Opinião
Pacote anunciado pelo chefe da CGU é uma das raras surpresas positivas do governo.
Ao
participar de um seminário promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
sobre estratégias para combate à corrupção, o chefe da Controladoria-Geral da
União (CGU), ministro Wagner Rosário, anunciou que o governo lançará nas
próximas semanas um programa com mais de 240 recomendações. Algumas serão de
caráter pontual e dependerão de alterações na legislação dispositiva. Outras,
por serem de caráter estrutural, só poderão ser implementadas por projetos de
lei aprovados pelo Congresso.
Em
fase de finalização, o trabalho foi elaborado pela CGU em parceria com o
Ministério da Justiça, o Ministério da Economia, o Gabinete de Segurança
Institucional e a Advocacia-Geral da União e prevê medidas e ações a serem
postas em prática nos próximos 15 anos. Segundo o ministro, uma das iniciativas
é a regulamentação da prática do lobby. Até hoje ela não foi prevista em lei,
mas tramitam no Congresso vários projetos que a institucionalizam.
Outra
iniciativa é a ampliação do alcance dos mecanismos de compliance nos diferentes
órgãos da administração pública, com o objetivo de induzir os servidores a
cumprir rigorosamente as normas jurídicas e os regulamentos a que estão
submetidos. No Brasil, apesar de esses mecanismos terem sido criados em 2017
por decreto, só no último mês de setembro é que a administração pública
implantou “unidades de compliance” em todos os seus órgãos.
Já
nos países desenvolvidos a prática de compliance é antiga e cresceu
significativamente no início da década de 2000, após o escândalo da Enron Corporation,
uma empresa americana de energia. Ela foi flagrada aproveitando-se, com a
anuência da consultoria que auditava suas contas, de manipular a contabilidade
para esconder dívidas que não tinha como pagar, ao mesmo tempo que inflava os
lucros em seus balanços, prejudicando os acionistas. Depois da quebra do Lehman
Brothers, durante a crise financeira de 2008, quando se descobriu que o banco
havia escondido mais de US$ 50 bilhões em empréstimos que não tinha condição de
arcar, o rigor nos mecanismos de compliance foi aumentado ainda mais.
O
mérito da CGU, contudo, não está nas medidas que anunciará, mas em sua linha
programática. Segundo Rosário, o objetivo é trazer para o Brasil todas as
recomendações dos organismos multilaterais em matéria de combate à corrupção,
especialmente as elaboradas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Para combater a máfia italiana e os grupos terroristas
europeus não por meio de repressão policial, mas por meio de serviços de
inteligência, sufocando suas fontes de financiamento, a OCDE criou no final da
década de 1980 um grupo de ação financeira internacional destinado a coibir a
lavagem de dinheiro.
O
êxito dessa experiência no enfrentamento dos crimes transnacionais foi tão
grande que, na década seguinte, esse grupo produziu várias minutas de leis no
campo do direito penal econômico, para serem adotadas pelos países-membros da
OCDE. A ideia era, com a uniformização desse ramo do direito, criar condições
para que o terrorismo e o crime organizado pudessem ser combatidos em qualquer
parte do mundo e julgados em qualquer tribunal.
Graças
a essa estratégia, à medida que a economia foi se globalizando, a articulação
entre os recursos ilícitos de grupos criminosos e os circuitos bancários que
deles se alimentavam foi sendo desmontada. Embora não pertença à OCDE, o Brasil
foi aos poucos adotando as minutas do órgão. Na década de 2010, as leis que
tipificam o crime de lavagem de dinheiro e regulamentam o combate à
criminalidade organizada foram inspiradas nessa experiência.
Se
o presidente Bolsonaro não interferir na implementação dessas medidas, tentando
explorá-las politicamente para minar a imagem de adversários políticos e livrar
filhos das malhas da Justiça, a iniciativa da Controladoria-Geral da União
poderá ser positiva.
Opinião - O Estado de S. Paulo