Dos 730 mil financiadores da última eleição municipal no Rio, 40% são vistos como ‘laranjas’. Ano passado foram 1,3 milhão de negócios suspeitos de lavagem, 52% em dinheiro vivo
O Rio é a
área metropolitana do Brasil onde o crime organizado mais avançou na política.
É o que indica o rastreamento inicial de negócios que vinculam políticos com
grupos de milicianos, narcotraficantes e donos de jogos ilegais. Em
Brasília, analistas seguem o fluxo do dinheiro que sustenta a disputa pela
hegemonia na economia e nos votos de 830 áreas já mapeadas na capital e em 21
municípios. Discute-se a criação de uma força-tarefa local. Há pendências
burocráticas mas, sobretudo, hesitação sobre a conveniência política a sete
meses do fim do governo Temer.
O
mapeamento do caminho do dinheiro vai além das informações obtidas na etapa
carioca da Lava-Jato e no inquérito sobre a emboscada e assassinato da
vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes, dois meses
atrás no Centro da capital. O
rastreio preliminar confirma que, nas últimas duas décadas, milícias,
narcotráfico e bancas de jogos ilegais conseguiram infiltrar, cooptar, manter e
ampliar seus interesses em instituições como a Câmara Municipal e a Assembleia. A
influência política se tornou decisiva ao domínio de territórios, expansão dos
negócios locais e impunidade. O controle do voto é uma realidade: a Justiça
Eleitoral identificou pelo menos 468 seções eleitorais na capital, com mais de
618 mil eleitores (12% do total) e histórico de concentração de voto em
candidatos ligados a milícias dominantes no Chapadão, Maré, Jacarepaguá e
Alemão. O acesso de outros candidatos a essas comunidades costuma ser
franqueado por “pedágios” — já houve caso de cobrança de R$ 120 mil em 2016.
Com
influência no Legislativo, milicianos, narcotraficantes e banqueiros de jogos
clandestinos avançaram na manipulação do sistema jurídico e no controle de
áreas-chave de serviços públicos. A corrupção institucionalizada na etapa mais
recente, desvelada pela Lava-Jato no Rio, acabou ampliando o espaço das
quadrilhas na estrutura do estado. Elas
participaram da coalizão de interesses que impôs critérios políticos na
ocupação dos serviços de segurança (delegacias, batalhões da PM, corregedorias,
sistema penitenciário e serviços de inteligência), de regulação dos transportes
(trânsito), da ordem urbana (comércio) e do uso do solo, essencial à expansão
de loteamentos clandestinos. Essa
dinâmica de negócios e poder político se reflete no crescimento da movimentação
clandestina de capitais no estado.
Num
exemplo, pelo menos 40% dos 730 mil financiadores registrados na última eleição
da cidade do Rio são percebidos como “laranjas”, pela Justiça Eleitoral, porque
não possuíam patrimônio compatível com as doações. Durante o
ano passado, bancos, imobiliárias, empresas de auditoria, de seguros e de
comércio de bens de alto valor comunicaram 1,3 milhão de negócios suspeitos de
lavagem, dos quais 52% (740 mil) com dinheiro vivo. O
Conselho de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda, também aumentou
em 73% a produção de relatórios sobre esse tipo de operações financeiras, na
maioria com vínculos políticos. E somente um terço desse volume tinha relação
direta com os múltiplos inquéritos da Lava-Jato.
José Casado, jornalista - O Globo