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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Lula pode ser proibido de pisar em solo americano e outros países, se for condenado nos EUA pelo envolvimento na Lava-Jato

Executivos da Lava-Jato podem ser processados com base em lei anticorrupção dos EUA

Departamento de Justiça dos EUA (DoJ) prefere prender envolvidos em vez de punir companhias e seus acionistas

Os envolvidos no escândalo de corrupção da Petrobras investigado pela Operação Lava-Jato ganharam um motivo a mais para se preocupar. Em conferência na última quarta-feira, a procuradora-geral assistente do Departamento de Justiça dos EUA (DoJ), Leslie Caldwell, responsável pelos casos de corrupção fora do país, foi bastante clara sobre a intenção de prender mais pessoas corruptas, em vez de punir companhias e seus acionistas, apelando para países parceiros colaborarem na busca dos protagonistas dos crimes. A Petrobras vem sendo acompanhada pelas autoridades dos EUA, que mantêm contato com o escritório Gibson, Dunn & Crutcher LLP, contratado pela própria estatal brasileira. - O nosso histórico de sucessos nesses processos (mais recentes) nos permite mostrar aos executivos que, se eles participam de atos de corrupção, como influenciar indevidamente um funcionário público estrangeiro, individualmente terão uma perspectiva muito real de ir para a prisão - disse ela, durante conferência em Washington sobre a Lei contra Atos de Corrupção no Exterior (FCPA, na sigla em inglês).

A legislação permite ao Departamento de Justiça e à SEC (a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA), com dose extra de rigor, investigar e punir empresas estrangeiras, sob alegação de que elas podem comprometer a competitividade de companhias americanas. Os casos são ainda mais rigorosos quando as empresas têm ações ou ativos nos EUA ou competem com empresas globais, quesitos nos quais a Petrobras se encaixa.

Das 50 pessoas individualmente processadas pelo DoJ, em casos relacionados à lei anticorrupção nos últimos cinco anos, metade foi em 2013, afirmou Leslie Caldwell. Há nos EUA uma grande pressão da sociedade para que pessoas envolvidas em crimes de “colarinho branco” sejam presas, e não apenas suas companhias multadas em valores significativos, o que não deixou de continuar acontecendo.

Caso a Justiça americana comece a responsabilizar e punir com cadeia executivos de empresas envolvidas em fraudes, dirigentes da Petrobras e de empresas envolvidas nos escândalos da estatal poderão ser impedidos de pisar em solo americano e até em outros países, sob risco de prisão.

Se forem responsabilizados nos EUA, pode-se repetir com eles a situação do deputado Paulo Maluf (PP-SP). Indiciado pela Justiça de Nova York em 2007 por roubos de fundos públicos, transferência de recursos de origem ilícita e conspiração, Maluf seria preso se pisasse nos EUA. A partir de 2010, a situação se agravou com sua inclusão na difusão vermelha da Interpol. Isso o impede de deixar o Brasil e de passar por qualquer um dos 188 países signatários da organização policial internacional.

Uma eventual condenação pela Justiça americana, porém, não pode redundar em prisão no Brasil e em extradição, já que a Constituição impede a extradição de brasileiro nato. Assim, eles só serão presos no Brasil se condenados aqui. Se a Operação Lava-Jato levou para a prisão presidentes e diretores de grandes empreiteiras tradicionais, e pôs em xeque as operações da maior empresa do Brasil, nos EUA a Petrobras, seus executivos e conselheiros deverão enfrentar rigor ainda maior. No âmbito das pessoas jurídicas, os EUA tendem a punir as empresas não só pelos atos, mas pela falta de controles anticorrupção, explica Richard Craig Smith, chefe de Investigações Regulatórias e Governamentais do escritório Norton Rose Fullbright em Washington, e ex-procurador do DoJ. - As empresas também podem ser consideradas vítimas de processos de corrupção pelas autoridades americanas, mas apenas se tiverem os controles internos e comprovarem que seus processos são suficientemente acurados para indicar essas situações - disse Smith.

Qualquer ação no sentido de maior controle é bem-vinda pelos EUA. Em um caso envolvendo a Statoil, por exemplo, o governo da Noruega, que controla a empresa, preferiu diluir a diretoria da empresa, investigada nos EUA, para mostrar boa vontade em relação às autoridades americanas. A Embraer possui um processo em curso junto às autoridades americanas que envolve investigações sobre o pagamento de propinas em países estrangeiros para a venda de aeronaves, e também optou pela criação de um departamento de controle (“compliance”). - As empresas não têm culpa ou dolo em atos desse tipo, o que compete às decisões de pessoas físicas, mas estão sujeitas a penalidades e têm de provar seus métodos de controle, para indicar que não são lenientes - explica Marta Viegas Rocha, integrante do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

CONSELHO DA ESTATAL NÃO DEVE SER INCRIMINADO
O caso da Embraer mostra um pouco como funcionam as investigações da SEC e do DoJ. Ele se arrasta desde 2010 e levou a empresa brasileira a conviver com restrições operacionais ou de acesso a crédito. A Embraer vem indicando em seu balanço, desde 2011, que as investigações no âmbito do FCPA “podem resultar em multas significativas ou em outras sanções ou consequências adversas”. A empresa diz que vem conduzindo uma investigação interna e cooperando com autoridades do Brasil e dos EUA, mas que não pode fazer comentários adicionais.

Assim como a Embraer criou a área de “compliance”, a Petrobras vem atuando em sua defesa — e na de seu conselho, principalmente — ao anunciar diretoria similar e ao abrir investigação contra ex-diretores e empreiteiras envolvidas. Essa vem sendo considerada, por especialistas e parlamentares, uma tentativa do conselho de dar satisfação ao mercado e tentar evitar que o caso chegue aos seus integrantes da época de negócios como a compra de Pasadena.

Tradicionalmente, o DoJ aceitava acordos propostos pelas empresas que envolviam multas elevadas (na casa até do bilhão de dólares) mas que preservavam as pessoas envolvidas nos atos. Nessa linha, especialistas e advogados ainda veem como pequena a possibilidade de o Conselho de Administração da Petrobras, do qual fazia parte a presidente Dilma Rousseff, ser incriminado nos EUA. Ao focar nas empresas, e não nas pessoas, o governo americano vinha amealhando bilhões de dólares do exterior em investigações no âmbito do FCPA.

Para Glen Kopp, advogado do escritório Bracewell & Giuliani LLP, é difícil que uma investigação do FCPA puna membros do Conselho de Administração de uma empresa processada. - As pessoas que atuavam na autorização de pagamentos, na intermediação de valores, que deveriam saber o que ocorria, mas olhavam para o outro lado, os que cobrem ações e que fraudam documentos são tipicamente as pessoas processadas em casos envolvendo o FCPA. É algo que o DoJ gostaria de fazer, mas os sistemas de gestão e a burocracia acabam protegendo diretores e conselheiros - disse Kopp.

O destino mais provável para o caso da Petrobras nos EUA, mantida a tradição das autoridades, seria assumir novas posturas de controle de práticas e pagar uma salgada multa, correndo o risco de sofrer ações judiciais por parte de acionistas minoritários em busca de compensações.


Deu no O Globo