as condições do momento.
Existe maior ataque aos DIREITOS CONSTITUCIONAIS do que decretar uma prisão preventiva a pretexto da existência de suspeitas que o preso, Andrea Neves tenha pedido dinheiro a um delator.
Mesmo não existindo nenhum dos requisitos estabelecidos no CPP a prisão preventiva permanece.]
Enquanto o cenário político é tomado pela crise em torno do
presidente Michel Temer, desfechada pela delação de Joesley Batista, do
JBS, ressurgem ameaças à Lava-Jato, e a qualquer outra operação contra a
corrupção. Não são assuntos desconexos — as ameaças e Temer —, porque o
novo ataque ao trabalho da força-tarefa de Curitiba pode tirar força do
Ministério Público e da Justiça para que levem denunciados a fechar
acordos de delação —, sem os quais não se saberia hoje a que ponto
chegou a associação de partidos políticos e empresários para desviar
dinheiro público de estatais.
O novo risco vem da defesa feita pelo ministro do Supremo Gilmar
Mendes para que a Corte reexamine decisão reafirmada em outubro do ano
passado, segundo a qual sentença confirmada em segunda instância pode
começar a ser cumprida, enquanto recorre-se a instâncias superiores.
Este voto vencedor — por seis a cinco — teve efeito vinculante, ou seja,
precisa ser seguido por todos os tribunais. [o Supremo apesar do título, não é SUPREMO no sentido de não estar sujeito a erros e tem o direito, mesmo o DEVER, de rever seus julgados, quando equivocados.]
Naquela ocasião, o ministro Dias Toffoli sugeriu que o réu ainda
pudesse recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em liberdade, no
caso de prisão. Ao ter rejeitado o recurso, em terceira instância, aí,
sim, passaria a cumprir a pena.
Gilmar Mendes se diz agora convertido à proposta de Toffoli. Isso
significa que, colocado o assunto novamente em votação, a tese de
permitir mais um recurso aos condenados nas duas primeiras instâncias
tem grandes chances de ser vencedora. Confirma-se, infelizmente, que as
maquinações contra a Lava-Jato não estão apenas no Congresso, mas se
infiltraram no Supremo. Consta, não se deve esquecer, que a
possibilidade de prisão na rejeição de recurso na segunda instância
teria convencido a cúpula da Odebrecht a fechar o acordo de delação
premiada.
Um aspecto grave é que isso ocorre depois dos testemunhos de Joesley
Batista que envolvem Michel Temer, a cúpula do PMDB, o presidente do
PSDB, Aécio Neves, além de Lula e Dilma Rousseff. As delações da JBS e
da Odebrecht atingem o núcleo do poder político, e, por isso, dão rara
chance de haver de fato uma limpeza histórica na vida pública — se forem
conjugadas a uma reforma política sensata. O Supremo precisa ser firme,
ainda mais nesta hora, e não desarmar as primeiras instâncias do
Judiciário e o MP nesta luta contra a corrupção, justo quando se
aproximam julgamentos-chave na Lava-Jato. Para completar o
estrangulamento da Lava-Jato, faltará apenas o relaxamento de prisões
preventivas.
Cabe relembrar que um dos objetivos prioritários dos interessados em
esvaziar a Lava-Jato tem sido afastar ao máximo a possibilidade de
acusados de corrupção serem presos. O assunto foi levantado na conversa
gravada pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com
peemedebistas de primeira linha — Renan, Jucá, Eunício, Sarney — sobre
como parar com as delações. Com o Congresso paralisado pela crise,
restou o Supremo.
Fonte : Editorial - O Globo