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segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Abominável casuísmo - IstoÉ

A proposta de convocar uma Constituinte, como quer Alcolumbre, além de inviável juridicamente, significa fazer o jogo dos mesquinhos interesses de grupos radicais

No momento em que o Brasil atravessa um de seus mais graves períodos de radicalizações e extremismos, pretender a convocação de uma Assembleia Constituinte para resolver a questão da prisão em segunda instância é como sugerir a realização de um Fla-Flu em praça pública – só briga e pancadaria para todos os lados e nada de produtivo ao País. Por incrível que pareça, é isso o que quer o presidente do Senado, Davi Alcolumbre: não o Fla-Flu, mas a Constituinte. A mera hipótese de se discutir essa possibilidade já é, por si só, um absurdo descomunal, o que dizer então de sua efetiva proposta. Claro que a ideia, lançada na terça-feira 12, nasceu para sequer resistir, no quesito durabilidade, ao feriadão prolongado. E não é para menos, de tão estranha que se faz no universo político e jurídico.

Uma Assembleia Nacional Constituinte reflete, necessariamente, o momento histórico no qual ela é eleita e se realiza, e tal momento no Brasil de hoje levaria eventuais constituintes a se devorarem, uns aos outros, não em nome de altos ideais e do interesse público, mas, isso sim, em defesa de suas radicais posições ideológicas e de seus — mais radicais ainda – interesses pessoais e patrimonialistas. Tratar-se-ia de um abominável casuísmo.

Ironia? Quem dera!
Nenhuma reunião parlamentar tem de demonstrar tão impecável funcionamento democrático como uma Assembleia Constituinte, uma vez que cada um de seus integrantes juridicamente um “constituinte originário” que engendrará os demais “poderes derivados” está investido do poder que lhe foi dado pelo povo para decidir sobre as regras que ordenarão o funcionamento social desse próprio povo. De tão impensável, a proposta de Alcolumbre chegou a ser considerada uma simples ironia por sua assessoria. Quem dera! Quando aqueles que lhe são próximos se deram conta, a coisa era séria e até já provocara justa reação contrária do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia. “Volta e meia, o debate da Constituinte vem à tona no Congresso. Se há novamente conflitos sobre a questão da prisão em segunda instância, quero trazer esse debate da Constituinte para esse momento importante da história”, disse Alcolumbre, sem dizer nada. “Redigir uma nova Constituição é uma sinalização ruim. Se esse assunto prosperar, vai gerar uma grande insegurança”, disse Maia, dizendo tudo.


Recentemente, o STF decidiu que o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) não se choca com o artigo 5º da Constituição Brasileira, uma vez que ambos falam em prisão somente após o “trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Como não cabe ao STF legislar, a Corte abriu então ao Congresso a possibilidade de alterar a Constituição ou o CPP. Nas Casas Legislativas, é grande o receio de muitos parlamentares de que seus pares votem pelo início do cumprimento da pena a partir da segunda instância, e isso ocorre porque, igualmente grande, é o telhado de vidro de muitos deles. Toda a discussão, porém, acaba sendo inócua nesse instante. Uma Assembleia Constituinte só guarda sentido em momentos de rupturas institucionais, como foi, por exemplo, a que se realizou no período de redemocratização do Brasil, após o fim da ditadura militar. Dessa Constituinte nasceu em 1988 a atual Constituição Cidadã, prevendo, ela própria, que depois de cinco anos não mais poderia ser revisada pelo Congresso. Ou seja, desde 1993 não há como alterá-la em questões como o “trânsito em julgado”, a não ser por meio de PEC, o que dificilmente acontecerá porque teria de se obter três quintos dos votos na Câmara e no Senado, e, assim mesmo, em duas votações.

Assessores de Alcolumbre acharam que ele estava brincando quando falou de Constituinte para decidir sobre prisão em segunda instância
Em tese, uma PEC poderia então convocar uma Constituinte. Como já se disse, porém, tal Assembleia só seria possível na hipótese de ruptura institucional. A ideia de Alcolumbre é, assim, vazia. O Congresso Nacional pode, isso sim, modificar o artigo 283 do CPP, e fazê-lo ditar que a execução da pena terá início na segunda instância. Ficará ele, no entanto, em desconformidade com a Constituição — e, então, novamente um mar de arguições de constitucionalidades desaguará no STF. Será uma história sem fim.

IstoÉ


quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A revanche das mulheres

Mulheres conhecem predadores sexuais de cor e salteado, na política e nas empresas onde o poder é masculino 

Cuidado, homens. Cuidado, candidatos a qualquer cargo político, de prefeito a presidente. Donald Trump vive seu inferno astral no fim da corrida à Presidência dos Estados Unidos. Não por ser um perigo para o mundo, não por sua visão preconceituosa dos negros, dos muçulmanos ou dos imigrantes… mas por assediar, apalpar e beijar mulheres à força. Por se achar o máximo, uma estrela. Pois a estrela está se apagando de vez, com as descrições de seus avanços sexuais.

Avanços na terra, no ar e no elevador. Jessica Leeds tem 74 anos. Diz que Trump a apalpou em 1978 durante um voo, quando ela tinha 38 anos. Rachel Crooks diz que, no elevador da Trump Tower, onde ela trabalhava como recepcionista, o bilionário a beijou na boca à força. Muito clichê o assédio sexual misturado a abuso de poder. Os dois casos foram publicados pelo The New York Times. Trump chamou de “pura ficção e mentiras deslavadas” e ameaçou processar o jornal. Os editores já declararam que não pretendem se desculpar nem desmentir os depoimentos. [Fica a pergunta: e as provas? o ônus de provar cabe a quem acusa; assim, fica muito fácil para Hillary ou seus apoiadores subornarem qualquer mulher para que essa acuse Trump da prática de alguma inconveniência sexual. A senhora de 74 anos, tinha 38 anos quando supostamente Trump a apalpou. Talvez fosse apetitosa e provocativa e o Trump temos que admitir que há 38 anos deveria ter também suas qualidades de conquistador.
Será que a ilustre acusadora não provocou e mesmo levou o homem que hoje a acusa a tirar um sarro com ela? Ou talvez ele desejou uma pegação, Trump não a atendeu, e hoje ela se vinga. Pessoal, acusação sem provas além de não merecer crédito pode resultar na punição de quem acusa.  
Por óbvio,  as considerações acima se aplicam em todas as acusação abaixo, em outra não mencionadas e também para as futuras.]
 
A repórter da People Magazine Natasha Stoynoff diz que foi agarrada e beijada por Trump na casa dele em Palm Beach, em 2005, quando foi fazer uma matéria sobre o casal. Segundo Natasha, ele a beijou à força, pressionando-a contra a parede. Para piorar a cena, a mulher de Trump, Melania, grávida, estava no andar de cima da casa. O candidato à Casa Branca respondeu pelo Twitter: “Por que a repórter da People não mencionou o ‘incidente’ em sua matéria 12 anos atrás? Porque isso nunca aconteceu!”. Não sabemos se aconteceu ou não. O que sabemos é que mulheres sempre recearam denunciar assédio sexual de chefes ou de poderosos. Ainda bem que a coisa está mudando.

A Miss Washington de 2013, Cassandra Searles, também acusa Trump: “Ele apertou meu traseiro e me chamou para seu quarto de hotel”. A produtora Mindy McGillivray, hoje com 36 anos, afirma que Trump a acariciou em 2003, quando ela tinha 23 anos e trabalhava na produção de um show de Ray Charles em Palm Beach.

Trump começou a ser deserdado pelos próprios republicanos – homens, mulheres, jovens, estudantes, líderes políticos – após a divulgação de um vídeo de 11 anos atrás, onde ele se referia a mulheres de maneira vulgar, típica de um machista sem freios. “Eu tentei comê-la. Ela era casada. Quando você é uma estrela, elas deixam você fazer tudo. Fazer o que quiser. Agarrá-las pela b…ta.” Imediatamente o escândalo foi chamado pelos americanos de Pussygate, numa referência ao Watergate que derrubou Richard Nixon.

No debate presidencial de domingo, Trump confirmou os comentários, mas pediu desculpas e disse que tudo não passou de “conversa de vestiário”. Esperava-se muita baixaria, mas Hillary Clinton reduziu seus ataques ao mínimo, por ter um telhado de vidro chamado Bill. Horas antes do debate, Trump surgiu ao lado de mulheres que diziam ter sido assediadas por Bill Clinton – o mesmo que fumou mas não tragou na Sala Oval e que mentiu ao tribunal ao negar sexo com a estagiária Monica Lewinsky. No ano passado, o magnata tuitou: “Se Hillary Clinton não consegue satisfazer seu marido, o que a faz pensar que pode satisfazer os Estados Unidos?”, em referência à traição de Bill Clinton. Hoje, acho que Clinton teria caído. A sociedade mudou.

Michelle Obama reagiu a Trump: “Não posso acreditar que um candidato à Presidência dos Estados Unidos se vangloriou por atacar mulheres sexualmente. Não é normal. É vergonhoso. É intolerável (…) Não foi conversa de vestiário. Foi um indivíduo poderoso, falando livre e abertamente sobre uma conduta de predador sexual”. A primeira-dama se reuniu com jovens na Casa Branca. “Quero que elas entendam que qualquer sociedade é medida pela maneira como trata as mulheres e as meninas.”

Guardadas as proporções, o que aconteceu no Rio de Janeiro – a derrota humilhante, no primeiro turno, do candidato a prefeito pelo PMDB, Pedro Paulo, indicado por Eduardo Paes – prova que o tratamento a mulheres virou uma arma política poderosa. Quando veio à tona o depoimento original da ex-mulher de Pedro Paulo, Alexandra, acusando-o de violência doméstica com socos, empurrões e hematomas, incluindo um episódio de traição dentro de casa, sua candidatura estava condenada. Mesmo absolvido posteriormente pela Justiça devido a mudanças nos depoimentos da ex-mulher e da empregada, Pedro Paulo não foi perdoado pela sociedade.

Mulheres conhecem assédios e predadores de cor e salteado. Não só na política, mas em qualquer empresa onde o poder seja mais masculino. Estão incluídas aí as redações de jornais e revistas. De piadinhas machistas nas reuniões de pauta a insinuações e apalpadas nos elevadores, visando especialmente a jovens estagiárias e recepcionistas, nada é novidade. A novidade agora é que assédio provoca demissão – e humilhação pública.

 Fonte: Revista Época - Ruth de Aquino