Agora que a inflação volta, sobem preços de alimentos e cortes na Educação estão aí, passemos por cima dos filmetes de campanha
Além da situação notória,
da economia à ética, passando pela política, parte da crise de
desesperança que o país atravessa tem a ver com a perda de confiança e o
sentimento generalizado de que andaram mentindo muito. Ao longo do
tempo, versões foram substituindo fatos. Muita gente acabou acreditando
no simulacro sem perceber que não correspondia ao real. Se esse
mecanismo se perpetua, a frustração é cada vez mais perigosa para o
país. Para evitá-la, vale a pena não se afastar dos fatos.
Não custa lembrar. Investigação não é indiciamento — cuidado para não identificar os dois processos e depois se queixar de que houve arquivamento. Aliás, arquivar por falta de provas ou devido a investigações mal conduzidas não é engavetar geral. E manifestação de protesto não é terceiro turno, como se diz. Outra coisa: doação de empresa para campanha não é ilegal. Ilegal é esconder isso ou depois cobrar vantagens. Ou usar dinheiro que não era próprio, mas apenas repassado dos cofres públicos, vindo de um sobrepreço em serviços prestados ao governo, ou de empréstimos vantajosos vindos do Tesouro. No Japão, é lei: empresa que negocia com o governo não pode ter qualquer relação com funcionários do mesmo, nem para dar uma carona ou um presentinho. Ou seja, pode-se ter leis que controlem, sem precisar obrigar a votar na lista prévia feita pelo dirigente partidário, como tentam nos empurrar goela abaixo. E não precisa haver campanhas tão caras. Nem tantos partidos.
Outra briga com os fatos: fim de privilégios para espertalhões (que dão trambique com pensões e aposentadorias ou querem se dar bem às custas de seguro-desemprego) não é o fim dos direitos trabalhistas, mas um passo para a moralidade e garantia de haver dinheiro para pagar a quem tem direito. Há quem adote neta como filha para deixar pensão quando o avô morrer (e se ela não casar de papel passado, pode ser para sempre). E casos de idosos muito idosos que “casam” in extremis com jovens muito jovens — benefício por décadas. Prazos distorcidos propiciam abusos gritantes no seguro-desemprego. A presidente faz muito bem em dar um basta nisso.
A média de idade das aposentadorias é 54 anos. O ministro da Previdência fez bem em dizer que se aposentar aos 50 é um equívoco. Mas quando FH disse que se aposentar antes dos 50 é coisa de vagabundo, a frase virou “aposentado é vagabundo”. Até hoje repetem isso, sem que jamais tenha sido dito por ele.
E na economia? Atribuindo os problemas a um ligeiro percalço porque a Copa significou menos dias de produção, entre o primeiro e o segundo turnos, o ministro Mantega afirmou: “Vai quebrar a cara quem apostar na alta do dólar e na queda da bolsa”. Antes dos cem dias do novo governo, temos o que se vê. Podia ter acrescentado “La garantía soy yo”, como o trambiqueiro paraguaio da publicidade inesquecível. Será que o ex-ministro da Economia paga a aposta de quem achava o contrário?
Em novembro, Mercadante comparou o ajuste fiscal a viajar num avião com carga excessiva e, para se desfazer do peso, se jogar fora a turbina. Agora caiu na real. O ministro, não o avião. Diz que é como ir ao dentista — de vez em quando é necessário .
E o caso da analista do Santander? Acusando Aécio de ter ofendido uma mulher, ao usar a palavra leviandade para se referir a Dilma, Lula usou termos nada elegantes ao refutar a análise de uma profissional, feita para a instituição bancária. Disse que ela “não entende p*&#* nenhuma de Brasil”.
(...)
Agora que a inflação volta, sobem os preços dos alimentos e os cortes na Educação estão aí, passemos generosamente por cima dos filmetes de campanha mostrando o sumiço do prato de comida e dos livros das mãos das crianças, se a oposição ganhasse. E das acusações de que os juros iam subir se o governo não fosse reeleito.
Continuar lendo ......................... Ana Maria Machado é escritora
Não custa lembrar. Investigação não é indiciamento — cuidado para não identificar os dois processos e depois se queixar de que houve arquivamento. Aliás, arquivar por falta de provas ou devido a investigações mal conduzidas não é engavetar geral. E manifestação de protesto não é terceiro turno, como se diz. Outra coisa: doação de empresa para campanha não é ilegal. Ilegal é esconder isso ou depois cobrar vantagens. Ou usar dinheiro que não era próprio, mas apenas repassado dos cofres públicos, vindo de um sobrepreço em serviços prestados ao governo, ou de empréstimos vantajosos vindos do Tesouro. No Japão, é lei: empresa que negocia com o governo não pode ter qualquer relação com funcionários do mesmo, nem para dar uma carona ou um presentinho. Ou seja, pode-se ter leis que controlem, sem precisar obrigar a votar na lista prévia feita pelo dirigente partidário, como tentam nos empurrar goela abaixo. E não precisa haver campanhas tão caras. Nem tantos partidos.
Outra briga com os fatos: fim de privilégios para espertalhões (que dão trambique com pensões e aposentadorias ou querem se dar bem às custas de seguro-desemprego) não é o fim dos direitos trabalhistas, mas um passo para a moralidade e garantia de haver dinheiro para pagar a quem tem direito. Há quem adote neta como filha para deixar pensão quando o avô morrer (e se ela não casar de papel passado, pode ser para sempre). E casos de idosos muito idosos que “casam” in extremis com jovens muito jovens — benefício por décadas. Prazos distorcidos propiciam abusos gritantes no seguro-desemprego. A presidente faz muito bem em dar um basta nisso.
A média de idade das aposentadorias é 54 anos. O ministro da Previdência fez bem em dizer que se aposentar aos 50 é um equívoco. Mas quando FH disse que se aposentar antes dos 50 é coisa de vagabundo, a frase virou “aposentado é vagabundo”. Até hoje repetem isso, sem que jamais tenha sido dito por ele.
E na economia? Atribuindo os problemas a um ligeiro percalço porque a Copa significou menos dias de produção, entre o primeiro e o segundo turnos, o ministro Mantega afirmou: “Vai quebrar a cara quem apostar na alta do dólar e na queda da bolsa”. Antes dos cem dias do novo governo, temos o que se vê. Podia ter acrescentado “La garantía soy yo”, como o trambiqueiro paraguaio da publicidade inesquecível. Será que o ex-ministro da Economia paga a aposta de quem achava o contrário?
Em novembro, Mercadante comparou o ajuste fiscal a viajar num avião com carga excessiva e, para se desfazer do peso, se jogar fora a turbina. Agora caiu na real. O ministro, não o avião. Diz que é como ir ao dentista — de vez em quando é necessário .
E o caso da analista do Santander? Acusando Aécio de ter ofendido uma mulher, ao usar a palavra leviandade para se referir a Dilma, Lula usou termos nada elegantes ao refutar a análise de uma profissional, feita para a instituição bancária. Disse que ela “não entende p*&#* nenhuma de Brasil”.
(...)
Agora que a inflação volta, sobem os preços dos alimentos e os cortes na Educação estão aí, passemos generosamente por cima dos filmetes de campanha mostrando o sumiço do prato de comida e dos livros das mãos das crianças, se a oposição ganhasse. E das acusações de que os juros iam subir se o governo não fosse reeleito.
Continuar lendo ......................... Ana Maria Machado é escritora