Lembro-me de que, em Brasília, os que caíam nessa tentação eram discretamente rejeitados e, quase sempre, chamados de professor de Deus. Conheci vários professores de Deus e, confesso, que sabiam realmente muito menos do que imaginavam saber.Dito isso, é com humildade que meto a colher nesse debate sobre a oposição a Bolsonaro e as alternativas para derrotá-lo em 2022. Talvez, no chamado centro democrático, seja necessário superar o clima de lamentos, acusações mútuas e desencanto.
Não há nada de extraordinário na adesão de quadros do DEM e do PSDB a Bolsonaro. Durante a ditadura, o MDB se dividiu, e os que faziam oposição eram chamados de autênticos. Sempre sobra um pequeno núcleo com visão nacional, e sua tarefa é levar o trabalho adiante, tratando de unificar a partir das lutas cotidianas, das quais não se pode fugir. Coisas simples e decisivas, como vacinação em massa, ajuda emergencial. [o indispensável socorro emergencial é área do capitão e a vacinação em massa o 'joãozinho' entregou para quem conseguir o IFA.] No campo da esquerda, houve também uma certa surpresa, no meu entender exagerada, com o lançamento de um candidato do PT, Fernando Haddad. O partido ocupou o poder durante muito tempo, tem uma grande bancada no Congresso, disputou com Bolsonaro o segundo turno.
Todos sabem que lançará candidato próprio. Mesmo nas eleições municipais de São Paulo, com poucas chances segundo as pesquisas, disputou o primeiro turno. Já defendi a ideia de que é indispensável uma grande frente. [proponha a frente para 2030 - talvez decole.] No entanto as próprias eleições municipais mostraram possibilidades diferentes.
O caminho pela frente, de um lado, é de crise social; de outro, uma aliança entre Bolsonaro e o Centrão, que pode até esboçar algumas respostas, mas, ao longo da história, tem se mostrado um tipo de aliança que cava um abismo entre política e sociedade. Os que defendem a frente falam também de um projeto nacional, uma visão de como e para onde conduzir o Brasil, sua inserção internacional. É inegável a importância do argumento. No entanto a experiência tem mostrado também que muitos eleitores se definem por algum tema que lhes interessa e avaliam também a trajetória e a personalidade do candidato.
Por isso, talvez, em vez de estarmos vendo apenas a fragmentação de uma potencial frente única, estejamos assistindo às cotoveladas e artimanhas que antecedem o lançamento das candidaturas. É importante que se lancem e comecem a trabalhar seriamente. Não existe uma certeza de que a eleição que virá repetirá os protagonistas da eleição de 2018. Muito menos a certeza de que, repetindo os protagonistas, repita o resultado.
Tenho dúvidas se conseguiremos deter satisfatoriamente a pandemia antes de 2022. Isso torna o caminho mais complicado, mas não impede a existência de um caminho aberto, ainda não fatalisticamente desenhado; enfim, um que depende daqueles que vão desbravá-lo.
Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista
Artigo publicado no jornal O Globo em 15/02/2021