Deixaram em xeque a sustentabilidade da dívida pública. Todos sabiam,
mas Executivo, Legislativo e Judiciário não se importaram com as
consequências
Seiscentas e
oitenta e três mil pessoas foram expulsas do mercado formal de trabalho
entre janeiro e setembro. Foi esse o saldo de empregos eliminados nos
centros urbanos, informa o governo. Em todo o país demitiu-se
muito mais trabalhadores com carteira assinada do que se contratou. Na
média, 3.557 pessoas foram expelidas do mercado a cada dia útil.
Significa
que, sob os governos Dilma e Temer, o país liquidou 148 empregos
regulares a cada hora durante nove meses seguidos. Tem sido assim há
quase dois anos. Boa notícia nesse quadro nacional é que o
declínio no nível de emprego regular agora ocorre em velocidade 60%
menor do que se registrou no ano passado. Para o Estado do Rio,
porém, a situação é preocupante. Em setembro, de cada dez vagas fechadas
no mercado brasileiro de trabalho formal, seis estavam em território
fluminense.
A soma do desalento com a perda de perspectiva de
progresso individual, mais o descrédito nos líderes políticos, resultou
num recorde de ausência nas urnas, em outubro. A mensagem do
eleitorado foi cristalina, e o Estado do Rio concentrou cinco das dez
cidades com o maior índice de abstenção no segundo turno das eleições
municipais: Petrópolis (27,09%), Rio (26,85%), São Gonçalo (25,61%),
Belford Roxo (25,38%) e Nova Iguaçu (25,25%).
Na ruína fluminense
há sinais de advertência sobre um desastre nacional, caso prevaleça o
imobilismo dos líderes do Executivo, Legislativo e Judiciário. Só não vê
quem não quer. Já não se trata apenas do estado de anarquia
consolidado por sucessivos governos, durante décadas, com a cumplicidade
do Legislativo e do Judiciário. É real o risco de contágio nacional.
A
destruição das contas nacionais, assim como o regime de baixa
competitividade empresarial, é fruto de políticas contemporizadoras de
governos de coalizão, cujos líderes não souberam ou não quiseram
defender o interesse público. Preferiam privilegiar corporações e
atender à clientela dos lobbies setoriais. Ao aprovar as últimas
cinco leis orçamentárias, por exemplo, a Assembleia do Rio autorizou o
governo local a não realizar poupança necessária para pagamento dos
juros da dívida estadual. No Executivo, Legislativo e Judiciário, todos
sabiam precisamente o que estava sendo feito — e não se importaram com
as consequências.
Na semana passada, por duas vezes, as contas do Rio foram bloqueadas por calote nas dívidas contratadas com a União. Em
Brasília e nas 26 capitais estaduais já se sabe que o caso fluminense
não é isolado. Há uma dúzia de estados e 3,5 mil prefeituras na fila dos
devedores insolventes. Ainda assim, nos palácios de governo, nas assembleias e nos tribunais continua-se a viver numa realidade própria.
Finge-se
não entender o perigo de deixar em xeque a sustentabilidade da dívida
pública, ou de paralisar os serviços essenciais de saúde, educação e
segurança em todo o país. Evita-se a tropa de desempregados, que em 18
meses ganhou tamanho equivalente à população de Curitiba, a oitava
metrópole. Em agosto, ao assumir o mandato-tampão, Michel Temer
se disse preocupado em “evitar que se impute a mim a ideia de que nós
somos responsáveis por isso".
O imobilismo em relação à crise do
Rio é clara ameaça ao principal ativo de seu governo, a estabilidade. A
história ensina que assim tropeçam os governantes.
Fonte: José Casado, jornalista - O Globo