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sábado, 25 de abril de 2020

Bolsonaro implode o próprio governo - Míriam Leitão

O Globo

A duração do governo Bolsonaro agora dependerá do Congresso. Diante da acusação do ex-ministro Sergio Moro, fica difícil para o presidente da Câmara engavetar mais um pedido de interrupção do mandato. [não pode ser esquecido que o recebimento pelo presidente da Câmara dos Deputados de um pedido de impeachment, tem valor zero, já que a Câmara é quem decide se o pedido resultará na abertura de um processo de impeachment - para que um processo de impedimento seja aberto são necessários 342 votos favoráveis e para o arquivamento do pedido são necessários 172 votos contra.

Detalhes: 
a presença tem que ser, obrigatoriamente, de no mínimo 342 deputados. 
341 deputados presentes = arquivamento.
172 votos contra o pedido = arquivamento.] As condições para um processo de impeachment estão dadas. Bolsonaro queria informações da Polícia Federal de processos e investigações, inclusive alguns nos quais tem interesse direto. Pressionou ao ponto da demissão do ministro da Justiça que era uma das bases de sustentação do seu governo. – A prova de falsidade ideológica é fácil. Basta requisitar ao governo que apresente a cópia do pedido de demissão assinado por Valeixo e o decreto de demissão com a assinatura de Moro – informou a fonte. [acusações que são graves, desde que os crimes tenham ocorrido - as provas são essenciais.] 



Moro apresentou seu pedido de demissão em uma entrevista na qual tratou diretamente dos fatos que o levaram à decisão. A resposta do presidente veio em forma de um pronunciamento longo, confuso, contraditório. No que disse de substância, ele negou que tivesse pressionado Moro. No final do dia Moro expôs ao Jornal Nacional uma troca de mensagens que mostra que Bolsonaro queria trocar Valeixo por causa do inquérito que investiga parlamentares bolsonaristas [a mensagem diz isto? ou apenas transmite a ideia do presidente de que é preciso trocar?  - talvez o presidente tenha tal entendimento por um possível exagero da PF nas ações objeto da notícia do O antagonista. Logo que o ministro Moro diz que a PF agiu cumprindo ordens do ministro Alexandre de Morais, o presidente não envia mais mensagens sore o assunto 'troca'.] No pronunciamento, Bolsonaro confirmou que queria sim “interagir” com a Polícia Federal. “Quero um delegado que eu possa interagir com ele. Interajo com as Forças Armadas, Abin, com qualquer um do governo”. Nesse aspecto, segundo um delegado da Polícia Federal, ele misturou coisas bem diferentes
A Abin, o Exército e as polícias militares analisam cenários e fazem relatórios da situação do país. Nesta crise da saúde, por exemplo, sobre situação de UTI, oferta de equipamento de proteção. A PF é polícia judiciária. Produz relatório para investigação, para apurar fato, materialidade e autoria de crime. Não tem sentido político algum ter conhecimento disso. Mesmo aqui dentro a gente tem o conceito de compartimentar a investigação, e só sabe a equipe de investigação ou quem possa auxiliar – explicou.

Na opinião de juristas que ouvi, o que há na fala do ex-ministro Sérgio Moro se configura em crime de obstrução de justiça. O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a abertura de um inquérito de forma capciosa, em que pelos crimes arrolados ele investigará a ambos, caso o Supremo Tribunal Federal autorize o inquérito. De um lado, investigará falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça. Delitos que o presidente pode ter cometido. Por outro lado, fala em denunciação caluniosa e crimes contra a honra, neste caso, tentando atingir Sergio Moro.

Um membro do MPF avalia que Aras errou ao incluir apuração de denunciação caluniosa, porque assim desestimula exatamente aquilo que o Ministério Público tenta incentivar que é denúncias no serviço público. A decisão de Aras “serve como forma de intimidar whistleblowers”. Há mais um erro no processo do PGR: Moro perdeu prerrogativa de foro, disse um ministro do STF. Não pode estar no mesmo inquérito.

Com o inquérito, por mais que Aras continue tentando ajudar Bolsonaro, o presidente e Moro se encontrarão na Justiça. Terão que levar provas do que disseram ou testemunhas. O próprio presidente terá que depor, ainda que tenha a prerrogativa de fazê-lo por escrito. Bolsonaro errou também ao falar que a Polícia Federal deveria explicar a investigação do assassinato de Marielle, porque a federalização não foi decidida ainda. Ao lado do presidente, ali naquele palco no Planalto, havia pessoas que estavam em profundo desacordo com o presidente nos eventos que culminaram com a saída. Um deles me disse ter um “sentimento de desalento e tristeza profunda”. Ministros militares tentaram demover o presidente do confronto com Moro, mas Bolsonaro estava decidido a ter mais acesso às investigações da PF.

Bolsonaro agora está encurralado. Tirou um ministro da Saúde popular no meio de uma pandemia e colocou outro que em uma semana ainda não disse a que veio. Na quinta-feira, [na quinta-feira foram divulgados mortes não computadas nos três dias anteriores e que criaram um número 'artificial' de 407 mortos para aquele dia;
rogamos a DEUS e nEle confiamos que este número de mortos em um único dia - 407 - não será atingido no Brasil nessa pandemia.] quando o Brasil teve 407 mortos pelo Covid-19 - o equivalente à queda de um Boeing 747 -, Bolsonaro estava ocupado em demitir o diretor-geral da Polícia Federal. Com isso, derrubou um dos pilares do seu governo. Tão importante quanto o ministro da Economia. Bolsonaro sai menor e mais isolado após esta demissão. Seu patético pronunciamento de ontem mostra o quanto ele está perdido. Há uma semana, ele acusou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de conspirar contra ele. Na verdade, quem conspirou contra seu governo foi o próprio Bolsonaro.

Míriam Leitão, jornalista - Blog em O Globo - Com Alvaro Gribel, de S. Paulo