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quarta-feira, 15 de junho de 2016

A vez de Lula

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a dizer que não há ninguém no Brasil mais honesto do que ele. "Tenho tranquilidade. Duvido que algum procurador, que algum delegado da polícia seja mais honesto do que eu, mais ético do que eu, nesse país", declarou o chefão petista em entrevista à TV Al Jazeera divulgada no dia 11. Assim, pode-se presumir que Lula não tenha ficado nem um pouco preocupado com a notícia de que o ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, determinou que os processos nos quais o ex-presidente é investigado fossem remetidos à primeira instância, isto é, aos cuidados do juiz Sérgio Moro.

A decisão de Teori colocou um ponto final na estratégia petista de conseguir foro privilegiado para Lula, por meio de sua nomeação para um Ministério do governo de Dilma Rousseff. A nomeação acabou suspensa pelo Supremo, mas Teori levou mais de um mês para enfim remeter o caso para a primeira instância - e o magistrado incluiu no pacote enviado para Moro os ex-ministros petistas Edinho Silva, Jaques Wagner e Ideli Salvatti.

Agora, finalmente, Lula terá de se entender com a "República de Curitiba" - nome que o próprio chefão petista, em uma das conversas interceptadas pela Polícia Federal, usou para se referir à força-tarefa da Lava Jato. "Eu sinceramente estou assustado com a República de Curitiba. Porque a partir de um juiz de primeira instância, tudo pode acontecer nesse país", vociferou o ex-presidente na gravação, sem esconder seu desrespeito pelo trabalho até aqui exemplar dos responsáveis pela Lava Jato.

Em outra ocasião, também registrada pela polícia, Lula diz que "esses meninos da Polícia Federal e esses meninos do Ministério Público, eles se sentem enviados de Deus" e acrescenta: "Eu sou a chance que esse país tem de brigar com eles para tentar colocá-lo no seu devido lugar".  Lula terá essa oportunidade muito em breve. Ontem, havia informações segundo as quais a Lava Jato preparava três denúncias contra o ex-presidente, contendo acusações relacionadas ao petrolão. Segundo o site da revista Época, Lula pode ser denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro - as penas, somadas, podem chegar a 15 anos de prisão.
Ademais, no pedido de abertura de inquérito feito ao Supremo em abril, a Procuradoria-Geral da República acusa Lula de ter tido, "no exercício do mandato presidencial", uma "posição dominante na organização criminosa" estruturada para assaltar a Petrobrás, conforme publicou ontem o site Congresso em Foco. Na mesma peça, o procurador-geral, Rodrigo Janot, diz que "essa organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse". Os procuradores da Lava Jato são da mesma opinião.

Questionado na entrevista à Al Jazeera sobre essa acusação, Lula disse que "esse procurador deve ignorar como funciona a Petrobrás", o que explicaria "uma bobagem dessa magnitude". E então Lula aproveitou a deixa para se dizer perseguido, seu papel favorito. Segundo ele, a Lava Jato está "coagindo os empresários a comprometer o Lula", por meio das delações premiadas. "As delações, na minha opinião, estão sendo banalizadas, porque você prende um cidadão, fica ameaçando o cidadão, ameaçando prender a mulher, o filho, se a pessoa não delatar. Dessa forma, as pessoas irão delatar até a mãe", disse Lula, sugerindo que a Lava Jato usa métodos escusos para produzir provas contra a quadrilha que pilhou o Estado durante os governos petistas.

Tais acusações não são próprias de quem se diz tranquilo porque é inocente. Se Lula nada deve, não tem o que temer - afinal, ao contrário do que o ex-presidente imagina, a Lava Jato só age conforme a lei. Sérgio Moro já proferiu 105 condenações, e raras foram as que acabaram revertidas em tribunais superiores. Portanto, o chefão petista terá todas as condições de mostrar que quando diz ser o homem "mais honesto deste país" não está apenas roncando grosso.


Fonte: Editorial - O Estado de S. Paulo