O “sim” e o “não” contam com argumentos
aceitáveis; um é
mais de natureza técnica; o outro, política
Huuummmm…
Uma questão espinhosa vai chegar ao Supremo Tribunal Federal, amanhã, dia 5 de maio.
Será que o
deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tem de deixar a Presidência da Câmara
uma vez que já é réu, isto é, que a denúncia contra ele foi aceita pelo
Supremo? Será que essa dúvida se coloca especialmente agora, quando, assim que
Michel Temer assumir a Presidência, será ele o primeiro na fila a substituir o
presidente?
Que fique claro, hein? Isso vale apenas para
a vacância temporária. Se o agora vice perder o mandato quando na Presidência, haverá eleições
diretas se isso ocorrer até 31 de dezembro de 2016 e indiretas se a partir de
1º de janeiro do ano que vem. É mentira que Cunha vai passar a ser
vice-presidente. Adiante, que a questão é mais complexa do que parece.
A Procuradoria-Geral da República
entrou, no fim do ano passado, no Supremo, com uma ação cautelar pedindo que
Cunha seja afastado da Presidência da Câmara porque estaria usando o cargo
para obstruir o processo contra si mesmo no Conselho de Ética.
Pois é… Para que os ministros
deponham Cunha do comando da Casa, será preciso evidenciar que ele apelou a
manobras não regimentais para impedir que o processo prosperasse. Sem essa materialidade,
dificilmente
o Supremo interferiria dessa forma em outro Poder. E isso não está claro no
pedido da Procuradoria, diga-se.
Muito bem! Essa questão estava posta
antes de o afastamento de Dilma ser dado como certo. Com a iminência da
posse de Temer, surge outra questão relevante: Cunha pode substituí-lo em
vacâncias temporárias? De onde decorre a dúvida? Notem: um presidente da
República não pode continuar no cargo depois que a denúncia contra ele é aceita
pelo Supremo (no caso de crime comum) ou pelo Senado (no caso de
crime de responsabilidade).
Assim, por isonomia, é perfeitamente legítimo
entender que, se um presidente titular não pode ser um réu, tampouco pode
aquele que o substitui, ainda que temporariamente. Vista a coisa por esse ângulo, a resposta
parece óbvia.
E, no entanto, não é.
Vamos ver. Quem vai assumir o
lugar de Temer, temporariamente, não é o “indivíduo Cunha”, mas o
presidente da Câmara, seja ele quem for. Ora, se a lei não obriga um parlamentar
réu a se afastar, ele continua um parlamentar no pleno exercício de suas
prerrogativas — e,
entre essas prerrogativas, está presidir a Câmara. E, entre as
prerrogativas do presidente da Câmara, está assumir a interinidade quando necessário.
Observem que, quando Janot foi ao
Supremo para tirar Cunha da Presidência da Casa, ele ainda não era réu.
Mas, ainda
que já fosse, não teria feito tal alegação porque não há lei que impeça o
deputado de exercer a função. Janot apontou uma espécie de abuso de poder com
desvio de função: uso do cargo para impedir que prospere o processo no Conselho
de Ética.
Teori Zavascki, o relator do pedido de
afastamento de Cunha, prefere ouvir o plenário sobre o conjunto da obra. Acreditem: é mais fácil abraçar a
tese de Janot, embora seja preciso apresentar as provas de manipulação do
Regimento do que a da isonomia. E a razão é simples: se um sujeito pode
continuar a ser deputado mesmo depois de réu, como alegar que isso é possível,
mas sem as prerrogativas do cargo?
Para a sanidade do processo político, é
claro que seria melhor que Cunha deixasse a Presidência da Câmara. Ocorre que isso
precisa de base jurídica, e esta não é das mais simples. Um resultado — ele fica na
Presidência — tem uma sustentação que é principalmente técnica; o outro — ele sai — se ancora mais numa
argumentação política.
Antes que reclamem, saibam: o
direito tem zonas cinzentas de definição em qualquer lugar do mundo. Não
fosse assim, não haveria juízes para decidir, mas computadores. E eu lhes
asseguro que o mundo seria bem pior.
Fonte:
Blog do Reinaldo Azevedo - VEJA
Atualizado diante da matéria constar da pauta de amanhã, dia 5, do STF