Prestem atenção, ouçam o silêncio. O Brasil emudeceu. Durante quatro
anos, o povo foi sendo alertado sobre a própria irrelevância. Erguendo
bandeiras que expressavam seu amor à pátria, ele ia às ruas e às praças
de onde clamava inutilmente contra excessos de uns e omissões de outros. Aos tribunais superiores, os excessos;
ao Congresso Nacional, as
omissões.
Quem como eu subiu em tantos carros de som ao longo de dez
anos sabe do que fala ao afirmar que quanto mais se avantajava o
“contramajoritário” poder das altas Cortes e se expandia o baixio dos
interesses parlamentares, mais as instituições mostravam seu desdém à
nação.
Por fim, o
silêncio, a quietude de uma democracia deserta, sem povo. Muitas vezes
penso que os senhores do poder se veem como representação política num
deserto onde, aqui e ali, esqueletos cívicos testemunham a ação
destruidora que os vitimou.
Só que não. A
nova tirania, tirania é. Quem tem olhos de ver sabe o que vê.
Tornozeleiras não inibem opiniões nem a percepção de injustiças e
abusos. Consciências bem formadas doem e se condoem na dor alheia. Um
sismógrafo que captasse emoções perceberia o ruído nesse subterrâneo dos
sentimentos.
A democracia relativa, contramajoritária, bem ao gosto das
cortes e dos plenários, talvez não consiga captá-lo como tampouco o
percebe um jornalista que me escreveu outro dia.
Ele é
militante da tirania real combatendo os fantasmas das narrativas
petistas. Ele crê no que lhe dizem em detrimento do que os olhos
capturam da realidade e por isso, após ler meu artigo “8 de janeiro, a
narrativa e os fatos” (aqui),
escreveu-me perguntando se não me envergonhava de afirmar o que
afirmei. A seu modo, perante fantasmas ensinado a combater com
lança-chamas retóricos, comentou cada parágrafo questionando os limites dessa minha falta de vergonha.
Constrangimento
em forma explícita, que preferi não responder porque preferi tratar do
assunto aos olhos e discernimento dos meus leitores.
Caríssimos,
vergonha eu teria se calasse, se me sujeitasse, se conferisse meu
silencioso consentimento àquilo que vejo.
Aí sim, eu teria vergonha de
mim! Jogo a democracia pela regra do jogo, não pelas regras dos tiranos e
seus aprendizes. Nada há na Constituição de 1988 que iniba meu direito
de opinar sobre os acontecimentos nacionais, os protagonistas de nossa
política e as impropriedades de nosso modelo institucional.
Quando toda divergência for silenciada só se ouvirá o coro da tirania no velório da liberdade.
Como me disse
certa feita em Havana um médico com quem conversei e me falou das
dificuldades que a ditadura lhe impunha: “Solo el Señor es mi señor”.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas
contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A
Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia
Rio-Grandense de Letras.