O general Braga pouco falou na cerimônia em que foi anunciada a intervenção. Astro da festa foi o ministro da Defesa, Raul Jungmann, secundado pelo ministro da Segurança Institucional da Presidência, general Etchegoyen. O general Braga era antes uma vítima da situação. Acabara de lhe cair nas mãos uma operação para a qual as únicas preparações foram uma reunião do presidente com os ministros de sua cozinha e outra com os marqueteiros. O silêncio lhe mascarava a perplexidade. Nos dias seguintes o silêncio perdurou, e com isso abriu-se um fio de esperança. O general Braga faz seu serviço calado. É o oposto do loquaz ministro Jungmann. Raiou a esperança de a intervenção marqueteira quem sabe transubstanciar-se em resultados substantivos.
A intervenção põe muita pedra no caminho de um oficial levado a um rumo com o qual não sonhou
Tanques e uniformes verde-oliva nas ruas não são novidade para os cariocas. Sem falar do recurso ao Exército na Olimpíada e em outros grandes eventos, está em curso desde julho uma operação que, segundo o ministro Jungmann, teria vindo para “golpear o crime”. (Decorridos sete meses, ainda não golpeou.) O que se espera de uma intervenção no governo estadual vai muito além. Ela não se completará sem: (1) uma devassa nas polícias do Rio, alguns de cujos comandos, segundo o ministro da Justiça, Torquato Jardim, são cúmplices do crime organizado; (2) igual devassa na administração dos presídios, onde os chefes do tráfico gozam de respaldo e conforto para expedir ordens; e (3) com a ajuda das unidades de fronteira do Exército e da Polícia Federal, conseguir controlar o abundante afluxo de armas e drogas ao estado.
Contra o bom êxito da intervenção tem-se a evidência de que transferir o problema para a esfera federal não é panaceia. Exército e Polícia Federal são os responsáveis pela vigilância das fronteiras, e elas seguem porosas como sempre. Na questão dos presídios, duvida-se de algum progresso quando se lembra que até hoje não se conseguiu nem mesmo barrar a entrada de celulares. Temos ainda a escassez de recursos, que não é só do Rio, mas também do governo federal, para sustentar a intervenção. Quem vai pagar o quê, e como, era uma questão em aberto desde o anúncio da medida. Leve-se em conta, por fim, que o estado segue entregue ao sistema Sérgio Cabral, o príncipe da ladroagem, ora representado pelo triste Pezão. Para ser exitosa, faltará ainda à missão do general Braga imunizar-se contra os efeitos perniciosos irradiados da vasta parte da administração fora de seu controle. É muita pedra no caminho do nosso general calado, desviado numa esquina da vida para um rumo com o qual não sonhou. Dura será sua vida.
Com a legenda “Militares inspecionam mochilas de alunos em operação em favela na Zona Norte do Rio”, a foto na primeira página da Folha de S.Paulo da quarta-feira 21, publicada na página 54 desta edição de VEJA, exibia em primeiro plano o cano do fuzil pendente do ombro de um soldado, visto de costas, e, ao lado, de frente para a câmera, uma bonita garotinha, negra, gordinha, de uniforme azul e branco, expressão séria e grandes olhos entre indagadores e amedrontados voltados para o soldado. Imagine-se cena similar com uma menina branca, os mesmos olhos indagadores e amedrontados, o mesmo soldado, o mesmo fuzil, numa escola do Leblon. A menção a “mandado coletivo de busca e apreensão” teria chance de causar comoção. Imaginem-se o leitor e a leitora por um momento na pele dos pais da garotinha da foto. Pensemos na garotinha, que teria 5 ou 6 anos. Pensemos nas mochilas sendo reviradas.
Veja - Roberto Pompeu de Toledo