Análise Política
As placas tectônicas vinham movendo-se uma contra a outra,
mas o choque não aconteceu. Pois nenhum dos lados avaliou ter força para
prevalecer na base da... força.
Nem os desejosos do impeachment reuniram massa crítica,
na rua e na política, para o desfecho, nem Jair Bolsonaro teve como
simplesmente tratorar o Supremo Tribunal Federal.
O equilíbrio continua
estruturalmente instável, dado o cenário eleitoral hoje desfavorável à
continuidade do governo, mas vivemos um momento de calmaria.
Quanto vai durar? Há uma possibilidade razoável de que dure
até o início da campanha eleitoral, daqui a pouco menos de um ano. Pois os três
blocos principais veem uma janela para prevalecer na urna. Luiz Inácio Lula da
Silva e o PT acreditam estar com a mão na taça. Bolsonaro confia na fidelidade
dos dele e no apelo ao antipetismo. E o “centro” olha para a confluência do
piso e do teto eleitorais do presidente. E daí começa a ensaiar o discurso de
que se querem evitar a volta do PT e de Lula primeiro é preciso tirar Bolsonaro
da frente.
Na oposição de esquerda não há muito de original a fazer,
além de criticar o governo, conversar nos bastidores e tentar subir o tônus da
mobilização. O desafio dos organizadores do protesto de outubro é
rivalizar com os expressivos atos pró-Bolsonaro de 7 de setembro.
Precisarão
mobilizar mais que a militância, precisarão colocar povo na rua. Os atos de 12
de setembro foram surpreendidos no contrafluxo, depois da distensão momentânea
em Brasília. Como estará o clima político daqui a 15 dias?
No dito centro há dois enigmas a decifrar. Como acelerar a
convergência em torno de menos nomes, para juntar alguma massa crítica e criar
expectativa de poder? Pois o principal problema da “terceira via” hoje é a
falta da expectativa de poder. [insistimos que não existe terceira via; temos a PRIMEIRA VIA, quiçá, a única, e o resto.
Resto que chamam de terceira via, só que inexiste a segunda - o que chamam de segunda é Lula = nada x zero.
Assim, o resto deve assumir que é um esboço falido de segunda via.
Ainda que assuma tal condição, terá que escolher porta-voz único para comunicar que subiu meio degrau.] Um caminho para esse objetivo é tentar esvaziar
radicalmente Bolsonaro, daí que a oposição mais feroz a ele no momento venha
desse campo político. Mas o presidente resiste. A cada pesquisa que anuncia o
derretimento dele, nota-se que Bolsonaro mantém o market share
eleitoral.
E o governo? Precisa governar. Enfrentar o desafio de
aumentar o Bolsa Família, combater a inflação, resolver o rolo dos precatórios,
ver o que faz com a crise hídrica, tourear a Comissão Parlamentar de Inquérito
no Senado da Covid, aprovar seu candidato ao STF e administrar o cessar-fogo
com o tribunal. [tourear a CPI da Covid-19 é o mais fácil = a cada semana a dita cuja se afunda e prova que não possui prova de nada que pretendia provar.
O Supremo é fácil de administrar, desde que Bolsonaro atue como estadista, aja como Presidente da República.
São os vacilos ocasionais de capitão que fornecem munição aos seus inimigos.] Devo ter esquecido de alguma coisa, mas só que aí está já
compõe um portfólio respeitável. E, mais que tudo, precisa transmitir a
sensação de estar governando. Sabe-se que a política tem horror ao vácuo.
Bolsonaro está tendo o mérito de resistir até chegar tão
perto da eleição que os adversários começam a pensar mais nela e menos em
derrubá-lo. Qual é a dúvida? São duas. Como reagirá o presidente quando, e se,
a situação eleitoral dele prenunciar a possibilidade real de derrota? E como
reagirá a oposição “de centro” se o campo dela continuar disperso mais tempo do
que seria saudável?
O céu deu uma acalmada, mas as nuvens estão ali no
horizonte.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político