Jean
Ziegler diz que se Cunha não provar origem do dinheiro, é fruto de corrupção
Autor de
“A Suíça lava mais branco”, o sociólogo suíço Jean Ziegler, perito no sistema
bancário daquele país, diz que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, não tem
como negar que as contas eram suas. E que, se ele não provar a origem do
recurso, “é oriundo de corrupção”.
Qual
sua avaliação sobre o escândalo envolvendo a Petrobras e as contas de
brasileiros encontradas na Suíça, com dinheiro supostamente oriundo de
corrupção?
Como
ex-deputado na Suíça e autor de livros sobre o sistema bancário do país, minha
primeira reação é de revolta. E não por causa do Eduardo Cunha ou dos outros
envolvidos. Amo o Brasil, e é nojento imaginar que políticos eleitos podem ter
roubado um país tão incrível como o seu. Mas minha maior revolta é saber que
esse dinheiro veio para os bancos suíços. Em todos os escândalos mundiais, os
bancos suíços aparecem como instrumento de lavagem de dinheiro. Há uma lei
específica contra lavagem de dinheiro na Suíça, mas, em todos os escândalos, os
bancos saem impunes. Os promotores suíços podem agir sem que seja necessário
outro país entrar com uma ação, mas eles não o fazem.
Mas
as autoridades suíças foram essenciais para identificar as contas que seriam de
Cunha.
Não foi
assim. Eles não abriram um inquérito. Só deram continuidade ao trabalho daquele
juiz do Paraná, o Sérgio Moro, que transmitiu informações para a Suíça sobre
número de uma conta, um nome e uma localidade. Os bancos suíços não puderam
negar a informação. Ainda pode haver milhões escondidos em alguma offshore, sob
um nome falso. Quem foi eficiente nesse caso foram os promotores brasileiros,
não os suíços, que só agiram quando apareceram evidências que não poderiam ser
negadas. Por eles, as próprias leis do país não seriam aplicadas.
O
que permite que os bancos suíços desrespeitem a lei?
Os bancos
são muito poderosos na Suíça, formam uma oligarquia. São mais poderosos do que
qualquer departamento de Justiça, qualquer Parlamento, promotor. E são muito bem-sucedidos: a Suíça tem 8 milhões de habitantes, 42 mil quilômetros
quadrados, sem matéria-prima, sem petróleo e, ainda
assim, é um dos países com maior renda per capita do mundo. Isso só
acontece porque a matéria-prima da Suíça é o dinheiro de nações estrangeiras.
Os bancos suíços são muito competentes em transportar o dinheiro de
estrangeiros. Cunha ou qualquer outro que queira trazer o dinheiro para a Suíça
não costuma ter uma expertise financeira para tal. Mas os bancos suíços sabem
como fazer. Têm um mecanismo para trazer
o dinheiro roubado da Petrobras secretamente para a Suíça.
Da
forma como fala, os bancos suíços parecem um tipo de máfia.
Não
chegam a ser uma máfia. Sei que é difícil entender a diferença, mas, por um
lado, os banqueiros suíços têm uma moral muito forte. O problema é que eles são
totalmente cínicos. São criminosos, porque ajudaram a criar instrumentos que
permitem roubar dinheiro de outros países. Mas, ao mesmo tempo, são bastante
honestos em tomar conta daquele dinheiro. O que querem é ter o máximo de lucro,
por isso aceitam que se traga dinheiro para a Suíça. Acontece que um depósito
corrupto fica completamente na mão do banco. É o que os americanos chamam de
cliente aprisionado. É o sonho para qualquer banco suíço: o dinheiro é sujo, e o cliente não pode reclamar de muita coisa.
Então, o banco cobra uma comissão de 30% a 50%; a
comissão normal é de 1% ou 2%.
Os
bancos suíços sempre sabem de onde vem o dinheiro?
Fui
deputado no Parlamento Federal. A lavagem de dinheiro não era crime aqui. Há
oito anos, mudamos a lei e criamos uma regra que obriga
os bancos a pedirem informações a seus clientes sobre a origem do dinheiro.
Depois, criamos outra lei que obriga o banco a rejeitar depósitos de certos
valores feitos por pessoas politicamente expostas (termo para designar agentes públicos, seus parentes e colaboradores
próximos), já que um político que vive de salário
público não costuma ter US$ 10 milhões. Essas leis foram completamente
violadas no escândalo da Petrobras. Se um político for milionário por herança
de família, precisa provar, para deixar seu dinheiro num banco suíço. Se não
provar a origem legal, os bancos precisam recusar o depósito.
Após
tantos escândalos e o caso SwissLeaks, não houve mudanças no sistema bancário
suíço?
Por que haveria? A quem interessaria haver
mudanças? Houve
alguma pressão agora da União Europeia e dos EUA, por causa do SwissLeaks. Os
bancos suíços organizaram evasão fiscal para americanos ricos durante 50 anos,
até que o governo americano descobriu e abriu um inquérito internacional contra
os bancos suíços, que tiveram que colaborar e pagar multas. Os EUA pressionaram
muito e disseram que os bancos perderiam sua licença para operar na América;
então eles tiveram que parar de permitir a evasão fiscal de cidadãos
americanos. Também houve pressão da União Europeia, e foi criado um mecanismo
de troca automática de informações. Mas a relação com Brasil, Japão, Cingapura
e outros países segue a mesma.
Não
poderia haver uma pressão desse tipo do Brasil ou de um bloco da América
Latina?
Acho impossível. Primeiro, porque duvido que as classes
dominantes na Colômbia, por exemplo, iriam se juntar a esse tipo de movimento.
Ou as classes dominantes brasileiras. Além disso, os únicos que têm os meios de pressionar são EUA e União Europeia.
Desde
que seu nome começou a aparecer no escândalo da Petrobras, Cunha se diz
inocente. É possível que não tenha cometido crime?
Pergunto
como é possível alegar inocência. Há US$
2,4 milhões no nome dele e de sua mulher. Cunha poderia até dizer e provar
que foi só evasão fiscal e que o dinheiro não é sujo. Poderia alegar que ganhou
na loteria, não quis pagar os impostos no Brasil e mandou o dinheiro para o
exterior. Mas é tolice dizer que não é verdade que o dinheiro existe. As
evidências são totalmente claras. Não
entendo como um homem que preside a Câmara de um dos maiores países do mundo
pode tentar negar evidências como essas. É impressionante. E, se não puder
provar a origem do dinheiro, então é oriundo de corrupção.
Fonte: O Globo