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sábado, 14 de setembro de 2019
Bolsonaro vai montando a sua ditadura - Isto É
O clã dos Bolsonaro tem ventilado amiúde a sua retórica autoritária, procurando aos poucos costurar, quem sabe (se colar!), um projeto de ditadura a ele conveniente. O Zero Dois da linhagem, o internauta multiplataforma Carlos, com a solidez e perspicácia retórica que lhe são peculiar, contribuiu dias atrás com mais uma pérola do caudilhismo caboclo. Disse de maneira cristalina, sem margem a interpretações equivocadas, que “por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”. Nada mais eloquente como aceno a regimes de exceção e ao retrocesso do que o enunciado do pimpolho dileto do mandatário. Carluxo, saltando com a devida destreza o conciliábulo liberal da patota de Guedes, encontrou (quem sabe) novas e transcendentais mudanças impossíveis de vingar em um ambiente onde o poder emana do povo. Interpretando seu personagem favorito, o de paladino de um western digital, expressou mais uma vez nas redes o que, decerto, também pensa o patriarca. Messias em pessoa já disse lá atrás: “através do voto você não muda nada no País; tem de matar uns 30 mil”. Era ainda deputado do baixo clero, vale a ressalva, mas não reviu o que pensa, como até as pedras do Planalto sabem. [se a democracia do Brasil, corre o risco de não resistir a um comentário feito por um vereador, licenciado, que não comanda sequer uma Companhia de Infantaria, convenhamos que essa democracia não existe, se existe está muito fragilizada ou não satisfaz aos brasileiros.
E, ao que consta, vivemos em um Estado Democrático de Direito.]
O mano de Carluxo, o Zero Três Eduardo, imerso nos últimos tempos em um programa de adestramento à candidatura de embaixador em Washington, já salpicou pistas de como alcançar o intento do controle absoluto do Estado: “para fechar o STF, basta um soldado e um cabo”, disse, ainda durante a campanha eleitoral de papai. Lembre: o Mito também falou em “levantar borduna”, em “fuzilar” FHC e em dar “o golpe no mesmo dia” se chegasse ao poder – como, por ironia do destino dos brasileiros, acabou acontecendo. A estirpe bolsonarista, cavalgando ajaezadas metonímias ou indo direto ao ponto, não mede obstáculos na aplicação do vernáculo belicista. Nesse tocante, encarna o verbo em pessoa. Seus partícipes se orgulham de aparecer com armas (o postulante à diplomata Dudu foi o mais recente deles, em pleno hospital) e de ameaçar e perseguir eventuais críticos. Não se venha dizer que é preciso relevar, tolerantemente, essa índole totalitária. [portar armas é uma necessidade - o presidente Bolsonaro foi agredido covardemente, apesar de estar no meio de uma multidão e, ainda hoje, padece as consequências da covarde agressão;
estivesse sozinho e armado, o rato que o atacou não teria agido.
Eduardo Bolsonaro em função da profissão que exercia - policial federal - tem, comprovadamente, condições psicológicas e conhecimentos que o habilitam a portar uma arma.
E a área em que foi fotografado portando uma arma, é uma área que está, temporariamente, com sua segurança sob a responsabilidade do GSI.
O único golpe que Eduardo poderia desferir seria atirar no pai - o que certamente não pretende, nem pretenderá, fazer.] O pouco caso, a não reação a condutas do tipo, que afrontam preceitos constitucionais, já levou muitos governantes em outras ocasiões e em condições semelhantes ao flerte com o autoritarismo.
É previsível entre esses aspirantes a déspotas a postura de incômodo com os contrapesos da democracia. Jair Bolsonaro alardeou aos quatro ventos que só deve respeito e lealdade ao povo, esquecendo-se, talvez propositadamente, que também deve à Carta Magna e aos demais poderes o mesmo comportamento. Podem-se aduzir inúmeros motivos para o flagelo ideológico da trupe bolsonarista. Mas talvez o mais notório deles seja a intolerância que seus membros cultivam por quem pensa diferente. Tome-se a atitude de Carluxo, por exemplo. Após a saraivada de reações negativas ao vitupério antidemocrático, ele partiu aos ataques de sempre, alegando que “canalhas” da imprensa distorceram seus pensamentos. Nem às próprias palavras ele dá valor. Há pessoas que julgam os seus semelhantes como se todos indistintamente lhes compartilhassem as visões de mundo e a consistência de caráter.
Com Carluxo, Eduardo, Flávio e o capo Jair parece que se dá assim. Nos gabinetes parlamentares da família algumas práticas desabonadoras foram anotadas. Acusações de laranjal, de uso de cabos eleitorais fantasmas e de inexplicáveis relações com milicianos levaram o presidente a perseguir investigadores. A cúpula da Polícia Federal está no cadafalso, ameaçada de degola. O Coaf, que investigava movimentações financeiras suspeitas, foi para o espaço. Acabou na concepção original por ousar investir sobre as contas da Primeira Família. Receita Federal, depois da “devassa” que promoveu em seu clã, segundo palavras do próprio capitão, deve ser reestruturada, dividida em sub-repartições. O titular do fisco, Marcos Cintra, acaba de ser despachado para casa. [Cintra não deveria nem ter sido convidado;
além de suas pretensões de transformar a Receita federal em uma 'república' independente - com todos os bônus da independência, sem a contrapartida dos ônus - pretendia recriar a CPMF e com isso matar 'politicamente' o presidente da República, órgão ao qual a Receita está subordinada, integrando o segundo escalão.] Também foram mandados embora o presidente do INPE, por divulgar números de desmatamento oficiais que Bolsonaro não gostou, o da Ancine, por patrocinar filmes tidos por ele como “pornográficos”, membros do IBGE, do BNDES e por aí afora. O xerife do País, que faz questão de dizer que é quem manda no pedaço, quebra e arrebenta, vai aparelhando o sistema tiranicamente, enquanto despeja sobre a Nação seu entulho autoritário. Está tudo dominado. Ou quase.
Importante perceber, não sem algum constrangimento, como a República dos Bolsonaro, que se anunciava nova, capaz de uma distopia radical com tudo que estava aí, promoveu ao logo dos últimos tempos – nesses primeiros nove meses de gestação – uma concepção muito peculiar de democracia. Seria, por assim dizer, uma democracia de sarau, uma ação entre amigos, que se desenvolve no avarandado dos poderosos. Na particular noção de liberdade que o Messias cultiva cabem as bravatas ranzinzas, as afrontas a parceiros internacionais, as mentiras em redes sociais, a difamação de rivais, o que der na telha. Acata-se o amuo momentâneo dos grãos senhores da indústria e do comércio, absorvem-se a “malaise” de ministros menos trogloditas como Sergio Moro e até os protestos abertos do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. As desavenças se encerram sob o manto conciliador dos interesses da minoria, no círculo fechado do privilégio.
A velha política, sob o tacape de Bolsonaro, segue, assim, sendo a mesma. Sai república, entra república, os desacertos da elite são ensarilhados ao lado do pote que mantém cheio o botim. Para conservar acesa a camarilha de adoradores, o mandatário destampou o bolor de pânicos fictícios e alguns fantasmas que a Nação reza para ver pelas costas, como o da tenebrosa sombra petista. Mas são nas imprecações sistemáticas que o atual governo deixa a estranha impressão de que se assiste hoje, afinal, ao que talvez seja a derradeira cena de uma transição dolorosa na qual prevaleceu a guerra dos extremos. Polarizado até aqui, o País clama pela moderação. Repudia a prepotência de quem se arvora em digno detentor do poder absoluto. O governo enfezadinho armou seus homens para uma guerra imaginária e, nessa toada, sairá derrotado dela.
Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três
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