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segunda-feira, 1 de junho de 2020

“LIBERDADE, LIBERDADE, ABRE AS ASAS SOBRE NÓS”. - Percival Puggina

Para dar título a este artigo peço emprestado o nome e o belo estribilho do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense no carnaval de 1989. A música e a frase poética, buscada no Hino da Proclamação da República, compuseram-se com uma beleza irretocável e estão em perfeita sintonia com meu sentimento em relação ao que vejo acontecer em nosso país. É preciso dar asas e vida ao que se ganhou nas urnas de 2018.

 Não voltarei a apontar a responsabilidade que atribuo à quase toda a grande imprensa do país em relação à atual instabilidade política. Nossa mídia tradicional fez-se militante de uma causa a desestabilização do governo – assumindo-a como seu dever perante a nação, permitindo que fluam acriticamente, como se fossem frutos naturais da democracia e do estado de Direito, as mais desviantes condutas do Congresso Nacional e do STF. Enquanto aquele chantageava o presidente, o Supremo cruzava uma linha amarela e fazia leis, cruzava outra, e pilotava o governo. As notícias a respeito eram redigidas sem expressar o mais tênue sinal de contrariedade ou reprovação. Os fatos correspondentes eram levados a débito do Poder Executivo e da pessoa do presidente.

No último dia 27, contudo, algo de imensa gravidade aconteceu. No berçário de um mal nascido inquérito sobre fake news e desfeitas ao STF, 29 cidadãos brasileiros foram objeto de uma ação de busca e apreensão da Polícia Federal, a mando do ministro Alexandre de Moraes, que vem atuando como xerife do Supremo. Mais uma vez, os noticiários optaram por tratar do impacto no território do governo, deixando de lado a agressão à liberdade de opinião e expressão, até recentemente um suposto valor de quem preze as práticas inerentes à democracia. O silêncio da “grande imprensa” sobre essas ocorrências deixou claro que se dependermos dela para defesa de nossas liberdades, estamos fritos. A única liberdade de opinião pela qual se empenha é a própria. E, pelo jeito, detesta reparti-la com quem quer que seja. Como se sabe, isso é próprio dos totalitarismos, onde a liberdade tem um caráter oficialista, concedida por alvará a “ciudadanos confiables” como é dito em Cuba.

Um crime imperdoável foi cometido nos três ou quatro anos anteriores ao pleito de 2018. O crescimento explosivo das redes sociais abriu um espaço para opinião que se constituiu na mais espetacular demonstração de vida inteligente fora do lado esquerdo do leque ideológico. 
 Conservadores pensam, descobriu-se. Liberais pensam, descobriu-se. Saídos dos subterrâneos do anonimato acadêmico, resgatadas suas obras das caixas de rejeitos das bibliotecas, dominaram o território. Ocorreu, então, uma explosão editorial semelhante à que conheci nos anos 60, quando a revista Civilização Brasileira e livros de autores da Escola de Frankfurt andavam embaixo do braço e mantinham grande intimidade com o sovaco de alguns colegas meus.

Na segunda década do século XXI, contar-se-á um dia, opinar sobre os fatos deixou de ser privilégio de poucos para se tornar direito de muitos. Firmou-se, assim, uma animosidade entre os livres-pensadores das redes sociais e os que, na mídia formal, exerciam com exclusividade o direito de formar a opinião alheia sobre tudo. Por isso, nossa liberdade está sendo jogada em dois tabuleiros. O oficial, onde a longa manus do Estado agindo através do STF e do Congresso se junta à “grande imprensa” e as redes sociais onde se dá o predomínio mobilizador de conservadores e liberais em sua afanosa busca pelas asas da liberdade.

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.