São desfechos previsíveis de curto prazo para a crise deflagrada pelas gravações que desnudaram fatos comprometedores, omissões, bravatas e cafajestadas dos colaboradores da JBS. Assim como corre solta a avaliação de que o procurador Rodrigo Janot virou carvão no churrasco mal-feito dos irmãos Batista aos 45 minutos do segundo tempo. Acima e além do imediato, porém, está a interrogação sobre o que mais importa, do ponto de vista político, jurídico e histórico: o episódio que desmoralizou a colaboração da JBS servirá como operação abafa para a Lava Jato?
Os próximos dias serão de muito debate político e confronto jurídico em torno da tese de que, uma vez anulado o acordo de delação, as provas obtidas são preservadas e valem para denúncias e condenações, defendida por Janot. Do outro lado, já se levanta um exército de juristas e advogados pregando o contrário, com base na teoria da maçã da árvore podre, segundo a qual prova obtida em procedimento ilícito deve ser desconsiderada. A decisão será do Supremo, que, sabe-se, hoje se inclinaria a anular a delação, prender os delatores e manter as provas. Se não for rápido no gatilho para julgar o assunto, porém, corre o risco de ver os ventos virarem. Ou acabar soterrado por uma nova realidade criada do outro lado da rua.
A reação mais forte pode não vir das teses jurídicas que querem anular delações premiadas e provas. Virá do Congresso, onde o questionamento à colaboração da JBS e a derrota de Janot acabam de abrir um enorme flanco de reação, produzindo o quase milagre de unir a base governista. Por quê? Porque, para muita gente, chegou a hora de a onça beber água, ou seja, de deputados e senadores tomarem coragem para votar medidas e projetos que foram obrigados a engavetar antes por medo da opinião pública. O episódio parece ter dado auto-confiança e, sobretudo, narrativa a esse pessoal.
Começam a falar em ressuscitar projetos como o que pune o abuso de autoridade e os que mudam dispositivos tornando mais restritas a delação premiada e a prisão preventiva. [sempre bom lembrar que o combatido projeto que pune abuso de autoridade não contém nenhum tipo de abuso que possa prejudicar investigações policiais.
O motivo é simples: qualquer denúncia feita contra determinada autoridade - seja policial, procurador ou juiz - será analisada por um juiz com a participação do MP, o que dá a garantia de que a denúncia só prosperará se realmente tiver ocorrido o delito 'abuso de autoridade'.
Criticar uma lei que coíba o ABUSO DE AUTORIDADE é defender a impunidade de autoridades que abusam da sua condição funcional e, portanto, são merecedoras de punição a ser aplicada pelo PODER JUDICIÁRIO, ouvido o Ministério Público.
Quanto a delação premiada é válida, desde que o denunciado seja confirmado por provas complementares ou na ausência destas, por indícios devidamente comprovados.
Os decretos de prisão preventiva devem seguir, rigorosamente, as disposições do Código de Processo Penal. ]
Também a revogação da prisão de condenados na segunda instância, uma missão que está no script da maioria flutuante do Supremo, pode vir por alterações na lei. À mais alta corte do país, cujo ativismo político se deve em grande parte a omissões do próprio Legislativo, não restaria outra alternativa a não ser obedecer à nova norma legal. Nessa linha, a quase morta reforma política, coincidentemente, saiu da UTI no mesmo dia em que a delação da JBS bateu na praia. A PEC que cria a cláusula de barreira e acaba com as coligações proporcionais foi votada na Câmara. E quem garante que, nas próximas rodadas, que vão tratar do financiamento de campanha, não apareça alguma proposta sobre anistia ao caixa 2? [ao que sabemos não cabe nenhuma proposta de anistia ao caixa dois pela simples razão de que ATÉ O PRESENTE MOMENTO a prática conhecida como CAIXA DOIS não é tipificada como CRIME.
Não é possível aprovar uma lei anistiando uma prática que na época da edição da lei não é crime.]
Em 24 horas, muitos personagens já se mobilizaram para surfar na nova onda. O líder e presidente do PMDB, Romero Jucá, por exemplo, foi ágil ao lembrar que o suspeito ex-procurador Marcello Miller não cuidou só da delação dos irmãos Batista, mas também das de Sérgio Machado, Delcídio Amaral e Fernando Baiano – e que pode ter “contaminado” também as outras. Nesta quarta, Jucá, também acusado, ensaiou a narrativa: “O Congresso tem que checar que tipo de armação foi feita contra a classe política e a economia”.
Armação ou não, podemos estar prestes a descobrir que nem Janot e nem Joesley são professores ou “espertões”, como disse o empresário delator em suas conversas deselegantes. Afinal, acabaram moídos e enganados. A disputa pelo titulo de espertão geral da República anda ferrenha e se trava hoje entre os inquilinos do Planalto e os do Congresso.
Fonte: Helena Chagas - Blog do Noblat - O Globo